quarta-feira, 6 de abril de 2016

TEMAS E PROBLEMAS: O Centro Histórico de Nisa (1)

 É preciso restituir-lhe a vida e a dignidade! 
 Nisa velhinha / Uma porta e uma janela /Tanta gentinha / Quase mal cabendo nela
Os versos, da autoria do poeta nisense José Gomes Correia dão o mote a uma das populares marchas do Rancho das Cantarinhas de Nisa e retratam a realidade dos anos sessenta do século passado.
Nesse tempo, a vila antiga, o “Japão”, como era designado, fervilhava de gente e de vida. Faltavam as infra-estruturas básicas. Poucas casas dispunham de água e esgotos. Havia a “Aletrina” (latrina), um espaço situado paredes-meias com o núcleo urbano e que servia como aterro sanitário. As condições sanitárias e ambientais deploráveis não impediam o pulsar de agitação e de vida que as ruas mostravam. As crianças enchiam os largos como a Praça, o Canto do Poço, o São Pedro e a Porta de Montalvão de risos e brincadeiras. Era essa a imagem da vila antiga antes do grande êxodo de nisenses para França à procura de uma vida melhor.
O Centro Histórico “nasceu” mais tarde, depois do 25 de Abril e “baptizaram-no” assim na esperança, vã, de lhe atenuarem as dores e os sinais já latentes de uma degradação e abandono que haviam de se acentuar com o correr do tempo.
É certo que a Câmara implementou algumas acções de valorização e de revitalização da zona intra-muros, tendo na altura e para o efeito criado um Gabinete Técnico Local.
Sensibilizaram-se os moradores sobre técnicas e materiais de construção a aplicar, a importância do património e os processos de obras. Recuperaram-se umas tantas casas, apoiou-se um número significativo de pessoas e implementou-se um projecto de luta contra a pobreza. O projecto passou, a pobreza ficou e o chamado "centro histórico" de Nisa, continuou a morrer lentamente.
Os moradores continuaram a debater-se, sem justificação, com uma teia burocrática inenarrável, sempre que quisessem fazer obras.
Tudo isto porque a seguir ao "boom" das reconstruções patrocinadas pela Câmara, vieram as imposições de materiais, as restrições nos projectos de remodelação e, mais recentemente, novas directrizes centralizadoras emanadas da tutela: para construir ou remodelar no Centro Histórico é preciso pedir pareceres e contra-pareceres a Évora.
As consequências estão à vista: de um momento para outro, tudo parou, o silêncio sepulcral abateu-se sobre um espaço vivido de Nisa, a degradação, o desleixo e o abandono tomaram conta do “casco histórico”.
Não houve uma política de atracção ou, sequer, de fixação, dos moradores mais jovens. Os velhos vão morrendo e por cada idoso que morre é uma casa que se fecha, por vezes, definitivamente.
O espaço dentro das muralhas é indigno de ter o nome de Centro Histórico. É a zona mais despovoada da vila, a mais degradada e insegura. É irrefutável que dispõe de diversos motivos monumentais e arquitectónicos dignos de visita. Mas, os centros históricos, no seu todo, não são, não devem ser, um museu apenas para turista ver. Devem privilegiar, acima de tudo, a qualidade de vida dos seus moradores. São eles que lhe dão vida e razão de existência.
Para isso, é preciso um novo olhar, um conceito mais arrojado para os centros históricos. Construir ou remodelar nesta zonas sensíveis tem que deixar de ser um "bico-de-obra" e uma monstruosidade burocrática, quando o fundamental será desburocratizar, explicar, planear com os residentes, sensibilizar e ajudar.O poder central – se não quiser, como já acontece em muitas localidades -  que os “centros históricos” se  transformem em zonas quase inacessíveis, desabitadas e de má fama, tem que descentralizar nesta área, verbas e competências, sobretudo estas, para as autarquias locais.
De outro modo, aquilo que já hoje é a “imagem de marca” de muitas zonas e núcleos históricos, tenderá a aumentar e a transformar espaços residenciais e monumentais com potencialidades de desenvolvimento, em locais fantasmas, degradados e abertos apenas à intervenção arqueológica.
E quando uma terra deixa morrer o coração e o útero que a gerou, nada de bom se lhe pode augurar...
Mário Mendes - 13/8/015