Discurso proferido na Homenagem realizada em
em 12/11/2005 em Alpalhão
"Hoje
é um dia, particularmente, feliz, por estarmos aqui reunidos e podermos, de
viva voz e publicamente, enaltecer as virtudes morais, sociais e humanitárias
de um filho desta terra: o senhor António Joaquim Eustáquio. António Eustáquio,
nasceu ali na Rua da Carreira, numa casa, pequenina, de que hoje resta, apenas
o local. Uma casa pequenina, como tantas que conheci na "Vila" (em
Nisa) e que albergavam famílias com dez, doze, catorze e mais pessoas.Eram
casas pequeninas, com dois ou três compartimentos acanhados e onde, tantas
vezes, ainda cabia o macho, o burrito, a cabrinha e o porco.Eram casas
pequeninas, cheias de gente (o concelho, desculpem-me, chegou a ter nessas
décadas de 40, 50 e 60, do século passado, quase 20 mil habitantes), cheias de
miséria, mas transbordantes de amor, de carinho e afectos. A história da
sardinha, dividida por não sei quantos, não é, não foi - infelizmente - uma
fábula, mas sim uma realidade nua e crua, sentida por muitas famílias.Relembro
o passado, para que possam perceber que, nascido no seio de uma família de dez
irmãos, a António Joaquim Eustáquio não restava outra alternativa senão
fazer-se à vida, bem cedo, na idade de todos os sonhos e brincadeiras.
O seu
tempo de menino foi passado a trabalhar no campo, nos "barros" do
Cano e do Ervedal, até ir para a vida militar. E, pela vida militar se deixou
ficar até à ao posto de sargento-ajudante e a passagem à situação de reforma,
com as idas e vindas do Ultramar, nos tempos de brasa da guerra colonial, de
permeio. Aqui começa, verdadeiramente, a "segunda vida" de António
Eustáquio. Não esqueceu a casa na Rua da Carreira, a família numerosa, as
dificuldades que enfrentou e no remanso do lar, encaminhados os filhos,
engendrou uma forma de ser útil à sociedade e ao mesmo tempo de combater o ócio
que, não raras vezes, é o caminho mais curto e directo para o vício.
A estas
acções de recolha de sangue, programadas e descentralizadas por todos os
concelhos ao longo do ano, e realizadas por uma equipa especializada, acresce o
trabalho que vem sendo, ultimamente, desenvolvido na sensibilização para as
dádivas de medula óssea, com a constituição de um banco de dados de possíveis
dadores. Toda esta acção, pioneira, humanitária e humanista, de que beneficia
toda a comunidade, não teria sido possível sem a dedicação, sem a vontade
inabalável, e sem o empenhamento cívico deste cidadão da nossa terra. Apesar de
não possuir uma grande preparação técnica na área da saúde, o programa que
António Eustáquio mantém, desde há anos, às quartas-feiras na Rádio Portalegre
- que julgamos, a este nível, pioneiro - não deixa de constituir uma original
forma de comunicação, não só com o universo dos dadores de sangue, mas com o
comum dos cidadãos, pela espontaneidade, pelos exemplos, pela força apelativa
das mensagens. Muitos dadores, estou certo, foram "ganhos" desta
forma. Outro aspecto saliente do programa é a "desmontagem", a
clarificação, o esclarecimento de dúvidas, que Eustáquio faz de um modo muito
directo, com exemplos práticos e sem artifícios de linguagem, supostamente
técnica ou intelectual. (Abro aqui um parêntesis para convidar/sugerir às
entidades responsáveis na Saúde para seguirem, também, idêntico caminho.).Para
além de fundador e presidente da Associação de Dadores Benévolos de Sangue do
Distrito de Portalegre, António Joaquim Eustáquio pôs de pé e dirigiu, até à
passada segunda- feira, a delegação distrital da Liga dos Combatentes. Também
aqui o seu trabalho foi bem visível, empenhado e fez ressurgir, com benefícios
para todos os ex-combatentes, uma associação quase moribunda. O levantamento
feito dos talhões dos ex-combatentes nos cemitérios do distrito; o arranjo,
embelezamento e dignificação destes espaços, em colaboração com as Câmaras
Municipais, como aquele que foi feito em Nisa; a organização das comemorações
do Dia dos Combatentes e a representação e defesa dos interesses dos
ex-militares perante as instituições governamentais, têm sido possíveis graças
à organização e combatividade do Núcleo.
Mas
é, sobretudo, através do trabalho desenvolvido à frente e com a Associação de
Dadores, que queremos assinalar o mérito exemplar deste cidadão do concelho, do
distrito, da região e do país, porque os benefícios resultantes das dádivas de
sangue, não conhecem fronteiras nem extractos sociais: são de todos, de quem,
voluntariamente, dá e de quem, no infortúnio da doença, recebe.
O labor
altamente meritório da Associação de Dadores, tendo à frente e principal
dinamizador, António Joaquim Eustáquio, permitiu suprir carências do preciso
líquido e contribuir como poderoso lenitivo para atenuar a dor física e
psicológica de muitos doentes e das suas famílias.A homenagem que aqui lhe
prestamos, mais não é do que o reconhecimento público e devido, a um cidadão
que recusou o conforto da situação de reforma e se empenhou, de forma
voluntária, decidida e abnegada na criação e desenvolvimento de uma associação,
dirigida para proporcionar ao seu semelhante um pouco mais de esperança e,
quantas vezes, um novo sentido para a vida. Em vez de se limitar aos bancos do
jardim, a "matar o tempo morto" que antecede a morte, Eustáquio
preferiu transformar a experiência de vida acumulada, numa causa social ao
serviço do seu semelhante, mostrando-nos que ainda há exemplos, despojados, que
ajudam a acreditar que é possível um mundo melhor. António Eustáquio, com a
força da sua determinação, do seu carisma e da sua entrega, merece que lhe
tributemos, publicamente, o mais sincero e respeitoso agradecimento.
Obrigado,
António Eustáquio!"
Mário
Mendes - Director do "Jornal de Nisa"