José
Diniz da Graça Motta e Moura na sua "Memória Histórica da Notável Vila de
Niza" faz uma abundante e pormenorizada descrição dos casamentos em Nisa,
abordagem que faremos noutros artigos, interessando por ora, a parte
respeitante ao quintal da festa.
Como
curiosidade e atestando a genuinidade e tradição desta iguaria gastronómica
nisense, encontramos na descrição (o livro é de meados do séc. XIX) referência
aos Maranhos...
Avancemos
com a Descripção das bôdas e casamentos das classes inferiores d´esta villa,
que apresentam certas originalidades dignas de se memorarem por sua
singularidade e velhice.
(...)
"Na véspera do noivado pela tarde vão-se juntando no quintal da festa as
donzellas convidadas para escolherem a carne, onde estão os rapazes matando e
esfolando as badanas e cabras, que os pastores deram para se immolarem e
comerem na festa; concluída a operação, e mettidas as postas em grandes
cassarollas, que se arrimam symetricamente em roda das paredes, e entregues aos
cuidados e perícia de cinco ou seis cosinheiros, volta o alegre rancho para a
casa da festa, onde a alegria e a satisfação os esperam, porque, assim que elle
chega, tocam as violas, e começam os bailes, as rodinhas, os cantares e os
folguedos de uma mocidade ébria de prazer e de goso: no fim da tarde e
principio da noite chegam os noivos e tomam parte no divertimento rindo e
brincando também, e ali se conservam até à meia-noite separando-se para se
prepararem para o augusto sacramento, que hão de celebrar no dia seguinte.
Com
a entrada dos noivos começam a entrar também os serviços, que cada um dos
convidados leva ou manda, e que á proporção, que se recebem, se relacionam em
um caderno, que um escrevente improvisado tem sobre uma mesa collocada á porta
da casa, onde se recolhem: providencia muito salutar, que os livra de muitos
apuros e logros!
Consistem
os serviços em pão cosido ou em grão; os da primeira espécie constam de doze
pães de trigo levados em um taboleiro com sua toalha de folhos de renda; os da
segunda em um alqueire de trigo ou centeio; e os dos padrinhos e madrinhas no
dobro d´estas quantidades, e alguns mais generosos e abastados mandam o
quadruplo; os que dão este serviço ficam com o direito incontestável de serem
admittidos ao almoço e jantar da festa, levando consigo a sua família e
domésticos; e não indo, a esperarem em casa por um grande prato de carne
refogada com azeite, salsa, cebola e pimenta, e outro mais pequeno de arroz
amarello com tanta pimenta, que mal pode ás vezes mastigar-se, e engulir-se.
Os
padrinhos além d´esta substancial refeição, são ainda agraciados com um prato
de sangue e fígado para o almoço, tão apimentado como o refogado e arroz, que
também lhes mandam para jantarem; e isto ainda que elles sejam os mais
opulentos e nobres da villa.
O
dia das bodas é de regosijo e divertimento, e ao mesmo tempo de abundância e
regalo para todos os que tomam parte n´ellas: logo ao despontar da aurora
velhos e moços, empregados nas ocharias, e repartição gastronómica, tratam de
preparar o almoço, que constam do sangue e intestinos das victimas caprinas e
bodinas, recheados com cebola, salsa e o indispensável pimentão, e das tripas,
de que fazem um pequeno novelo, que denominam maranhos, cozidos com arroz, e
que constitue um manjar delicioso para aquelles exigentes e robustos
estômagos.. Pelas oito horas da manhã começam a collocar-se as mesas, que são
grandes escadas de mão, postas horisontalmente sobre duas tripeças ou bancos, e
cobertas de toalhas de uma alvura admirável, em cima das quaes se põe sem ordem
o pão, e o vinho em palanganas de louça branca, e junto d´ellas pequeninas
tijelas, por onde se bebe.
Depois
de tudo assim disposto e ordenado, começam a entrar os convidados, que, à
proporção que chegam, vão tomando logar sem distincção de sexo, idade, ou condição;
e depois de todos cheios, e sentados os convivas, chaga o apontador dos
serviços, orgulhoso com a importância momentânea da necessidade, e por uma
rigorosa chamada para verificar, como os Efforos de Lacedemonia nas mesas
comuns, que Licurgo instituiu, os que faltam e têem de ser indemnisados d´esta
perda; ou para expulsar aquelles que intempestivamente ali se collocarem;
porque desgraçado d´aquelle que sem ter concorrido com serviço e sem que o seu
nome fosse inscripto no registo fatal, ali se assentasse; seria expulso no meio
dos apupos e surriada da assembléa inteira. (...)
Verificados
os poderes, começa então a comida, e cada um dos circunstantes, servindo-se dos
garfos, colheres e facas, que trouxeram, mostra a sua habilidade e desembaraço
gastronómico; e as fumegantes iguarias vão pouco e pouco desapparecendo dos
grandes pratos, em que as pozeram e onde logo são substituídas por outras
igualmente apetitosas e substanciaes; mana o vinho das amphoras, e dos odres
para as palanganas, todos e todas bebem e se alegram por tal forma, que as
bodas de Camacho, onde o pobre Sancho se regalou, não foram mais abundantes nem
mais alegres.(...)
Motta
e Moura - Memória Histórica da Notável Vila de Nisa - Págs 144 a 152
Novembro 2013
Novembro 2013