quarta-feira, 27 de abril de 2016

VIDAS - João Augusto Cebola: um músico versátil

Histórias de Vida para a História da Banda de Nisa
A Sociedade Phylarmonica Nizense, percursora da Banda Municipal de Nisa e da Sociedade Musical Nisense, nasceu em Outubro de 1844. Neste Outubro de outras efemérides (25 anos do Ressurgimento da Banda de Nisa e 10 anos da re-inauguração do Cine Teatro) recordamos aqui um homem que, se fosse vivo, completaria, em 7 de Outubro, 100 anos de vida.
João Augusto da Piedade Cebola, falecido a 17 de Agosto de 1996, teve uma vida dedicada à música, fosse como executante da Banda, nos agrupamentos de Jazz-Band ou contribuindo, com o seu virtuosismo musical no acompanhamento do Rancho Típico das Cantarinhas de Nisa, fundado em 1964, ali bem próximo do largo onde morava. A sua história de vida, dedicada à música, merece ser contada e acrescentar o património histórico e memorial da Banda e da cultura de Nisa.
“Retribuindo uma iniciativa do “Jornal de Nisa” que muito agradeço, é com satisfação que testemunho a vivência musical de meu pai, expressa na série de instrumentos de que foi intérprete: clarinete, banjo, violino e acordeão.
Feito o exame da 4ª classe, João Augusto passa a aprendiz de sapateiro na loja do pai, Dionísio da Piedade Cebola.
Ouvidos os acordes tangidos pela viola-banjo do pai (que até na oficina não se fazia rogado em tocar para amigos e fregueses), é natural que este ambiente de música tivesse despertado, no jovem João Augusto, uma vocação musical.
Assim, ei-lo a solfejar por uma brochura editada em 1909 e a ingressar na Banda de Nisa, após a aprendizagem de clarinete.
Simultaneamente, aprende a tocar banjo e compra, a um senhor de apelido Figueiredo, um violino que viria a ser o seu talismã.
Em 1935, surge a oportunidade de fundar com o pai, o irmão José Dinis, o Carlos Pação, o Joaquim Bicho e o José Macedo, o primeiro troupe-jazz de Nisa com o nome “Os Fixes” e com hino próprio (memórias já divulgadas no “ Jornal de Nisa” em 3.Out.2001 e 12.Dez.2003, respectivamente).
Estavam encontrados dois amores – Banda e Jazz – que perduraram em toda a vida de meu pai.
A sua ligação ao Jazz foi mais arreigada pelo facto de ser seu coordenador.
Correspondia-se com as casas musicais de Custódio Cardoso Pereira, Sassetti e Valentim de Carvalho, em Lisboa, e Casa Medina, em Coimbra, onde adquiria os textos musicais dos compositores da época.
O seu conhecimento pela música era tal que, com raro autodidactismo, servindo-se da caneta e do aparo próprios, procedia à paciente transposição do texto de violino para os restantes instrumentos do conjunto, aplicando a labiríntica tabela dos intervalos.
O reportório do Jazz era o de música ligeira: corridinho, fox-trote, marcha, paso-doble, rumba, samba, swing e valsa.
Raro era o dia, sobretudo à hora do almoço, que meu pai não dispusesse de algum tempo para ensaiar – só se aprende a tocar, tocando.
Lembro que, a essa mesma hora, quem passasse à Rua Direita, igualmente ouvia o saxofone-soprano de Luís (Félix), o barítono de Abílio Porto, o saxofone-tenor de José Esteves, a viola-banjo de Dionísio Cebola, o contrabaixo de Manuel Filipe, o acordeão de Joaquim Bicho e a trompete de José Amaro.
Tal o viveiro de músicos que residiam na Rua Direita.
Nisa teve no Jazz “Os Fixes” um peculiar embaixador, num sem número de terras de que ouvia falar: aldeias do concelho de Vila Velha de Ródão (Alvaiade, Foz do Cobrão, Gavião, Perdigão e Vilas Ruivas), Castelo Branco (Assembleia, Cebolais de Cima e Maxiais), Póvoa e Meadas (Castelo de Vide), Atalaia (Gavião), Envendos e S. José das Matas (Mação), Portalegre (Banco de Portugal) e Cano (Sousel).
Em Nisa, são lembrados o abrilhantar de bailes no Benfica, Clube e Sociedade, nos salões da Senhora Viscondessa, na Quinta no Termo de Arez, o colaborar nas representações teatrais e récitas escolares no Cine-Teatro e na inauguração do Café Restauração (rés-do-chão da Casa Carmona, no Largo da Porta da Vila, n.º 23).
Nos anos quarenta, durante meses, o Jazz abrilhantou o Teatro Desmontável da Companhia Rafael de Oliveira, instalado junto à Fonte do Rossio, onde pontificavam as famílias de Eunice Munhoz e do Tony de Matos.
Os jornais “Brados do Alentejo” de Estremoz e “Correio de Nisa” referenciavam notícias sobre “ Os Fixes”.
Para meu pai, a música era uma devoção e só uma doença o poderia afastar tanto da Banda como do Jazz.
Na Banda Municipal, em Nisa, actuou em cerimónias públicas e religiosas, em arraiais e romarias, em concertos no Coreto e no Cine-Teatro, em homenagens (Dr. Joaquim Carita Grave, Dr. José Beato Caldeira Miguéns, Dr. José Gomes Correia e Tenente José dos Santos Marques de Macedo), no descerramento da lápide a Nossa Senhora da Conceição, na frontaria dos Paços do Concelho e na inauguração do busto ao Dr. Francisco da Graça Miguéns, no Jardim.
Fora de Nisa, que me lembre, actuou em Amieira do Tejo, Arez, Montalvão, Monte Claro, Pé da Serra,  Alcobaça, Coimbra e Valência de Alcântara.
No concelho, as carroças asseguravam o transporte, sobretudo as dos moleiros, donos dos melhores exemplares de gado muar da região. Pelas estradas de macadame disputavam-se corridas, até com ultrapassagens ao som das trompetes.
Para a festa de S. Simão no Pé da Serra, a deslocação fazia-se a pé. No sábado pela tardinha, saía-se de Nisa e, após arruado na aldeia, tinha início o arraial. Comia-se e dormia-se em casa dos festeiros. Manhãzinha cedo, tocava-se a alvorada e depois da celebração da missa, seguia-se a procissão. De tarde, o arraial continuava até às tantas da noite. Madrugada alta, os músicos palmilhavam o regresso a Nisa onde, na Fonte Frade, dessedentados, respiravam o raiar da aurora e, ao bater das oito horas na Torre do Relógio, retomavam o serviço nas oficinas.
Carpinteiros, pedreiros e sapateiros formavam uma típica corporação na Banda  a arte dos sons sublima-se na arte dos artífices.
Os proventos auferidos com a Banda eram irrisórios. Com os bailes da Carnaval, meu pai ganhava para comprar um porco que, em Janeiro seguinte, era o fumeiro da casa, após festiva matança ao som da viola de meu avô.
Ainda nos anos quarenta, para dinamizar o Jazz, meu pai compra e aprende a tocar acordeão de teclas.
Nesta modalidade, esperava-o a participação nos casamentos e nas sortes.
Nos casamentos, servido um frugal copo d’água, o noivo deixava a noiva na casa da festa e saía ladeado dos padrinhos e seguido dos acompanhantes. Então o acordeonista abrilhantava o grupo que percorria as ruas de Nisa visitando os lugares de bebidas, sobretudo aqueles cujos donos tivessem dado “serviço” e seguia-se até ao quintal da festa; aí, bebia-se o vinho por latões e uma fatia de pão de trigo servia de suporte à suculenta posta de afogado. Só que o contrato com o tocador ainda não terminara. Havia o baile do segundo dia do casamento.
Quanto às sortes, formava-se um cortejo na Praça do Município. Os mancebos, alguns com pandeiretas, ostentavam uma fita no chapéu ou na lapela do casaco, indicativa do resultado da inspecção militar – encarnada (apurado) e branca (livre). Com o acordeonista a atacar a primeira marcha, o grupo percorria as principais ruas de Nisa, cantando e bebendo nos lugares do costume. Em data posterior, realizava-se o baile das sortes ao som do acordeão.
Com o dealbar da idade, em meu pai, o gosto pela música jamais se desvaneceu.
A comprová-lo está a chamada ao Rancho Típico das Cantarinhas de Nisa.
Por gentileza de ex-elementos do Rancho, foi-me dito que meu pai foi um dos fundadores do Rancho e a casa de meu avô na rua Direita n.º 12 (uma divisão do rés-do-chão, outrora a sede do Jazz) foi o primeiro palco de encenação do Rancho, sob a direcção do ensaiador Rodrigues Correia, com os músicos António Charrinho (acordeão), Florindo Bugalho (saxofone), João Augusto (violino) e José Macedo (clarinete). Segundo a mesma fonte de informação, meu pai, com o Rancho, actuou vezes sem conto em Nisa e teve digressões, entre outras, por Lisboa, à Casa do Alentejo e ao Pavilhão dos Desportos, por Évora, ao II Cortejo “O Trajo no Mundo e no Tempo”, por Alvega (Abrantes), Arronches, Cabeção (Mora), Castanheira de Pera, Instituto de Vila Fernando e Santa Eulália (Elvas), Vale do Arco (Ponte de Sor) e Alegrete e Besteiros de Cima (Portalegre).
Meu pai vibrava com toda esta diversidade de manifestações sociopopulares.
A música tonificava-lhe a sua simples maneira de viver e transmitia-lhe um alegre espírito de colaborar.
Há anos, do espólio musical de meu pai, fiz oferta de todas as melodias, à Sociedade Musical Nisense.
João Augusto nasceu em Nisa e foi músico.
Dionísio Cebola in "Jornal de Nisa"