É preciso restituir-lhe a vida e a
dignidade!
Nisa velhinha / Uma porta e uma janela /Tanta
gentinha / Quase mal cabendo nela
Os
versos, da autoria do poeta nisense José Gomes Correia dão o mote a uma das
populares marchas do Rancho das Cantarinhas de Nisa e retratam a realidade dos
anos sessenta do século passado.
Nesse
tempo, a vila antiga, o “Japão”, como era designado, fervilhava de gente e de
vida. Faltavam as infra-estruturas básicas. Poucas casas dispunham de água e
esgotos. Havia a “Aletrina” (latrina), um espaço situado paredes-meias com o
núcleo urbano e que servia como aterro sanitário. As condições sanitárias e
ambientais deploráveis não impediam o pulsar de agitação e de vida que as ruas
mostravam. As crianças enchiam os largos como a Praça, o Canto do Poço, o São
Pedro e a Porta de Montalvão de risos e brincadeiras. Era essa a imagem da vila
antiga antes do grande êxodo de nisenses para França à procura de uma vida
melhor.
O
Centro Histórico “nasceu” mais tarde, depois do 25 de Abril e “baptizaram-no”
assim na esperança, vã, de lhe atenuarem as dores e os sinais já latentes de
uma degradação e abandono que haviam de se acentuar com o correr do tempo.
É
certo que a Câmara implementou algumas acções de valorização e de revitalização
da zona intra-muros, tendo na altura e para o efeito criado um Gabinete Técnico
Local.
Sensibilizaram-se
os moradores sobre técnicas e materiais de construção a aplicar, a importância
do património e os processos de obras. Recuperaram-se umas tantas casas,
apoiou-se um número significativo de pessoas e implementou-se um projecto de
luta contra a pobreza. O projecto passou, a pobreza ficou e o chamado
"centro histórico" de Nisa, continuou a morrer lentamente.
Os
moradores continuaram a debater-se, sem justificação, com uma teia burocrática
inenarrável, sempre que quisessem fazer obras.
Tudo
isto porque a seguir ao "boom" das reconstruções patrocinadas pela
Câmara, vieram as imposições de materiais, as restrições nos projectos de
remodelação e, mais recentemente, novas directrizes centralizadoras emanadas da
tutela: para construir ou remodelar no Centro Histórico é preciso pedir
pareceres e contra-pareceres a Évora.
As
consequências estão à vista: de um momento para outro, tudo parou, o silêncio
sepulcral abateu-se sobre um espaço vivido de Nisa, a degradação, o desleixo e
o abandono tomaram conta do “casco histórico”.
Não
houve uma política de atracção ou, sequer, de fixação, dos moradores mais
jovens. Os velhos vão morrendo e por cada idoso que morre é uma casa que se
fecha, por vezes, definitivamente.
O
espaço dentro das muralhas é indigno de ter o nome de Centro Histórico. É a
zona mais despovoada da vila, a mais degradada e insegura. É irrefutável que
dispõe de diversos motivos monumentais e arquitectónicos dignos de visita. Mas,
os centros históricos, no seu todo, não são, não devem ser, um museu apenas
para turista ver. Devem privilegiar, acima de tudo, a qualidade de vida dos
seus moradores. São eles que lhe dão vida e razão de existência.
Para
isso, é preciso um novo olhar, um conceito mais arrojado para os centros
históricos. Construir ou remodelar nesta zonas sensíveis tem que deixar de ser
um "bico-de-obra" e uma monstruosidade burocrática, quando o
fundamental será desburocratizar, explicar, planear com os residentes,
sensibilizar e ajudar.O poder central – se não quiser, como já acontece em
muitas localidades - que os “centros
históricos” se transformem em zonas
quase inacessíveis, desabitadas e de má fama, tem que descentralizar nesta
área, verbas e competências, sobretudo estas, para as autarquias locais.
De
outro modo, aquilo que já hoje é a “imagem de marca” de muitas zonas e núcleos
históricos, tenderá a aumentar e a transformar espaços residenciais e
monumentais com potencialidades de desenvolvimento, em locais fantasmas,
degradados e abertos apenas à intervenção arqueológica.
E
quando uma terra deixa morrer o coração e o útero que a gerou, nada de bom se
lhe pode augurar...
Mário
Mendes - 13/8/015