sobre
as asas
de
uma árvore.
As
rosas são bordados luxuriantes
rodeando
a morte e a vida
de
um vulcão.
O
interior, aceso, espreita as margens.
Há
canções de desgaste em toda a extensão.
E o
dia ficou naquela aura longínqua
com
que os dedos estremecem.
A
luz desce no emaranhado das viagens
coloridas
e entregues
à
sofreguidão do visitante.
Poema
de João Clemente sobre um quadro de Augusto Pinheiro
*******************
Artista
que pintava com o coração
Passam
hoje, dia 18 de Outubro, dezassete anos sobre a morte de Augusto Dinis
Pinheiro, pintor naif, nascido a 22 de Agosto de 1905 na vila de Nisa.
Era
comerciante de profissão e começou a pintar aos 66 anos. Participou em 40
exposições colectivas em Portugal e no estrangeiro e realizou 17 individuais.
Aqui
e agora, evocamos o homem e o artista – um dos mais consagrados, a nível
nacional, na arte naif – lembrando o seu sonho maior, ainda por concretizar: a
instalação de um Museu em Nisa, sob o patrocínio da Santa Casa da Misericórdia,
instituição onde faleceu e a que doou parte considerável do seu espólio
artístico.
O
nisense, Carlos Tomás Cebola, lembrou, em 2005, a propósito do
centenário do nascimento do pintor, que “Augusto Pinheiro chegou tarde ao
fascinante mundo das Artes: ao reino deslumbrante das Formas, das Cores, do
Claro-Escuro, da Fantasia: ao fabuloso reino da Pintura.
Só
muito tarde (como é triste dizê-lo) o Augusto começou a pintar telas com todas
as tonalidades do azul (em fundo), para sobre ele (azul) lançar deuses, homens,
aves, insectos, árvores e flores. Muitas flores.
Seria
difícil encontrar mais bela e profunda definição sobre a arte naif, uma arte
sobre a qual ainda hoje se tecem muitas teorias e se lançam algumas
desconfianças.
Arte
do encanto e da magia
Na
abertura do XXXI Salão Internacional de Pintura Naif, o director da Galeria de
Arte do Casino Estoril, dr. Lima Carvalho, diria, a esse propósito:
“
Há por aí quem afirme que a pintura naïf é a pintura dos que não sabem pintar.
Nada mais falso. É a pintura de todos quanto pintam como sabem, com ou sem
técnica. Vem desde os primórdios da arte rupestre, com carta de alforria,
apenas na última década do século XIX, por iniciativa de Henry Rousseau, que
Picasso, alguns anos mais tarde apoiaria com entusiasmo.”
Lima
de Carvalho, grande amigo e admirador de Augusto Pinheiro, vai mais longe, na
caracterização da arte naif.
"As
características desta pintura são o encanto e a magia que se aproxima da
singeleza e graça da pintura infantil, saída muitas vezes das mãos de rudes
artesãos ou de pessoas cultas, que se apaixonaram pela prática desta modalidade
pictórica.”
Sobre
o pintor nisense, o director da Galeria de Arte do Casino Estoril afirma:
“Quando
se iniciou na pintura, Augusto Pinheiro não escolheu escolas ou correntes,
linguagens ou formas de expressão. Deu rédeas soltas à sua imaginação e começou
a pintar como o seu instinto lhe ditava, com total liberdade e desprendimento
das regras da perspectiva ou da composição de que nunca ouvira falar. Com cores
primárias e fortes, pondo em destaque os elementos que mais lhe diziam ao gosto
e ao coração.
Augusto
Pinheiro é um dos mais puros e autênticos "naifs" portugueses, pelo
ingenuismo quase infantil dos seus trabalhos, a poesia lírica que ressalta de
cada um dos seus quadros, a falta total de perspectiva, a pureza das cores, a
originalidade dos temas e soluções. O carinho. O amor.”
Uma
referência da pintura naif
Está
feito o retrato do pintor, do mundo de sonho e fantasia que o rodeava. Um
artista que chegou tarde ao mundo das artes e das formas, mas ainda a tempo de
nos legar um notável acervo pictórico, revelador de toda a sua sensibilidade e
de um universo de infância, o seu, que no retiro do estúdio ou do quarto
passava para as telas.
A
sua força criadora e a notável qualidade de cada um dos seus quadros,
levaram-no a ser conhecido e admirado através das exposições que realizou em
Lisboa (1974/ 77/ 78/ 79 e 81), Madrid (1976), Badajoz (1977), Estoril (1979/
80/ 81 e 85), Funchal (1979), Viena de Áustria (1979), Castelo Branco (1981),
Faro (1981), entre tantas outras, fizeram de Augusto Pinheiro um nome que,
hoje, é referência obrigatória, sempre que se fala da Pintura Naif, em Portugal
Augusto
Pinheiro está representado nos Museus de Pintura "Naif" de Jaén e
Figueras, em Espanha e no Museu de Arte Primitiva Moderna de Guimarães.
Entre
os prémios que recebeu referem-se: Menção Honrosa no Salão de Outono 1981;
Menção Honrosa no IV Salão Nacional de Pintura "Naif" e Prémio Câmara
Municipal de Guimarães no XIV Salão de Pintura "Naif", todos da
Galeria de Arte do Casino Estoril.
A
atribuição do prémio "Câmara Municipal de Guimarães", a mais alta
distinção do "Salão Ibérico de Arte Naif", em Agosto de 1993,
representa o reconhecimento por toda uma obra pictórica ao longo de 23 anos,
que o levou aos mais distintos salões e galerias de arte, um pouco por toda a
Europa.
Recolhido
a Nisa, sua terra natal, aqui passou os últimos anos da sua vida, continuando a
pintar, já sem o fulgor e clarividência dos tempos áureos da sua obra.
Apesar
disso, manteve sempre, até morrer, a lucidez de um desejo, um sonho, um
projecto, de que falava com alguma insistência e que não viu concretizado: a
instalação de um museu, de uma sala de exposições onde as suas obras e de
outros pintores "naifs" pudessem mostrar aos vindouros, a beleza e a
perenidade da arte e da cultura.
É
este um desejo por cumprir e que às instituições (Misericórdia e Câmara de
Nisa) se impõe como um dever indeclinável: o de transmitir para a posteridade,
a obra do artista, ajudando a criar um espaço onde os quadros de Augusto
Pinheiro, possam ver a luz do dia e passar a mensagem do amor que dedicou à
arte, à natureza e, por ela, à vida.
É o
mínimo que podemos fazer pela sua memória.
Augusto
Pinheiro – Artista e cidadão de Nisa
(Extracto
do discurso na Sessão Solene de Homenagem, no dia 20 de Abril de 1987 - Feriado
Municipal.)
Em
20 de Abril de 1987, a
Câmara Municipal de Nisa atribuiu ao artista nisense a Medalha de Mérito
Municipal (prata), em sessão solene realizada no salão nobre dos Paços do
Concelho.
É
dessa sessão evocativa e de homenagem a um dos vultos da cultura nisense, que
extraímos as palavras que seguem.
“Augusto
Pinheiro, comerciante de profissão, viveu até aos 66 anos afastado das tintas e
pincéis.
Fazia
muitos desenhos para bordados, actividade a que se dedicava sua esposa.
Publicou
dois números da revista de bordados "Ponto Real", com muitas flores e
ramagens.
Ficava
bastante impressionado quando visitava uma exposição de pintura, e com o desejo
enorme de começar também a pintar.
Um
dia pegou num lápis de cor e papel e fez um lindo desenho. Do papel passou ao
pano e começou a fazer um pequeno quadro. Daí em diante nunca mais parou. Em
1970/71 passou pela casa Ferreira a comprar as primeira tintas a óleo, os
secantes, e aprendeu a isolar as telas de linho, as quais também são preparados
por si.
Dois
anos mais tarde, já com os quadros prontos, escreveu ao senhor arquitecto,
crítico e pintor Mário de Oliveira, pedindo o favor de passar pelo seu
escritório para lhe mostrar umas simples pinturas. Viu, gostou, e o pintor nem
queria acreditar, parecia uma criança, pois julgava que tudo aquilo era uma
brincadeira sem valor.
Foi
o arquitecto Mário de Oliveira que o encaminhou e encorajou para continuar a
pintar, pois logo que tivesse duas ou três dezenas de quadros, voltaria a
aparecer para seleccionar algumas das suas obras para um dia fazer uma
exposição.
E
assim foi, esta em Janeiro de 1974, na Galeria de Arte do Diário de Notícias.
Foi
o seu primeiro êxito, pois a crítica a considerou como a mais coerente e
inventiva. E pela mão daquele conceituado crítico, nesse mesmo ano, foi
seleccionado para a exposição da A.I.C.A. (Associação Internacional dos Críticos
de Arte), na Sociedade Nacional das Belas Artes, uma das exposições mais
exigentes, porquanto é organizada por aquela associação.
A
partir desta importante e significativa exposição a carreira artística de
Augusto Pinheiro, teve sempre os maiores êxitos.”
(...)”A
arte é, sem dúvida, a forma mais positiva de comunicação. O artista erudito
comunica uma mensagem; o artista que pratica o Naif não nos oferece essa
mensagem, antes pinta como quem conta uma história ou relato emocional da sua
personalidade.
É,
isto, afinal, que nos tem oferecido Augusto Pinheiro: contar histórias da sua
imaginação, cheia de encanto, de pureza e de lirismo.”
Mário
Mendes in "Alto Alentejo" - 2/11/2011