sábado, 30 de abril de 2016

À FLOR DA PELE: "Correio de Nisa", um jornal "correcto e leal"

Primeiro número saiu a público há 67 anos
Há sessenta e sete anos, no Verão de 1945, a Europa vivia ainda, receosa e expectante, esperando com fervor o fim da 2ª Guerra Mundial. Tempos difíceis, de medo e de incertezas que não obstaram, no entanto, a que em Nisa surgisse o primeiro número de um jornal, designado como "semanário de informação e cultura", sob a direcção de Abel Monteiro.
O lançamento de um jornal, numa vila e sede de concelho, sem tradições jornalísticas, constituiu uma autêntica pedrada no charco e motivo de natural curiosidade e, por que não dizê-lo, uma aventura arriscada, para mais tendo a iniciativa partido de quem não era natural da terra.
No dia 22 de Julho de 1945, domingo, apresentava-se pela primeira vez a público o "Correio de Nisa", um jornal "correcto e leal, ao serviço do povo, porque só para ele foi creado".
O primeiro número, com quatro páginas, ostentava na capa o título, entre um desenho de Duarte d´Armas – que serviu durante anos como logótipo do jornal – e um pequeno anúncio publicitário, uma inovação para a época.
No editorial, Abel Monteiro definia o rumo do semanário como "um jornal de província que nasce paupérrimo", mas disposto a calcorrear a " vereda agreste da existência, sempre no nosso lugar, sem atropelos nem má creação, com que nunca se harmonizará a disciplina e o bom senso".
O primeiro número do "Correio de Nisa" tinha como editor João da Cruz Rosa, comerciante, foi impresso na Tipografia Castelovidense, funcionando a redacção e a administração numa casa do largo António José de Almeida, paredes-meias com a Igreja Matriz, de onde sairia, anos mais tarde, para residência do seu director na rua dos Combatentes da Grande Guerra.
Custava cinco tostões, este novo jornal, que como a restante imprensa do país era "Visado pelo censor", neste caso, o do distrito.
 A primeira página, bastante cheia, mostrava no canto inferior direito, uma fotografia do jardim público "retiro virente e acolhedor que a população procura, em noites cálidas de estio, para repouso da sua magnífica epopeia do trabalho" como dizia a legenda.
Astrigildo Chaves, pintor e poeta nisense, nascido no século XIX era, na pena de António Mota, colaborador do CN, um "artista de transcendentes concepções". Uma transcendência que se manteve apagada e desconhecida dos seus conterrâneos até aos nossos dias.
Dias Loução escrevia sobre D. Dinis, o fundador de Nisa, "misto de lavrador e de poeta… dedilhava suavemente a lira, eterno enamorado da beleza".
O professor José Francisco Figueiredo, na esteira de outras colaborações que mantinha com a imprensa regional (Brados do Alentejo") e nacional (O Século, Diário de Notícias, entre outros) assinava um texto Ça Marche, em que reafirmava os valores da gente de Nisa, e das obras realizadas, lembrando a necessidade de progresso e a resolução de problemas locais.
Esta seria, de resto, a sua marca de intervenção ao longo de várias edições do jornal, até à morte do prestigiado professor, em 1951.
Nas páginas seguintes, surgiam as pequenas notícias, pessoais, umas, e onde se realçava o "modus vivendi" das elites da terra, de interesse mais geral, outras, pedindo providências urgentes para determinadas situações ou assinalando os melhoramentos que iam surgindo.
A poesia, com um soneto de Cesário Verde, fazia a sua aparição logo neste primeiro número e iria ser uma constante durante a existência do semanário e que o marcou de forma positiva.
Por ali passaram, a par de poetas de valor nacional, alguns inéditos do nisense José Gomes Correia, A. Bagulho e poetas populares do concelho, descrevendo "histórias de vida" em versos de singular sabor, muitos deles ainda hoje recordados.
A cultura, a memória histórica, os pequenos anúncios, alguns de saboroso recorte e que nos remetem para a imagem da Nisa comercial e industrial não só da décadas de 40 - a da fundação do jornal - como das seguintes até 1973 quando saiu a público o último número do "Correio de Nisa".
 Registe-se que, há mais de 60 anos, ao lado do título do jornal, aparece um espaço publicitário, fazendo jus ao pragmatismo do director Abel Monteiro que, sem transigências, soube separar o essencial do acessório, e utilizando esse espaço fulcral, numa "tribuna", minúscula é certo, mas bem visível, em defesa dos mais elevados interesses do concelho e da região.
Quando em 1970, Abel Monteiro em edições sucessivas do jornal utiliza o espaço ao lado do título para pedir a "Restauração da Universidade de Évora" revela a sua alma regionalista, o seu profundo amor bairrista numa atitude tanto mais de salientar, quando ele, setubalense por nascimento, assume como poucos a defesa e o restabelecimento de uma instituição de prestígio e que, por força da determinação de muitos alentejanos, viria a ser, no plano da cultura e da educação, anos mais tarde, a alma mater de Évora e do Alentejo.
Abel Monteiro, professor e cidadão íntegro
Abel Monteiro foi, incontestavelmente, um dos homens bons de Nisa. Como professor, metódico e de grande cultura, preparou algumas gerações de estudantes para o exame de admissão aos liceus, leccionando diversas disciplinas na área de Humanidades (português, filosofia, latim, geografia, desenho, etc.).
 Foi um dos precursores do ensino preparatório público, em Nisa, objectivo pelo qual se bateu e que viu concretizado com a criação da Escola Preparatória Prof. Mendes dos Remédios, no início dos anos 70 e da qual foi professor.
A sua determinação e carácter recto, fizeram dele, enquanto jornalista e director do "Correio de Nisa", um dos mais acutilantes defensores da urbe nisense e do concelho, não receando enfrentar os poderes instituídos, sempre que a razão, a justiça e o supremo interesse da população fossem mais fortes.
O seu semanário de informação e cultura, formava, instruía, mas reclamava também, para o concelho e para os seus habitantes, soluções para muitos dos problemas com que se debatiam e aspirações a que muito justamente se julgavam com direito.
O "Correio de Nisa", com uma linguagem esmerada - ou não fosse o seu director, professor de português e latim - se, por um lado, retratava o país conservador e contido nos canônes estabelecidos pela doutrina do Estado Novo, por outro lado e convicto da força da razão, não deixava de ser uma tribuna em defesa do progresso e das aspirações do concelho de Nisa, muitas vezes, incomodando os "senhores da Câmara" e de outras instituições, cuja reacção - é justo referi-lo - a maior parte das vezes, consistia na resolução dos problemas ou situações com que eram visados.
Há 67 anos nascia o primeiro jornal digno desse nome, que Nisa teve. Recordamos, aqui, a efeméride, com um propósito bem delineado: lembrar a vida e obra do seu fundador, Dr. Abel Monteiro, como jornalista, como professor e como regionalista.
Uma vida dedicada ao ensino e trabalho pedagógico em prol de Nisa, de várias gerações de estudantes, méritos que deviam ser devidamente considerados e reconhecidos pela autarquia nisense.
Abel Monteiro, não sendo de Nisa, foi um nisorro, no melhor sentido que a expressão encerra.
Honras lhe sejam feitas, por quem tem a obrigação ética e moral de as promover. Por nós, ficaremos à espera e se a tanto formos obrigados, voltaremos ao tema.
Mário Mendes in "Alto Alentejo" - 25/7/2012

CANTINHO DO EMIGRANTE: “Eu vi o inimigo...”

 Substituição da bandeira num quartel da Guiné-Bissau (1974)
Eu gostava de dedicar esta crónica, a título de homenagem a todos os ex-combatentes do Ultramar, ao 25 de Abril, à Democracia e a à Liberdade.
Faz agora anos que o paquete “Pátria” desencostou do Cais da Rocha do Conde Óbidos, em Alcântara, com dois batalhões de soldados a bordo e com destino a Angola.
Após onze dias de viagem, começámos a avistar Luanda, onde na barra já nos esperava a fragata “João Belo”, para nos escoltar até ao cais onde desfilámos, à frente de uma enorme multidão, numa grande recepção de brancos e negros, a darem-nos as boas vindas.
Dali fomos direitos ao campo militar do Grafanil, onde nos distribuíram uma arma, um capacete, uma ração de combate e uma tenda para dormir.
Nesse momento confesso que senti os nervos a apoderarem-se do meu corpo, como se fosse o medo que os ratos sentem, quando saem apavorados dos buracos. Nos dias que se seguiram, o Batalhão de Caçadores que nos acompanhou no barco, foi para o norte render o batalhão que terminara a sua comissão militar. Tiveram uma “recepção” horrível e seis baixas numa emboscada.
Entretanto, o meu Batalhão de Cavalaria começava a treinar-se com as forças dos “Comandos”, saltando dos helicópteros e a fazer fogo real.
Notemos que um batalhão tem mais ou menos 750 homens, divididos pelo Comando e quatro companhias de 180 militares, uma delas, a CCS (companhia de comando e serviços) e as restantes operacionais. Por sua vez, cada companhia é subdividida em quatro pelotões de trinta homens e os pelotões são também divididos em secções.
Enfim, um certo dia, chegou a altura de actuarmos no terreno e o meu grupo de combate foi chamado a intervir numa zona que tinha sido atacada. Fomos de helicóptero, depois de o nosso capitão nos dar a “táctica de combate”, dizendo-nos, a finalizar: “Se forem atacados, pensem nestas três coisas: para onde vou, por onde e como, que podem salvar-vos a vida.”
A progressão e a infiltração na mata era lenta e sem barulho, dificultando a penetração. Eram as catanas que iam abrindo os trilhos para passarmos e quando se começou a avistar uma planície, recebemos ordem para descansar junto à orla da mata, para não sermos vistos.


Ali começámos a abrir as caixas da ração de combate e a preparar as “acendalhas” para aquecer as conservas quando se surgiu uma voz: “lá vêm eles a descer o “morro”!.
O meu coração estremeceu, perdendo logo o apetite, enquanto outros começaram a apontar as armas automáticas e a disparar.Nunca tinha visto tanto fogo e apenas para matar três inimigos. Era a “fome” de matar...
Eu vi o inimigo crivado de balas e os “canhangulos” (espingardas) ao seu lado, sem eu ter dado ao gatilho. O que me comoveu mais foi o facto de deixarem lá os corpos, sem os enterrarem. É assim a guerra!...
De regresso à sanzala (aldeia) fomos recebidos e aclamados como heróis, salvadores daquela gente, enquanto no meu coração apenas existia a dor e a tristeza, pensando nas pobres vítimas que lá ficaram...
Termino este capítulo, deixando-vos com esta citação:
“Os grandes heróis não são aqueles que venceram, mas sim aqueles que tombaram no cumprimento de uma missão”Gregório Marañon, 1887-1960 -
António Conixa - in "Jornal de Nisa" - nº 254 –

COISAS DA CORTE DAS AREIAS: Os ignorados menires da Senhora da Graça e do Espírito Santo

No “Jornal de Nisa” de 5 de Julho de 2000, escrevia o seu director, Mário Mendes, sobre o menir do Patalou “(...) e a falta de intervenção que se impunha e que teria como objectivo principal devolver o menir à posição em que foi inicialmente – há milhares de anos – colocado” deixaram ao abandono este elemento patrimonial de grande importância.
“Um pouco mais de quatro metros de comprimento e um de diâmetro”, prosseguia o articulista, “são as dimensões deste gigante granítico dormindo a sono solto e profundo, um exemplar que noutras latitudes, não duvidamos, os responsáveis municipais logo tratariam de erguer e divulgar, potenciando uma mais valia monumental e arqueológica em valores turístico e cultural, acrescidos.”
Contrastando, duas semanas antes, a “Folha de Montemor” noticiava: “ O menir do Tojal (Montemor- o - Novo) encontrado no princípio do ano 2000 foi posto na posição original no dia 22 de Junho” desse mesmo ano. Por cá, vão passados já, uma dúzia de anos e nada acontece.
Para estas “coisas” não há tempo nem verba. O reposicionamento do menir do Patalou não será, como lá fora, feito simbolicamente envolvendo as crianças das escolas, puxando as cordas, talvez por falta de “corda” no relógio parado de quem devia agir e não age.
Como compreender o desprezo a que, entre nós, o património megalítico é votado?
Há milhares de euros para peças que não atraem turismo e nada há para pôr de pé os cinco menires existentes nas freguesias da Senhora da Graça e do Espírito Santo, capazes de por si só trazerem gente a visitar-nos e constituírem uma mais valia para o concelho a todos os níveis?
Será que terão frequentado outra escola os autarcas alentejanos que nos demonstram a todo o momento o apreço que nutrem por este tipo de património?
Amiúde somos surpreendidos com notícias da descoberta, aqui ou ali, de mais um menir.
Dos relatos, um dos que nos surpreenderam agradavelmente foi publicado na “Gazeta do Interior”, a 5 de Agosto de 2009 e referia que um monumento megalítico fora encontrado perto da cidade do Fundão.
Tratava-se de uma estátua menir, que após removida ficou a enriquecer o Museu Municipal de Arqueologia da cidade. O director do Museu, realçou, a propósito, que a descoberta, “é um precioso elemento megalítico que vem reescrever a pré-história e a proto-história da Beira Interior, uma vez que não temos paralelos de elementos deste género na região”:
Sublinhou, ainda que o proprietário do terreno foi “muito solícito e generoso, pelo que a peça foi removida pelo Museu e pelo IGESPAR quase em tempo recorde, estando já no espaço museológico”.
Generosos são também os proprietários nisenses onde “dormem” os nossos menires, mostrando-se sempre disponíveis para facilitarem o que de melhor se entender para a sua preservação e divulgação.
O que num lado se fez em tempo recorde, aqui já se leva anos. E não deixa de constituir surpresa maior, o facto de o menir ter sido deslocado do local de origem para a cidade do Fundão. Em Nisa, tal procedimento é “crime”, passível de julgamento e sentença condenatória, segundo doutas opiniões.
São mal queridos os menires no nosso concelho. Dê o leitor uma espreitadela ao último desdobrável turístico editado sobre o concelho de Nisa, que na capa mostra uma “peça de olaria de Nisa” a ser trabalhada por mãos de mestre e verifique que lá não consta menir algum. Ora, se lá não constam, deduz-se que não existem, seja nos Saragonheiros ou no Vale das Lebres, na Fonte do Cão ou no Patalou, ou ainda na Tapada da Meia Légua, entre Nisa e Monte Claro.
É tanto o património em falta naquele folheto que até dá dó. Por favor, ouçam as pessoas, aprendam com elas, respeitem o que de valioso o concelho tem. Não podem, nem devem ignorar!
Aconteceu a 13 de Fevereiro último e alguns amigos aqui de Nisa estiveram presentes no lançamento, em Marvão, de um livro que desenvolve temas sobre megalitismo, ocupação humana no Médio Tejo na pré-história, necrópoles, paleolítico, arte rupestre, carta arqueológica de Vila Velha de Ródão, etc., etc.
Gostámos de ouvir e de aprender com os oradores. O concelho de Nisa insere-se na área retratada pelo livro, mas aqui nada acontece, ninguém aparece...
Nas “escutas” pareceu-me ouvir que o encerramento de curso de uma turma da Universidade de Évora poderia ter acontecido junto ao “Menir do Patalou”, se tivesse havido aprumo do menir e não só. Menir tão perfeito que levou um distinto arqueólogo a classificá-lo como o “protótipo do menir que o Obelix carrega às costas”.

João Francisco Lopes - 25/3/2010 in " O Distrito de Portalegre"

quarta-feira, 27 de abril de 2016

VIDAS - João Augusto Cebola: um músico versátil

Histórias de Vida para a História da Banda de Nisa
A Sociedade Phylarmonica Nizense, percursora da Banda Municipal de Nisa e da Sociedade Musical Nisense, nasceu em Outubro de 1844. Neste Outubro de outras efemérides (25 anos do Ressurgimento da Banda de Nisa e 10 anos da re-inauguração do Cine Teatro) recordamos aqui um homem que, se fosse vivo, completaria, em 7 de Outubro, 100 anos de vida.
João Augusto da Piedade Cebola, falecido a 17 de Agosto de 1996, teve uma vida dedicada à música, fosse como executante da Banda, nos agrupamentos de Jazz-Band ou contribuindo, com o seu virtuosismo musical no acompanhamento do Rancho Típico das Cantarinhas de Nisa, fundado em 1964, ali bem próximo do largo onde morava. A sua história de vida, dedicada à música, merece ser contada e acrescentar o património histórico e memorial da Banda e da cultura de Nisa.
“Retribuindo uma iniciativa do “Jornal de Nisa” que muito agradeço, é com satisfação que testemunho a vivência musical de meu pai, expressa na série de instrumentos de que foi intérprete: clarinete, banjo, violino e acordeão.
Feito o exame da 4ª classe, João Augusto passa a aprendiz de sapateiro na loja do pai, Dionísio da Piedade Cebola.
Ouvidos os acordes tangidos pela viola-banjo do pai (que até na oficina não se fazia rogado em tocar para amigos e fregueses), é natural que este ambiente de música tivesse despertado, no jovem João Augusto, uma vocação musical.
Assim, ei-lo a solfejar por uma brochura editada em 1909 e a ingressar na Banda de Nisa, após a aprendizagem de clarinete.
Simultaneamente, aprende a tocar banjo e compra, a um senhor de apelido Figueiredo, um violino que viria a ser o seu talismã.
Em 1935, surge a oportunidade de fundar com o pai, o irmão José Dinis, o Carlos Pação, o Joaquim Bicho e o José Macedo, o primeiro troupe-jazz de Nisa com o nome “Os Fixes” e com hino próprio (memórias já divulgadas no “ Jornal de Nisa” em 3.Out.2001 e 12.Dez.2003, respectivamente).
Estavam encontrados dois amores – Banda e Jazz – que perduraram em toda a vida de meu pai.
A sua ligação ao Jazz foi mais arreigada pelo facto de ser seu coordenador.
Correspondia-se com as casas musicais de Custódio Cardoso Pereira, Sassetti e Valentim de Carvalho, em Lisboa, e Casa Medina, em Coimbra, onde adquiria os textos musicais dos compositores da época.
O seu conhecimento pela música era tal que, com raro autodidactismo, servindo-se da caneta e do aparo próprios, procedia à paciente transposição do texto de violino para os restantes instrumentos do conjunto, aplicando a labiríntica tabela dos intervalos.
O reportório do Jazz era o de música ligeira: corridinho, fox-trote, marcha, paso-doble, rumba, samba, swing e valsa.
Raro era o dia, sobretudo à hora do almoço, que meu pai não dispusesse de algum tempo para ensaiar – só se aprende a tocar, tocando.
Lembro que, a essa mesma hora, quem passasse à Rua Direita, igualmente ouvia o saxofone-soprano de Luís (Félix), o barítono de Abílio Porto, o saxofone-tenor de José Esteves, a viola-banjo de Dionísio Cebola, o contrabaixo de Manuel Filipe, o acordeão de Joaquim Bicho e a trompete de José Amaro.
Tal o viveiro de músicos que residiam na Rua Direita.
Nisa teve no Jazz “Os Fixes” um peculiar embaixador, num sem número de terras de que ouvia falar: aldeias do concelho de Vila Velha de Ródão (Alvaiade, Foz do Cobrão, Gavião, Perdigão e Vilas Ruivas), Castelo Branco (Assembleia, Cebolais de Cima e Maxiais), Póvoa e Meadas (Castelo de Vide), Atalaia (Gavião), Envendos e S. José das Matas (Mação), Portalegre (Banco de Portugal) e Cano (Sousel).
Em Nisa, são lembrados o abrilhantar de bailes no Benfica, Clube e Sociedade, nos salões da Senhora Viscondessa, na Quinta no Termo de Arez, o colaborar nas representações teatrais e récitas escolares no Cine-Teatro e na inauguração do Café Restauração (rés-do-chão da Casa Carmona, no Largo da Porta da Vila, n.º 23).
Nos anos quarenta, durante meses, o Jazz abrilhantou o Teatro Desmontável da Companhia Rafael de Oliveira, instalado junto à Fonte do Rossio, onde pontificavam as famílias de Eunice Munhoz e do Tony de Matos.
Os jornais “Brados do Alentejo” de Estremoz e “Correio de Nisa” referenciavam notícias sobre “ Os Fixes”.
Para meu pai, a música era uma devoção e só uma doença o poderia afastar tanto da Banda como do Jazz.
Na Banda Municipal, em Nisa, actuou em cerimónias públicas e religiosas, em arraiais e romarias, em concertos no Coreto e no Cine-Teatro, em homenagens (Dr. Joaquim Carita Grave, Dr. José Beato Caldeira Miguéns, Dr. José Gomes Correia e Tenente José dos Santos Marques de Macedo), no descerramento da lápide a Nossa Senhora da Conceição, na frontaria dos Paços do Concelho e na inauguração do busto ao Dr. Francisco da Graça Miguéns, no Jardim.
Fora de Nisa, que me lembre, actuou em Amieira do Tejo, Arez, Montalvão, Monte Claro, Pé da Serra,  Alcobaça, Coimbra e Valência de Alcântara.
No concelho, as carroças asseguravam o transporte, sobretudo as dos moleiros, donos dos melhores exemplares de gado muar da região. Pelas estradas de macadame disputavam-se corridas, até com ultrapassagens ao som das trompetes.
Para a festa de S. Simão no Pé da Serra, a deslocação fazia-se a pé. No sábado pela tardinha, saía-se de Nisa e, após arruado na aldeia, tinha início o arraial. Comia-se e dormia-se em casa dos festeiros. Manhãzinha cedo, tocava-se a alvorada e depois da celebração da missa, seguia-se a procissão. De tarde, o arraial continuava até às tantas da noite. Madrugada alta, os músicos palmilhavam o regresso a Nisa onde, na Fonte Frade, dessedentados, respiravam o raiar da aurora e, ao bater das oito horas na Torre do Relógio, retomavam o serviço nas oficinas.
Carpinteiros, pedreiros e sapateiros formavam uma típica corporação na Banda  a arte dos sons sublima-se na arte dos artífices.
Os proventos auferidos com a Banda eram irrisórios. Com os bailes da Carnaval, meu pai ganhava para comprar um porco que, em Janeiro seguinte, era o fumeiro da casa, após festiva matança ao som da viola de meu avô.
Ainda nos anos quarenta, para dinamizar o Jazz, meu pai compra e aprende a tocar acordeão de teclas.
Nesta modalidade, esperava-o a participação nos casamentos e nas sortes.
Nos casamentos, servido um frugal copo d’água, o noivo deixava a noiva na casa da festa e saía ladeado dos padrinhos e seguido dos acompanhantes. Então o acordeonista abrilhantava o grupo que percorria as ruas de Nisa visitando os lugares de bebidas, sobretudo aqueles cujos donos tivessem dado “serviço” e seguia-se até ao quintal da festa; aí, bebia-se o vinho por latões e uma fatia de pão de trigo servia de suporte à suculenta posta de afogado. Só que o contrato com o tocador ainda não terminara. Havia o baile do segundo dia do casamento.
Quanto às sortes, formava-se um cortejo na Praça do Município. Os mancebos, alguns com pandeiretas, ostentavam uma fita no chapéu ou na lapela do casaco, indicativa do resultado da inspecção militar – encarnada (apurado) e branca (livre). Com o acordeonista a atacar a primeira marcha, o grupo percorria as principais ruas de Nisa, cantando e bebendo nos lugares do costume. Em data posterior, realizava-se o baile das sortes ao som do acordeão.
Com o dealbar da idade, em meu pai, o gosto pela música jamais se desvaneceu.
A comprová-lo está a chamada ao Rancho Típico das Cantarinhas de Nisa.
Por gentileza de ex-elementos do Rancho, foi-me dito que meu pai foi um dos fundadores do Rancho e a casa de meu avô na rua Direita n.º 12 (uma divisão do rés-do-chão, outrora a sede do Jazz) foi o primeiro palco de encenação do Rancho, sob a direcção do ensaiador Rodrigues Correia, com os músicos António Charrinho (acordeão), Florindo Bugalho (saxofone), João Augusto (violino) e José Macedo (clarinete). Segundo a mesma fonte de informação, meu pai, com o Rancho, actuou vezes sem conto em Nisa e teve digressões, entre outras, por Lisboa, à Casa do Alentejo e ao Pavilhão dos Desportos, por Évora, ao II Cortejo “O Trajo no Mundo e no Tempo”, por Alvega (Abrantes), Arronches, Cabeção (Mora), Castanheira de Pera, Instituto de Vila Fernando e Santa Eulália (Elvas), Vale do Arco (Ponte de Sor) e Alegrete e Besteiros de Cima (Portalegre).
Meu pai vibrava com toda esta diversidade de manifestações sociopopulares.
A música tonificava-lhe a sua simples maneira de viver e transmitia-lhe um alegre espírito de colaborar.
Há anos, do espólio musical de meu pai, fiz oferta de todas as melodias, à Sociedade Musical Nisense.
João Augusto nasceu em Nisa e foi músico.
Dionísio Cebola in "Jornal de Nisa"

VIDAS: O saber e a idade de Joaquina Mendes

O exemplo do Percurso RVCC de um adulto
Joaquina da Graça Mendes é um exemplo de vida. Porquê?
Ora veja-se: aos 67 anos, inscreveu-se no Centro Novas Oportunidades de Nisa, com o objectivo de melhorar a sua qualificação. Até aqui, nada de novo, pois a maioria dos adultos também o faz pelo mesmo motivo.
Contudo, enquanto o objectivo (legítimo) de subir na carreira também faz correr muita gente aos CNO’s, uma cidadã que não terá essa ambição na sua vida, procurou cumprir um sonho antigo, que as contrariedades da vida se encarregaram de lhe retirar. Pois é, a D. Joaquina Mendes tinha como habilitações literárias a antiga 3ª Classe, o tempo de "outros tempos" não deu para mais… por muita vontade que houvesse.
Foi por estas razões que a D. Joaquina da Graça Mendes fez questão de lhe serem reconhecidas, validadas e certificadas as suas competências, no nível B1 (antiga 4ªClasse).
A pergunta que se põe é: O que faz correr uma senhora, com esta idade, a um CNO e estar disposta a fazer o que for necessário, para dar asas à concretização de uma velha vontade?
A resposta só pode ser força, vontade de evoluir, perseverança e humildade.
Assim foi, o processo iniciou-se, desenvolveu-se e finalizou-se, tendo esta formanda estabelecido com todos os elementos do Centro Novas Oportunidades de Nisa, as mais saudáveis relações de amizade, cordialidade, respeito e admiração.
Foi desta forma que, no dia 26 de Fevereiro último, se concretizou a sua certificação no nível B1, tendo à semelhança de todos os outros formandos presentes a Júri, recebido os parabéns de todos os elementos que constituíram o Júri de Validação.
Parecia que para a D. Joaquina Mendes tudo tinha terminado neste dia, no que diz respeito ao seu percurso académico. Não senhor!
Depois de ter sido incentivada, inicialmente pela equipa técnico-pedagógica que consigo trabalhou, também o foi, naquele dia que ficará gravado na sua memória (26 Fev. 09), por outros elementos do Júri, nomeadamente pelo Sr. Avaliador Externo, a não parar, visto a certificação em B2 (6ºAno) estar ali tão perto.
Mas, incentivos há muitos e em todos os momentos do processo, daí que tivesse sido com um enorme gosto e admiração que o CNO de Nisa recebeu novamente a adulta Joaquina da Graça Mendes para continuar o seu percurso de formação (ser certificada no nível B2), provando desta forma a quem ainda tinha dúvidas que a idade é o menos importante quando se quer envelhecer activamente, acompanhando as evoluções da vida e elevar a sua auto-estima.
Constituindo a formanda Joaquina da Graça Mendes um exemplo de vida, é com enorme alegria que toda a equipa do Centro Novas Oportunidades de Nisa lhe apresenta os mais sinceros parabéns.
A Equipa Técnico-Pedagógica do CNO de Nisa
http://cnonisa.blogspot.com 25/11/2009

segunda-feira, 25 de abril de 2016

BOMBOS DE NISA: A “bombar” (também) se faz a festa!

Mais de 70 actuações em ano e meio de existência
“ O que são estes ritmos, senão gritos selvagens que nos libertam da alma a raiva e a rebeldia que nos depositaram à nascença” -
-Cátia Godinho, 17 anos, elemento do Tocá Rufar
São o mais recente grupo de música popular de Nisa. Criados em Fevereiro de 2006, em ano e meio de actividade, intensa e entusiástica, os Bombos de Nisa não têm tido mãos a medir, nem ânimo a refrear, para irem satisfazendo os inúmeros pedidos que lhes chegam de todo o país para animar festas populares. Neste ainda curto espaço de tempo, foram mais de 70 as actuações do grupo, de Rio Maior ao Seixal, de Portalegre a Mourão, tem sido um rodopio constante, em defesa da música de raiz tradicional e da divulgação do nome de Nisa.
Pontos altos nas suas actuações, a participação, por duas vezes, no Festival "Portugal a Rufar", no Seixal, os Desfiles Etnográficos em Campo Maior e a Festa do Avante, onde brindaram os milhares de visitantes com um espectáculo de grande vigor, virtuosismo e alegria, sendo recebidos com manifestações de apoio e entusiasmo
Como tudo começou

“Foi uma brincadeira, começa por explicar José Maria Martins, um dos principais impulsionadores dos Bombos e o seu primeiro presidente da direcção.
“Começámos, a brincar, no Carnaval de 2006, em Nisa, com 12 elementos. A surpresa, o entusiasmo e o apoio das pessoas foi de tal ordem que houve logo muita gente a querer integrar o grupo e chegámos rapidamente aos 30 elementos. Este é o número certo, pois garantir instrumentos e deslocações para mais pessoas, é difícil.”
Refeitos do impacto que provocaram e com a adesão de muitos jovens, logo os elementos do grupo trataram de arranjar um local para ensaios, que viriam a conseguir graças ao apoio da Junta de Freguesia de Nossa Senhora da Graça, que lhes disponibilizou um espaço.
“Foi um apoio importante, para mais fora da vila, onde podemos “bombar” à vontade e sem incomodar ninguém. Mas o que nós queríamos mesmo era um espaço nosso, pois sabemos das dificuldades da Junta em partilhar aquele espaço connosco.
Foi a pensar nisso e em termos alguma autonomia que resolvemos constituir-nos em associação cultural e recreativa, com estatutos próprios.”
Mais de 60 actuações em ano e meio
Poucos grupos de música terão tido uma vida tão intensa em tão curto espaço de tempo. De Fevereiro de 2006 a Setembro deste ano, foram já mais de sessenta as actuações dos Bombos de Nisa, não só no próprio concelho, onde actuaram em todas as freguesias, mas por todo o distrito de Portalegre, Castelo Branco, Vila Velha de Ródão, Elvas, Rio Maior, Cedillo (Espanha), e muitas outras localidades. Neste fim de semana (29 de Setembro) actuam em Portalegre e Mourão.
“Não esperávamos, de facto, uma actividade como a que temos tido e nem sempre podemos responder aos convites que nos fazem, pois já temos recusado alguns, por falta de transporte.
Quero aproveitar para agradecer o apoio da Câmara Municipal de Nisa que, neste aspecto, muito nos tem apoiado. Em todas as terras onde vamos temos sido muito bem recebidos, com grande apoio e carinho, e sem em todas as festas damos o nosso melhor, temos de destacar, com grande manifestações de motivação, as duas participações no festival “Portugal a Rufar”, uma iniciativa impressionante e única em Portugal, com 700 bombos a tocar, e a Festa do Avante, pelo entusiasmo com que nos receberam, mas acima de tudo por podermos “bombar” durante o desfile, para milhares de pessoas.”
Controlar o entusiasmo
Os Bombos de Nisa são um grupo misto. Conta com trinta elementos, oito dos quais são mulheres, seis crianças, a mais nova com seis anos, dispondo, em cada actuação de vinte elementos que tocam bombos, caixas e timbalões (os bombos mais pequenos).
Não se pense que é uma tarefa fácil, a de tocar bombo. Para além do peso do instrumento e da maçaneta, é o esforço de caminhar com um peso às costas, muitas vezes num percurso extenso.
Os Bombos de Nisa ensaiam nos fins de semana, que é quando todos se juntam e durante hora e meia, passam em “revista”, acertando este ou aquele toque ou tempo de entrada, as sete peças (rufos) que integram o seu repertório.
Ainda com pouco tempo de existência, já aprenderam noções básicas de como desfilar e como galvanizar o público. Uma aprendizagem que fizeram por conta própria, dado que este tipo de agrupamentos é mais vulgar no centro e norte do país, quase raros, na zona sul, à excepção da grande Lisboa, onde os instrumentos de percussão ganham cada vez mais adeptos.
“ Nós não queremos crescer a todo o custo. Vamos devagar, subindo cada degrau. O que nos motiva, para além de levarmos bem longe o nome de Nisa e de nos divertirmos, é que as contas estejam em dia e posso dizer que todo o material que temos está pago.”
Todo o material, são seis caixas e seis timbalões que custam, em média, 150 euros cada e ainda trinta bombos, ao preço de 200 euros a unidade, sem falar nas maçanetas.
Neste aspecto, os Bombos de Nisa nem sequer se podem queixar. Há alguns amigos que tomaram a iniciativa de lhes ofertarem um destes instrumentos e dentro do grupo, um elemento, José Maria Carrasco Bizarro, tomou a seu cargo não só a construção de bombos, como a sua reparação.
Talvez por isso, a palavra de ordem inicial do grupo “Cuidado, com as peles!” (as “peles”, em Nisa, têm outra conotação que me escuso a explicar) deixaram de fazer sentido.
Os homens e mulheres do grupo, adultos, jovens e crianças, quando lhes dão é com força e entusiasmo.
Aquisição de uma carrinha
Apoio é o que pede José Maria Martins, o presidente da direcção.
“Gostávamos de ter o nosso espaço próprio, para os ensaios, recebermos as pessoas amigas e poderem ver como é que funcionamos. Outra das nossas grandes carências é a falta de um transporte, uma carrinha de nove lugares, que pudesse de algum modo garantir as deslocações a localidades mais próximas. Vamos tentar adquiri-la e desde já todas as ajudas são bem-vindas.
Como está nos nossos estatutos, somos um grupo sem fins lucrativos. Ninguém recebe um tostão que seja e todos tocam por amor à camisola. O que recebemos pelas actuações destinam-se, exclusivamente, à compra ou à reparação de instrumentos. Estamos a pensar numa vestimenta própria. As camisolas, felizmente, muitos têm sido os patrocinadores que as têm oferecido e aos quais aqui agradecemos publicamente. Aproveitamos também para agradecer o apoio dado pela Inijovem e pelo Rancho Típico das Cantarinhas, fundamentais para o arranque da nossa actividade.
A todas as pessoas de Nisa, associações e de outras localidades, o nosso muito obrigado. Os Bombos de Nisa existem, também, graças a elas. E, por elas, vamos continuar, com redobrado estímulo, a “Bombar”. Contactem-nos através de TLMs 964430552 / 918746508.
E, não se esqueçam: Tenham cuidado com as Peles!”
“Este é um grupo onde há igualdade”
- Ana Cristina e Ana Luísa
A Ana Cristina e a Ana Luísa são duas jovens de 19 anos, primas e integrantes dos Bombos de Nisa.
“Viemos para o grupo, onde já havia outros familiares, para nos divertirmos e pelo convívio. Este é um grupo onde todos se conhecemos e damos bem, para além disso, homens e mulheres não se medem aos palmos, nem pela diferença de sexos”.
Ambas fazem parte dos corpos sociais da recém constituída associação “Bombos de Nisa” e defendem que “o grupo tem condições para ir mais além, assim haja unidade e as pessoas não deixem de nos apoiar”.
Bombos querem promover a música tradicinal
 A crescente solicitação de pedidos de actuação dos Bombos de Nisa, motivaram os seus elementos para a transformação numa associação sem fins lucrativos, dotada de órgãos sociais eleitos e com estatutos próprios já elaborados.
Os Bombos de Nisa, assim se denomina a associação, têm como objectivo “a promoção e divulgação da música tradicional portuguesa, através do toque de instrumentos tradicionais de percussão, nomeadamente de Bombos e Tambores.
Os corpos sociais eleitos, são os que seguem:
Assembleia Geral
Filipe Carrasco – Presidente
José Carrasco – Vice Presidente
João Trigueiro – Secretário
Direcção
José Maria Martins – Presidente
José Carrasco Bizarro – Vice Presidente
Ana Cristina Bizarro – Secretária Geral
Marco Rodrigues – Tesoureiro
Joana André, Ana Luísa e Élvio – Vogais
Conselho Fiscal
Avelino Silva – Presdeinte
Liliana Bizarro – Relator
Filipe Manso – Secretário

Mário Mendes in “Jornal de Nisa” - 2008

sexta-feira, 22 de abril de 2016

MEMÓRIA DE NISA: A Rua do Convento *

À memória de Isabel da Silva Casaca (Mourata) e de João da Graça Valente
A Rua do Convento foi o nosso primeiro mundo, um palco de aprendizagens, paixões, de todas as descobertas. Foi numa casa em frente à Casa do Povo que os meus pais se fixaram no ano de 1967. Numa época marcada por grandes dificuldades económicas, pela guerra colonial, por uma esperança de liberdade eternamente adiada. A rua funcionava como uma comunidade viva, aberta, dinâmica e acolhedora, fomentava-se a cooperação e a inter – ajuda entre vizinhos.
Na Casa do Povo o movimento era permanente, um entra e sai constante de utentes, médicos e funcionários. A figura mais marcante era o Sr. Aníbal Reizinho com as suas mangas pretas protegendo a camisa, acessório indispensável do funcionário público de então. A sua estatura impunha respeito, mas era sobretudo um homem muito afável, um amigo. A meio da rua, um lagar de azeite causava a natural azáfama sazonal, enquanto a pequenada sobre os carris de ferro brincava aos comboios.
Próximo da Fonte da Pipa, junto de um imenso campo de areia, a oficina de automóveis do Sr. Luís. Nas montanhas de areia, faziam-se buracos, corridas, o que originava muitas cabeças partidas e idas à Casa do Povo para os respectivos curativos. Em frente da oficina, a taberna do Sr. João Serra, peixe frito, ovos cozidos, copos de vinho, tristezas e alegrias. Por ali paravam muitos camionistas para a tão merecida refeição.
De volta à Rua do Convento, a nossa casa era a primeira, o número quatro, seguiam-se as casas do Sr. José Carita, das famílias "São Diogo", "Botas", Poeiras e Caldeira Valente. Do lado esquerdo da rua, a Tá Conceição, a família Bagulho, a Sra. Ana Maria e o Ti "Rei", entre outros. O Bairro da Cevadeira ainda não existia, o acesso à Escola Primária era feito pela Rua do Convento.
 A grande Tapada de oliveiras, que viria a ser o Bairro da Cevadeira era um autêntico campo de batalha onde os rapazes da Vila e os da Fonte da Pipa se degladiavam. No fim do dia de escola um qualquer líder mandava formar as tropas e ao grito de "calhoada" atiravam-se pedras, era preciso expulsar os da vila de um território que era nosso, era vê-los a fugir por entre as vacas do Sr. Moura Gaspar. Uma brincadeira que hoje nos parece tão pouco civilizada mas que na altura no enchia de contentamento.
Na estrada para o Monte Claro, a mercearia da Tá Conceição, cada gelado de groselha custava um escudo; mais para cima, o Ti Júlio canalizador está a chegar da horta, ar pachorrento, passo firme, com o seu fato de macaco azul-escuro, às vezes parecia-nos que o pequeno burro tinha dificuldade em acompanhar a sua vigorosa passada.
Nesses anos a casa do vizinho era uma extensão da nossa própria casa, com o Ti João Valente aprendemos a fazer contas, todos eram especiais. A noite caía sobre o Convento, as televisões são em número muito reduzido, já se ouve a musica que antecipa as aventuras de "Sandokan", corro a bater às portas, em pouco tempo a nossa sala fica apinhada de vizinhos.
E o Convento que deu o nome à rua? Onde estão os seus vestígios?
Diz-nos Motta e Moura na Memória Histórica de Nisa, "…que pensaremos ao avistar o sítio, onde estivera outr’ora um convento com o seu claustro, e cêrca, uma egreja com seu campanário e sinos… e no entanto tudo isto desappareceu sem nos indicar ao menos uma pedra sobre outra, que nos indicasse, onde fora a egreja, onde o convento, onde a cerca e o dormitório! é um campo raso e plano retalhado anualmente pelo arado…assim acontece a mui pequena distância da villa, no sitio chamado vulgarmente o Convento, onde out’rora esteve fundado um pequeno hospício de Frades Agostinhos Descalços, e hoje não há o mais remoto indicio de humana habitação."
Não sabemos o local onde se edificou o Convento. Seria na actual Escola Primária, na própria rua, ou no alto do lagar? Procuro a resposta. Procuro no meu arquivo, mas do escuro não se faz luz. Vou mais fundo, ao arquivo da minha memória, não encontro a porta de entrada. Outubro de 1974, primeiro dia de escola, no pátio as crianças cantam em coro a "Loja do Mestre André", estamos todos contentes. São professores no Convento, o professor Pires Marques, Joaquim Castanho e Lúcia Bicho, dos outros não me recordo.
Mudamos de residência em 1976. A porta fechou-se, não voltámos mais à nossa primeira casa. Tantas vezes tivemos vontade de voltar a entrar, percorrer novamente o quarto onde ouvimos as primeiras histórias para adormecer.
Onde está o Convento? Não existe um vestígio, uma pedra da antiga casa dos Frades Agostinhos Descalços! Não importa onde era. O Convento era a generosidade da vizinha Isabel, são as portas abertas, a escola, a Casa do Povo e as brincadeiras. O Convento somos todos, todos pertencemos à mesma irmandade. À semelhança dos antigos frades, também nós vimos o mesmo céu, pisamos a mesma terra, bebemos a mesma água. Recuo mais para trás, continuo a minha pesquisa, sigo as pegadas dos antigos monges, procuro a porta de entrada, o Convento está por ali.
Sabemos que os monges deixaram Nisa com destino a Portalegre, seguimos o seu caminho. Fomos a Portalegre ao Convento de Santo Agostinho, hoje quartel da Guarda Nacional Republicana. Vamos à procura de algo, de um símbolo, um rasto, um vestígio, uma luz no fundo do túnel. O Convento de Portalegre foi edificado em 1680, uma data que coincide com a data que nos é indicada por Motta e Moura para o abandono do Mosteiro de Nisa. O agente de serviço disponibilizou-se para uma rápida visita, fomos surpreendidos pelo cimento e outras alterações na estrutura. Ninguém sabe a localização da antiga capela, as salas estão agora ocupadas por pneus e automóveis. No corredor encontrámos uma porta adornada por grandes blocos graníticos, do lado de lá uma enorme sala rectangular que só poderá ser o espaço da antiga capela. Mais uma vez o cimento tomou conta do espaço, do piso e das paredes, através das enormes janelas, os raios solares não pedem licença para entrar, iluminam a sala. Por breves momentos consigo ouvir os cânticos dos monges, por ali passaram os antigos Agostinhos Descalços que um dia deixaram Nisa. Nos altos tectos da sala, muito alto, lá no cimo, bem alto, onde o cimento não chegou, vislumbramos uma pintura, já muito gasta, conseguimos ver as cinco quinas portuguesas e a águia de asas abertas, elemento sempre presente no brasão dos frades desta ordem. Não conseguimos visitar o primeiro piso do edifício, tal facto carecia de uma autorização formal da Guarda Nacional.
Estamos de regresso a Nisa, procuramos um vestígio do Convento. A resposta poderá estar na magnífica estrutura da Fonte da Pipa, qual a sua origem?
Sobre a fonte, escreveu Motta e Moura:
"fica mui próxima da villa para parte do occidente, e cuja agua quasi que iguala a da Cruz em bondade e sabor, infelizmente é de tão mingoado nascente, que secca logo nos princípios de Julho, e não torna a correr senão nos fins do Outomno; foi construída pelo alvaneo João Alvares no anno de 1706…".
Sobre o abandono da casa dos monges de Nisa, diz-nos o mesmo autor:
"além de pequena e pobre sempre teve poucos moradores; e foi por isto mesmo, que acabou e foi supprimida no anno de 1680, mandando-se recolher o seu espólio, e gente à de Portalegre, que então se havia concluído com muito esplendor e grandeza."
Se as duas datas apresentadas por Motta e Moura estiverem correctas temos um intervalo de apenas 26 anos entre o abandono do convento e a construção da fonte. A Fonte da Pipa é um dos monumentos mais bonitos de Nisa. Que segredos nos revelam as suas colunas e os seus capitéis? O que nos dizem os símbolos da base da cruz? Poderão estas pedras ter pertencido a um pequeno mosteiro, um convento muito antigo, tão antigo que segundo o cronista desta ordem religiosa terá sido edificado nos primórdios da nacionalidade.
A Fonte da Pipa, que se situa a curta distância da Rua do Convento, é a nossa última pista; é ali que terminam as pegadas, na fonte que mais parece uma ermida. Feita à imagem de um pequeno templo, tem tudo no lugar certo, colunas, tecto ovalizado e a cruz ao cimo.
Na cidade de Portalegre, no Convento de Santo Agostinho, numa sala que fora capela e onde outrora se falou com Deus, em lugar cimeiro e como se de uma estrela se tratasse, fomos encontrar um sinal. Nota-se muito bem, parece uma sombra com rasgos de colorido, o nosso olhar percorreu cada milímetro da pintura. Perante o complexo de riscos adulterados, pareceu-nos ver uma fonte ou seria uma ilusão!
Na nossa opinião a Fonte da Pipa poderá ser uma réplica, um símbolo, uma homenagem, uma memória do próprio convento.
A Fonte e a água. A água da vida. A água que corre da pipa. A Fonte que fora o meu primeiro mundo, o palco das primeiras brincadeiras, era a peça que me faltava. Do escuro já se fez luz. Fecho a porta.
* Luís Mário Correia Bento

NISA - Nisenses Ilustres: Silvestre Maria Figueiredo

Nasceu em 11 de Julho de 1902 na freguesia de Nossa Senhora da Graça, concelho de Nisa e faleceu em 06 de Fevereiro de 1976. Tendo concluído o curso do Magistério Primário em 1920, na Escola Normal de Portalegre, desenvolveu uma brilhante carreira docente que interrompeu em 1939, por ter sido nomeado adjunto do Director do Distrito Escolar de Braga.
Na carreira administrativo-pedagógica foi nomeado sucessivamente Director Escolar em Faro, Braga e Castelo Branco e nomeado inspector-orientador do Ensino Primário em 1945.
A sua sólida cultura pedagógica e as suas extraordinárias qualidades pessoais granjearam-lhe o respeito e a admiração dos docentes e dos superiores, constituindo, para muitos, o modelo de inspectora imitar.
Atingido o limite de idade, passou à aposentação em 1972.
A par da notável acção desenvolvida no âmbito da educação, teve um papel relevante como colaborador de jornais e revistas, foi membro de diversos organismos religiosos, conferente e acérrimo defensor do Alentejo e da sua terra natal.
Em reconhecimento pela sua dedicação à causa da educação e das suas qualidades pessoais e profissionais, o Presidente da República condecorou-o com a Ordem da Instrução Pública.

MEMÓRIA DE NISA: As festas de Santo António em 1950

É um documento já amarelecido pelo tempo. Nele se dá conta do programa dos festejos em honra de Santo António, em Nisa, no ano da graça de 1950. O programa, impresso na Tipografia Borges Henriques (a antecessora da Tipografia Nisense) descreve, a par e passo, as principais iniciativas dos festejos, dando particular destaque à presença da Banda de Nisa. Realizadas durante dois dias (17 e 18 de Junho) , as festas de Santo António foram organizadas por uma comissão de que faziam parte José do Rosário Valente, António Maria Moura e Antero da Cruz Casaca, ajudados por “um grupo de gentis meninas” que tudo fizeram para que às mesmas não faltasse a quermesse, o vistoso fogo de artifício e as solenidades religiosas.

Eram assim as festas em Nisa em meados do século passado!

quinta-feira, 21 de abril de 2016

VIDAS - Manuel Granchinho: Um benfeitor de Nisa

O papel decisivo de Manuel Granchinho e de José Vieira da Fonseca na construção do Cine Teatro de Nisa já aqui, por diversas vezes foi devidamente evidenciado e enaltecido.Hoje, transcrevemos um artigo de José Francisco Figueiredo, publicado em 1948 no periódico "Correio de Portalegre" e no qual exalta as qualidades e o bairrismo de Manuel Granchinho.
"A sabedoria é fértil em afirmações lapidares expressas na concisa eloquência de conceituosos adágios. Para as mais diversas emergências, sejam, casos, factos ou personalidades a focar, há sempre um rifão, uma sentença moral a interpretá-los, a fundamentá-los, estigmatizando uns, exaltando outros.
É um deles que hoje me serve de grato tema para este comunicado.
É corrente ouvirmos dizer: Depois de um bem, outro vem...
Eis uma asserção que bons fados da minha terra, permitiram víssemos confirmada, com exuberância, nestes últimos tempos.
Ainda não se extinguiu por completo o entusiasmo rumoroso com que a multidão ovacionou há dias a figura veneranda do benemérito D. António Lobo da Silveira. Ainda os corações agradecidos de todos os nisenses pulsam, comovidamente, depois de sobre eles se difundir, em extremos de abnegação, a magnanimidade do íntegro fidalgo que se fez pobre para que o não fossem quantos em Nisa envelhecem sem amparo, após uma vida inteira de cruciante labor. Ainda não se entibiou o ardor das preces, com que todos nós, os que no íntimo do peito sentimos a labareda da fé, sufragamos a alma do Dr. Lopes Tavares e de sua bondosíssima filha, a Senhora D. Palmira Lopes Tavares Lobo da Silveira. Ainda o gozo deste Bem está palpitante no espírito de cada um de nós... e já outro aí vem!
Agora é a generosidade de um prestantíssimo nisense que, mais uma vez, sabendo ser rico, quis honrar o seu nome e servir a sua terra.
Refiro-me ao opulento e activo industrial Senhor Manuel Granchinho, que na capital, onde a fortuna coroou do melhor êxito a sua incansável persistência no trabalho, rejubila sempre, amoravelmente interessado, com o progresso e elevação da sua querida Nisa.
E foi sempre assim. Está na memória de todos os seus patrícios a liberalidade com que Manuel Granchinho contribuiu para em Nisa se erigir a magnífica casa de espectáculos que é o Cine Teatro. A sua conta, na importância de cem contos, e o incitamento e facilidades concedidas para se levar a efeito tal melhoramento, foram decisivos. Se não fora ele, Nisa ainda hoje curtiria saudades do seu antigo teatro, que a incúria e o desleixo deixaram arruinar.
De então para cá, o seu generoso contributo jamais faltou, quando lhe foi solicitado para qualquer progressivo empreendimento.
Aquando da homenagem ao benemérito Dr. Francisco Miguéns, a verba com que subscreveu só teve uma a superiorizá-la.
E, como se tudo isso não fosse bastante para impô-lo ao apreço desta população, apenas tomou conhecimento do rasgo de filantropia com que D. António Alvito quis distinguir a nossa terra, admirou, como todos nós, a grandeza moral de tal gesto e abriu, no seu coração de devotado bairrista, um lugar privilegiado para acarinhar os benfeitores.

Mas não se limitou a admirar e venerar. Entendeu, e muito bem, que todos temos obrigação de contribuir, quanto possível, para que a Fundação Lopes Tavares seja, dentro em breve, uma obra de perfeita beleza moral e um documento perpétuo de civismo e caridade dos fundadores e da gratidão dos beneficiados.
E assim, cônscio dos seus deveres de nisense e norteado pelos impulsos do seu nobre sentir, quando soube que o palácio, destinado a recolher os seus conterrâneos alquebrados pela velhice e pelo trabalho, carecia ainda de dispendiosas obras de pinturas, comunicou imediatamente aos directores do Asilo o propósito de fornecer gratuitamente os materiais indispensáveis.
Esta oferta, que deve atingir o montante de algumas dezenas de milhares de escudos, foi tida na devida consideração pela gerência daquele estabelecimento de caridade e, por tal, merece o inteligente e brioso industrial os maiores encómios e o mais rendido reconhecimento.
Por mim, com jubiloso e enternecido orgulho, continuarei a ter por Manuel Granchinho a estima e predilecção, que nunca regateio aos bons filhos de Nisa.
Que Deus o cumule de todas as graças e de todas as venturas.
* J. Figueiredo - in "Correio de Portalegre" – nº 133 – 18/3/1948