terça-feira, 31 de maio de 2016

NISA: Terra de queijos e pastores

Lembrando o Ti Zé da Brígida, 50 anos de vida pastoril (1)
Toda a vida fui pastor _
Toda a vida guardei gado
Já tenho o meu peito aberto
De andar ao pau encostado
Popular (Tolosa)
**************
Remonta aos tempos pré-históricos o aparecimento do pastoreio, uma actividade económica que teve grande importância na Idade Média, testemunhada pelos documentos oficiais, nos quais se citam grandes quantidades de gado, nos contratos, nas doações, nos testamentos. A atestar esta importância está o interesse que a vida dos pastores, aliada sempre a um certo bucolismo, despertou na literatura desse tempo. São conhecidas as "pastorelas" - canções tradicionais do cancioneiro galaico-português e as sertanilhas, bem como as referências que lhe fazem grandes escritores como Gil Vicente, Camões, Bernardim Ribeiro, entre outros, que retratam nas suas obras aspectos da vida pastoril.
Hoje em dia o pastoreio tem ainda alguma importância, embora relativamente à economia geral ela seja menor que no passado.
É esse universo feito de bucolismo, superstições, de arte e solidão, de beleza e nomadismo, que iremos retratar, servindo-nos das palavras do ti Zé da Brígida e aproveitando uma longa e proveitosa conversa no Verão de 1992.
O Ti Zé da Brígida
José Maria Beato - Zé da Brígida - nasceu em Nisa, no distante ano de 1902.
Não conheceu os bancos da escola, o tempo de brinca próprio da infância.
A sua meninice foi outra. As dificuldades de uma família numerosa, cedo o remeteram para a vida árdua do campo.
- "Fui para o campo desde pequeno. Comecei a ganhar aos 7 anos. Principiei a guardar um rebanho de cabras, numa casa para onde o meu pai tinha ido quando eu tinha dois anos. Nasceram-me os dentes nesta vida. Sobre a vida da lavoura sei tudo.
Andei a guardar gado e a fazer queijos mais de 50 anos ! "
Ser pastor constitui uma profissão à parte, que em geral se segue toda a vida e tende a fixar-se na família, durante sucessivas gerações.
"O meu pai tinha a mesma vida. Eu comecei a ganhar na companha dele e com ele é que fui aprendendo. Vivíamos sempre no campo. A nossa casa era o chôço. Não era como agora que vão dormir a casa".
Fez a "travessia no deserto" . De criança a adulto, trabalhando em diversos mesteres servindo a vários amos como Jacob.
“ Andei com uma carreta a apanhar feno para os palheiros; fiz quase todos os trabalhos do campo até ir para a tropa, onde estive quinze meses e meio. Depois casei. Casei no dia 20 de Agosto de 1922 e ao fim de 15 dias de casado marchei a caminho da Cunheira. Estive lá 8 meses a fazer fardos de cortiça. Mas eu andava era com a lida de me fazer pastor. Foi a minha criação. Meti-me na vida de pastor e nesta vida andei cinquenta anos.”
O Alentejo é terra de grandes culturas e das grandes extensões.
O concelho de Nisa "entalado” entre a planície, com as suas terras de barro e areia a perder de vista e as serranias beirãs, constitui uma zona de transição, onde se entrecruzam e formam um todo quase uniforme, influências de uma e outra região.
Não há aqui pastoras como as descritas nos "autos pastoris" de Gil Vicente, ou as lindas pastorinhas" do romance popular.
As cabeças de gado lanígero mantêm uma grande importância na vida económica da região. Os rebanhos, transitando de herdade em herdade, por vezes a grandes distâncias, são guardados exclusivamente por homens.
Homens a quem era exigido um trabalho persistente, por vezes árduo, um tipo de vida solitário, nómada, quase eremita.
Ao romper da bela aurora
Sai um pastor na choupana
Vai dizendo em altas vozes
Muito padece quem ama.
 (Popular – Alentejo)
“Levantava-me de madrugada e a primeira a coisa que fazia era o almoço. Bontava (metia) os feijões pretos ao lume e era assim durante o ano todo.
Tinha o bardo para mudar todas as manhãs. Eram 70 cancelas que eu tinha de carregar às costas. Havia dois ajudas, um para ajudar no almoço, outro para segurar as ovelhas para elas não abalarem.
Almoçava logo ao nascer do sol no chôço, e chegava-se a hora do gado sair, marchava-se com ele até à noite. Ao mei dia comia qualquer coisa, pão com conduto que levava no sarrão. À noite chegava a prender cinquenta ovelhas à perna do bardo, sem nenhuma querer o borrego (enjeitávam-nos).
No tempo da ordenha , eu não estava tratado (contratado) para ir para o alavão, mas para trazer a pensão sempre diante de mim, obrigava-me a ir.
Era bom para o patrão que assim não pagava ao alavoeiro e eu ia fazendo o serviço por uma bagatela" .
A ordenha e a tosquia são dois períodos importantes na exploração do gado de lã. A ordenha começa geralmente pelos meados de Fevereiro, tendo os pastores procedido antes à rabeja - tosquia local de alguma lã que possa estorvar no acto da ordenha.
Rabejadas as ovelhas e apartados os borregos para uma das pastagens onde as mães nãos vejam e não ouçam, fica construído o alavão.
Há duas ordenhas regulares durante o dia; uma de madrugada, outra ao começar da tarde. A ordenha faz-se no aprisco, que tem apenas largura suficiente para trabalharem quatro homens a par e o comprimento suficiente para nele caber todo o alavão.
Os quatro homens são o maioral do alavão, o ajuda do alavão, o roupeiro e o ajuda do roupeiro. Cada um deles ordenha uma ovelha no seu ferrado e passando-a depois para trás das costas, segue com outra e assim sucessivamente.
Quando os quatro homens chegam ao cabo de um alavão de oitocentas cabeças ou mais, chegam derreados. É uma tarefa que se repete duas vezes ao dia e se faz sem interrupção durante três a quatro meses.
Dá-me a chéve da quinjêra
Pra i busqué a aferrada
Porque o quêje mestice
Leva munta coalhada. 
(Popular – Nisa)
“Sempre gostei de fazer queijos. Aprendi com o meu pai, de modos que além de pastor também era roupeiro. E a fazer queijos não queria que me "bontassem” (pusessem) as mãos em cima.
O leite chegava à queijeira na aferrada e passava para o azado. Ia-se aquecendo e voltando e deitávamos-lhe cardo até coalhar. A temperatura era importante. A coalhar devia demorar uma hora. Assim é que estava bem. Depois a coalhada era tirada para cima do parreirão ou francela, onde era migada, remigada e apertada nos acinchos.
Com oito litros dava um queijo dos grandes com um quilo e meio, era a tabela, o verdadeiro queijo de Nisa".
Os queijos, a queijeira ou rouparia, são também parte integrante do mundo do pastor. Um mundo onde as superstições andavam à "rédea solta " e faziam lei. Uma lei talvez alicerçada no saber de experiência feito, quem sabe...
"Feito o queijo tirava-se do parreirão, mudava-se para as pingadeiras e mais tarde ia para as tábuas. Ai estava sessenta dias na cura. Aqui só levava sal e "limpezas”. Quantas mais melhor. Quase no fim da cura, eu punha-lhe, untava-os com uma pinga de azeite para ficarem amarelos e não terem sarro nem bolor.
Na queijeira só devia entrar gente de confiança e pouca. Mulheres, então, o menos possível.
Uma ocasião estava na rouparia em casa do meu compadre. Um dia foi lá a patroa e uma irmã do meu compadre. Ela ia muito mal disposta. Ela não se lembrou e eu não sabia como ela vinha. Pediram-me para entrar na queijeira e... escangalharam-me o serviço. Os queijos deram em sair olhados e ainda se estragaram alguns. Enfim é a pior coisa que pode haver é uma mulher que esteja... que ande ... mal disposta, com o “incómado”, entrar numa coisa daquelas".
O vestuário
O ti Zé da Brígida é hoje reformado, vivendo de uma magra pensão que mal dá para lhe atenuar a tristeza de uma velhice compartilhada com a solidão.
Mantém ainda uma expressão vigorosa e uma memória de fazer inveja a muita gente nova. Quando fala do seu mundo da pastorícia, do bardo com as suas ovelhinhas ou da "Cigana" uma rafeira de guarda, companheira fiel de tantos dias e noites, nota-se-lhe um certo embargo na voz.
“ Podem dizer o que quiserem mas a vida de pastor era muito ruim. Meses no campo sozinho, às vezes dias inteiros sem ver ninguém, ali andávamos entregues à bicharada. Fazíamos tudo, desde o comer ao fato que trazíamos vestido.”
O fato, como os costumes e os segredos da profissão eram passados de geração em geração.
"Era o mesmo que já usavam os nossos pais. Tinha a roupinha, umas calças de saragoça e vestia uma samarra. Era um casaco de lã feito de peles. Depois de preparada levava aí umas 5 ou 6 peles.
Por cima das calças usávamos os safões e umas plainas, umas engorras feitas de pano de chapéu velho. Calçávamos tamancos, feitos de pau de figueira, salgueiro ou amieiro.”
Os tamancos era espécie de sapatos de sola de pau, presos por correia sobre o peito do pé (diferentes dos tamancos do Norte); são ferrados com brochas de arame preparadas, tal como as peças de vestuário, nomeadamente os safões e a samarra, pelos próprios pastores.
Sobre os tamancos trazem polainas de couro, chamadas botas afiveladas pelo lado de fora.
Nos pés os pastores podiam calçar ou não miotes, feitos com linha “grossa” (fiado) pelas mulheres dos próprios pastores.
Para além deste vestuário o pastor de Nisa usava também o gabão – um casacão ou capote alentejano – indispensável nas gélidas noites de Inverno.
O gabão tem, aliás, uma curiosa história. Era costume em Nisa o patrão (o lavrador) pelo S. Miguel, oferecer ao pastor com mais uma ano de casa, dinheiro para a compra de um gabão, ou mesmo oferecer o próprio gabão já feito e pronto a usar. O gabão entrava assim no contrato de ajuste ente o lavrador e o pastor e talvez por isso se ouça, por vezes, na região: “Quem tem gabão sempre escapa / Quem não tem, escapará ou não”.
Na cabeça o pastor usava um barrete (“um garruço preto” – como diria o ti Zé da Brígida) e como acessório do vestuário usava o cajado – pau direito ao qual se encostava ou que atirava ao gado – instrumento emblemático, simbólico, formando com o sarrão as insígnias do pastor.
Eu vou per daqui abaixo
C´uma cajadinha às costas
Se eu não achar as ovelhas
Vou ser pastor de cachopas
 (Popular – Tolosa)
No ombro esquerdo traz pendurado o sarrão feito de pele de um chibo ou de um borrego, com pêlo para fora, exactamente como um chibo sem cabeça; às pernas do chibo prende-se a correia de pendurar o sarrão. Dentro do sarrão o pastor transporta os seus principais utensílios: colher de pau ou de corna, canivete, consoante a comida e o conduto, e ainda alguns apetrechos de trabalho como sovela, martelinho, alicate, turquês e navalha.
O Chôço
“A vida de pastor, além de andar com o gado, é passada no chôço. Ali é que é a sua casa. Foi no chôço que os meus pais criaram uma “catrinféda” (muitos) de filhos. E todos se criaram. No chôço se passava o Natal e os dias festivos com os meus filhos, mesmo depois de eles se casarem e irem para a vila. Traziam a família, vinham de véspera e aqui se acomodavam todos. No chôço e no emparo." (amparo – chôço secundário e agregado ao principal).
"O chôço é feito com paus de freixo ou de azinho, moldados por nós e era coberto com giestas e colmo. Levava aí uma camada de três dedos de colmo. Bem feito não havia água que entrasse nele.”
Dentro do chôço e para além dos utensílios necessários ao seu mister, o pastor tinha também o seu “mobiliário” tradicional: uma ou duas tropeças (tripeças – bancos de cortiça ou um burro de pau) que ele próprio construía e um caldeiro para cozinhar.
A gastronomia, bastante pobre, consistia especialmente de açorda, feijão-frade cozido – recolhido do feijoal de arado (era semeado com o arado pelo pastor dando este a semente) sendo esta também uma das condições do contrato de ajuste.
(Continua)
VOCABULÁRIO
* Ajudas - Segundo pastor do rebanho (ajudava no alavão, no pastoreio e na queijeira)
* Alavão - Nome do rebanho que dá leite (do árabe al-labban)
* Alavoeiro - Nome do pastor que andava no alavão
* Achincho - Forma redonda onde é colocado o coalho e apertado e de onde sairá o queijo.
* Maioral – Primeiro pastor de cada rebanho - tantos maiorais quantos rebanhos.
* Queijeira ou Rouparia –Local onde se faziam os queijos – geralmente um palheiro velho ou cabanal no monte
* Safões (Ceifões ou Çafões) - são usados pelos pastores durante todo o ano. São peles de ovelha com lã e feitos pelos próprios pastores.
* Pelico- Por vezes também chamado de samarra, embora sejam diferentes. É uma grande jaqueta de peles que os pastores trazem vestida nos dias mais frios.
* Aprisco - Formado por cancelas como as do bardo mas dispostas de modo diferente,  formando um corredor, com uma entrada mais larga. Era o local onde os pastores procediam à ordenha. Nalgumas regiões é chamado de redil.
* Parreirão (francela e queijeira) - Mesa de pinho onde o roupeiro e o ajuda trabalham na confecção do queijo, apertando os achinchos.
* Corna - Recipiente para transportar comida usado pelo pastor; adaptação de chifres de gado vacum. São ornamentados com desenhos, feito pelo pastor e talhados com perícia.
* Gabão - Também chamado cassacão ou capote, ou ainda capote alentejano.
* Sarrão (ou surrão, do espanhol surron) - Feito de pele de um chibo ou de um borrego com o pêlo para fora.
Mário Mendes in "Alto Alentejo" -

CRÓNICAS DE ANGOLA: Carlos Cebola e o Rancho das Cantarinhas

(...) Esta saudade encheu de tal modo os alentejano radicados, aqui, que exigiu um lenitivo que a mitigasse. Bastou, apenas, uma breve e simples reunião, e a Casa do Alentejo, em Luanda, é uma realidade. Sobre ela falaremos em próxima crónica. O assunto só aqui aparece porque foi lá, na Casa do Alentejo, que li, em vários jornais alentejanos, muitas coisas sobre o “Rancho das Cantarinhas de Nisa”.
Começo por dizer que nunca o vi actuar. Na única ocasião que me teria sido possível, em Elvas, e devido aos preparativos da apresentação de “Quinto Mandamento”, não pude ver, ouvir, nem aplaudir o Rancho. Logo que me foi possível, ainda corri ao local, mas, apenas para ver desfilar, entre aplausos, a sinfonia de beleza, garridice e garbo que eram os rostos das nossas raparigas, os xailes e as saias de barras multicolores e as jaquetas pretas dos rapazes.
No entanto, tenho acompanhado, passo a passo, o Rancho de Nisa, na sua ascensão pelos caminhos do êxito. Nos jornais, que chegam, e nas cartas de meu pai, de vez em quando, o Rancho aparece.
Ora, nesta crónica, eu quero falar sobre o “Rancho”.
Já disse e repito, com mágoa, que nunca o vi actuar.
Digo, agora, que não conheço o seu dinâmico e talentoso director. Mas tudo isto pouco ou nada importa. Quero falar do Rancho porque ele (RANCHO) diz-me respeito; porque sou de Nisa e o RANCHO é NISA, em qualquer parte que se apresente. E é só por esta última razão que pretendo escrever aquilo que (parece-me) já devia ter escrito.
Pelo que sei, esse magnífico cartão turístico-artístico da minha terra vive da “carolice” de um director (que nem é de Nisa) e dos pais e mães que autorizam e acompanham as filhas e os filhos.
Mas Nisa (e, aqui, Nisa são todos os senhores “quem de direito”) tem, em relação ao Rancho, obrigações a que não pode eximir-se nem pretender ignorar, sequer.
O Rancho é Nisa. E Nisa não é, nem pode ser, a “carolice” de uns quantos. Nisa tem tradições, tem direitos, tem deveres, tem um nome e uma posição. Tradições, direitos, deveres, nome e posição que todos os verdadeiros nisenses (os nizorros) tão, orgulhosamente, defendem.
Modestamente embora, tenho dado a minha contribuição. Através da Rádio, Imprensa e Televisão levei já o nome de Nisa a mais que um continente e muito para além das nossas fronteiras. Por isso, e só por isso, sinto que alguma autoridade moral me assiste. Eis porque estou, agora, a “quebrar lanças” pelo Rancho.
É preciso que o Rancho seja Nisa. Nisa toda inteira (do alto da Estrada de Alpalhão ao Dafundo, da Fonte do Frade à Fonte da Pipa, do café do Miguel ao salão nobre da Câmara Municipal). Creio que todos me estão a entender. É preciso que o Rancho mereça mais carinho e interesse de TODOS.
É preciso que, quem pode, manda e deve, olhe o nosso Rancho como algo de precioso que temo de guardar e defender, avaramente, como uma jóia rara.
Pelo que sei, o Rancho vive (ou tem vivido) como um órfão à procura de mãe ou como um passarinho à procura de ninho.
Porquê? A Câmara não será rica e a manutenção do Rancho é dispendiosa. Certo. Mas mais pobres são os pobres que o organizaram, desenvolveram e têm conduzido, de terra em terra, contando por êxitos as exibições feitas. Se “quem de direito” aguardava factos, eles estão à vista. Vêm nos jornais e até chegam à África. Vamos. Tornemos o Rancho naquilo que deve ser e naquilo que, é preciso, ele seja: um património que é urgente defender e conservar, como a Torre da Porta de Montalvão.
E, se esta ameaça ruína só porque os monumentos nacionais a esquecem, que o Rancho continue, sempre mais de pé, porque a própria Câmara lhe pode dar “carta de alforria”. Pode, deve e... não terá obrigação de fazê-lo? Não está em jogo o nome da terra e a formação da juventude?
É preciso que apareça uma verba anual (ou mensal) para trajos, adereços, ensaios, viagens. (Há tantas verbas mal gastas, por vezes!).
É preciso, ainda, que se arranje dessa verba (ou de outra) um subsídio, um ordenado que prenda mais a Nisa, esse homem que se chama Rodrigues Correia, que eu não conheço mas por quem levanto a voz pelo que ele tem feito por uma terra que não é dele mas é minha. É nossa.
É preciso... Bem. Para já, era preciso dizer certas coisas. Estão ditas. Até para que não aconteça ao “Rancho das Cantarinhas” o que, infelizmente, acontece (ou aconteceu) com esse precioso grupo dos “Corcovados” – único no país – que podia ser outro grande cartaz de Nisa e afinal...
Vai longa esta crónica e não tenho o direito de abusar.
Talvez, noutra ocasião, volte ao assunto. Mas, quando voltasse a fazê-lo, gostaria que fosse para regozijar-me com o facto de estas linhas terem conseguido que se fizesse o que, já devia ter sido feito.
Só assim, Nisa poderá contar, como certo, com algo mais do que orgulhar-se. E nós (nizorros) também.
Carlos Tomás Cebola - Crónica de Angola in “Correio de Nisa” - 21/10/1967

NISA: A morte do professor Dionísio Cebola

Faleceu no passado dia 13, em Portalegre, após prolongada doença e sofrimento, o professor Dionísio da Graça Bicho Cebola. O funeral de tão insigne nisense, realizado na sua terra natal no dia 14 constituiu uma profunda manifestação de pesar para familiares, amigos, antigos colegas de profissão e antigos alunos.
Dionísio da Graça Bicho Cebola, após a conclusão dos estudos liceais, frequentou a antiga Escola do Magistério Primário de Évora onde obteve o diploma que o habilitou para o exercício da nobre profissão de professor, mister que desempenhou de forma profícua e distinta, ao longo de muitos anos e em diversas escolas da região e do país.
O seu carácter probo, disciplinado e disciplinador, a preocupação permanente com a escola e o meio escolar, a que juntava o estudo das questões relacionadas com a educação, granjearam-lhe a estima e consideração dos seus superiores, sendo sem surpresa que ascendeu ao cargo de inspector escolar e, mais tarde, ao de director escolar do Distrito de Portalegre, cargo com que se aposentou.
Após – e antes mesmo - da aposentação, dedicou-se à pesquisa de dados e elementos sobre o universo escolar do distrito e da região, numa pesquisa metódica e porfiada que resultaram em obras de grande valor e importância para a história da escola e da educação, num sentido mais lato, do distrito de Portalegre.
Em 1983, em colaboração com Acácio Fernandes Lopes Parreira e José Martins dos Santos Conde e sob o patrocínio da Assembleia Distrital, Dionísio Cebola publicou “O Ensino Primário no Distrito de Portalegre – Subsídios para a sua História”.
Mais tarde, em 1997 e com edição do autor, surgiu “Direcções Escolares” – Subsídios para a sua História” e em 2001, em edição da Câmara Municipal de Nisa, publicou “A Escola Primária no Distrito de Portalegre – Subsídios para a sua História”.
Escusado será dizer que estes “subsídios” – fruto de muitas horas e dias de estudo, compilação de dados e reflexões - têm constituído, ao longo destes últimos anos, um acervo documental de extrema importância e a que recorrem estudantes dos diversos graus de ensino, tanto para trabalhos de uso mais restrito, como para outros, mais elaborados, a nível de mestrados e doutoramentos, nos quais os temas da educação e a organização escolar no distrito têm servido, quantas vezes e à falta de documentação semelhante, para estudos que abarcam outros territórios.
À parte, o professor e o académico – que o foi e em larga medida – Dionísio Cebola era um homem sociável que apreciava o convívio entre amigos.
Com uma memória prodigiosa, não esqueço as infindáveis histórias que me contava sobre a sua infância e juventude, sobretudo, acerca da grande diversidade cultural e artística que existia em Nisa.
Algumas dessas histórias, simples e cheias de alegria, tive o prazer de as publicar no extinto “Jornal de Nisa”. As descrições que me fazia do seu pai, o senhor João Augusto e do seu avô, de nome Dionísio, como ele, e que eu conhecia como um homem, à primeira vista, austero, e, logo a seguir, de uma excentricidade a toda a prova, revelaram-me o modus vivendi da Rua Direita, a qual, a horas certas, se transformava num autêntico auditório, tal a sinfonia dos instrumentos musicais de amadores.
Isso pouco interessa, dirá o leitor. É verdade. Só amamos o que sentimos. Mas, estes “fragmentos” mostram, também, o carácter de um homem, o seu amor à terra-mãe, a lembrança dos espaços vividos e que, estou certo, acompanharam, Dionísio Cebola, enquanto professor, no calcorrear dos caminhos e veredas que o levavam à escola.
A Escola do Distrito de Portalegre, com a sua morte, fica mais pobre. E nós também.
Saibamos honrar a sua memória.
Mário Mendes in "Alto Alentejo" - 20/8/2014

sexta-feira, 27 de maio de 2016

Nisa nos painéis de azulejos da estação de Vale do Peso




Conjunto de 4 postais publicados pelo "Jornal de Nisa" por ocasião do 10º aniversário, reproduzindo alguns dos painéis de azulejos expostos na estação ferroviária de Vale do Peso.
Os oito painéis instalados na estação ferroviária de Vale do Peso são, tal como os das estações de Castelo de Vide e da Beirã (Marvão) da autoria de Jorge Colaço, um dos maiores azulejistas portugueses e terão sido produzidos nos anos 30 do século passado.
Jorge Colaço (1868 – 1942)
Estudou pintura em Madrid e em Paris. Foi pintor, caricaturista e azulejista. Distinguiu-se principalmente como caricaturista e desenhador, tendo os seus desenhos sido publicados em alguns jornais da época como O Talassa. São de sua autoria os azulejos do Hotel do Buçaco, os painéis da estação de S. Bento no Porto, assim como os da sala dos Passos Perdidos da antiga Faculdade de Ciências, em Lisboa. Trabalhou na Fábrica de Sacavém até 1922 e depois, na Fábrica Lusitana, onde teve oficina própria. Tem trabalhos em azulejaria em vários países do mundo.

Teresa Saporiti in “Azulejaria do Distrito de Portalegre"

FIA 09: Antónia Polido, artesã de Nisa distinguida

 Menção Honrosa do Prémio Nacional de Artesanato 2009
A artesã nisense Antónia Dinis Polido foi distinguida com uma menção honrosa do Prémio Nacional de Artesanato atribuído no âmbito da FIA - Feira Internacional de Artesanato que decorre até ao próximo domingo em Lisboa, na FIL – Parque das Nações.
O Prémio Nacional de Artesanato, promovido pelo IEFP, foi este ano dedicado ao tema "Fios, Teias e Tecidos". Com a atribuição do Prémio procura-se distinguir o trabalho dos artesãos, promover a actividade artesanal e incentivar a criatividade na defesa da qualidade e da inovação.
Pormenor do trabalho distinguido com uma Menção Honrosa
Antónia Polido candidatou-se ao Prémio Nacional de Artesanato com um cobertor bordado à mão – "coberjão". O trabalho foi seleccionado na fase regional organizada pela Delegação do Alentejo do IEFP. Na fase nacional do Prémio foi distinguido com uma menção honrosa na categoria de artesanato tradicional.
Os trabalhos seleccionados para a fase nacional do Prémio Nacional de Artesanato integraram a exposição "FIOS, FORMAS E MEMÓRIAS DOS BORDADOS RENDAS E TECIDOS" que esteve patente no Pavilhão do IEFP na FIA. Esta exposição permitiu uma rara visão de conjunto sobre a realidade múltipla do têxtil artesanal português. A exposição prolongar-se-á no tempo através da publicação de um catálogo, produzido com a intenção de se constituir, simultaneamente, como um registo e uma reflexão sobre as produções têxteis artesanais portuguesas.
A entrega dos diplomas referentes Prémio Nacional de Artesanato ocorreu no passado sábado, dia 4 de Julho, às 18h30 no pavilhão do IEFP na FIA.
Notícia publicada em 7/7/2009

domingo, 22 de maio de 2016

ESCRITORES DE NISA - Contos de Montes Ermos

O Papo- Seco
O contrato-tipo, que a Câmara de Montes Ermos assinava com os regentes que contratava para a sua Banda de Música, dizia preto no branco: Artigo 17º - "O regente é obrigado a dar, pelo menos, dois ensaios por semana e, além desses, todos os que as necessidades de serviço aconselharem”. E, logo, no parágrafo único do mesmo Artigo 17º estabelecia que o regente tinha, também, a seu cargo, “ensaiar o Coro da Câmara, obrigando-se a apresentá-lo, no ultimo domingo de cada mês, abrilhantando a Missa Solene do meio-dia”.
Bizarra, no mínimo, esta cláusula. Mas Montes Ermos eram isso mesmo. Ao apresentar, em cada actuação do Coro da Câmara, uma antífona, um salmo ou um motete que, expressamente, compunha para o acto, desde a primeira hora, Mestre Horácio tornara, porventura, mais bizarra, ainda, esta cláusula.
Num breve parêntesis, diga-se, de passagem, que, pelo menos, uma vez por mês, a vetusta igreja medieva era pequena para comportar a afluência de fiéis. E não só. Foi num desses domingos que conheci o Papo-Seco.
Nunca descobri a razão por que lhe chamavam “Papo-Seco”. Em linguagem de Montes Ermos, um Papo-Seco é um indivíduo apurado no vestir, um janota, um casquilho, um peralta, um elegante, e ele não passava de um maltrapilho. Uma figura tosca, atarracada, andrajosa, com um sorriso imbecil numa cara de idiota. Contudo, foi o mais extraordinário caso de intuição musical, que conheci, até hoje. Era um maltesão, um desses vagabundos que palmilham as estradas sem sombras do Alentejo, batem á porta de todos os montes, a quem os cães ladram, ao vê-los passar e de quem os garotos se escondem, sempre, receosos. O Papo-Seco, contudo, era um paz d´alma, um pobre diabo inofensivo que, sempre, respondia com um sorriso a um insulto. Persistente, no seu périplo interminável, aparecia, em Montes Ermos, invariavelmente, por ocasião das festividades religiosas de Verão a que se associava, sem convite e sem cerimónias, fazendo alarde de uma voz de tenor pouco vulgar.    Para a missa solene daquele quarto domingo de Agosto, Mestre Horácio compusera e ensaiara um “Tantum Ergo”, cuja estreia o próprio Coro da Câmara caprichara em anunciar, com grande antecedência. Resultado: expectativa, ansiedade e a igreja sem lugar onde coubesse mais um alfinete. A organista fizera soar, apenas, o primeiro acorde de introdução, quando um murmúrio alastrou por entre todo o coral. Mestre Horácio voltou-se e, por cima dos óculos, viu um quadro que desejara não ter visto. Recostado no vão da porte de acesso ao local destinada aos cantores, estava o Papo-Seco. Descalço, andrajoso e sujo, como sempre, mas mostrando os dentes, inexplicavelmente brancos, naquele sorriso tranquilo, ingénuo e simples, que todos lhe conheciam. Mestre Horácio hesitou, por um momento, mas confiou em todos os santos da sua devoção e o “Tantum Ergo” começou a ouvir-se. No final da primeira estrofe, o alívio foi geral. Contrariamente ao que era costume o Papo-Seco não se associara ao Coro. A um canto, e parecendo alheado de tudo, permanecia imóvel, de olhos postos no altar-mor, lá longe, no outro extremo da nave. O órgão fez ouvir os acordes de um breve interlúdio. Mestre Horácio levantou a mão para dar entrada ao Coro e, nesse preciso instante, a voz forte, timbrada e sonora do papo-Seco elevou-se num solo surpreendentemente belo, sem uma única falha na harmonia dos acordes do Coro da Câmara, que ficou a ouvir-se como fundo maravilhoso, sustentando um solo improvisado mas verdadeiramente genial.                                                      A saída da missa de domingo é, sempre, um acontecimento em Montes Ermos. Julgo que em toda a parte. Até mesmo nas grandes cidades, as pessoas aproveitam a saída da missa para se cumprimentarem, matarem saudades, saberem novidades, mostrarem vestidos, comentarem ditos e mexericos e, Deus me perdoe, até, dizerem mal dos outros. Mestre Horácio era aguardado com redobrado interesse. E compreendia-se. Para  mais, numa terra, onde toda a gente sabia de tudo e se arrogava a dar opiniões e pareceres, sobre música, mesmo sem nunca ter aprendido a distinguir uma nota de música de uma atafona. Mal transpôs a porta da igreja, Mestre Horácio foi o centro do mundo. “Parabéns, Mestre, muitos parabéns”. “ O seu Tantum Ergo é maravilhoso”. ”Que coisa mais linda, parabéns”. “Obrigado, Mestre, a sua música é verdadeiramente extraordinária”. E tudo isto repetido, com as mesmas ou por outras palavras, até que se abriram alas e se fez um expectante silêncio. A senhora Morgada da Faiopa aproximava-se, com o habitual séquito. “Parabéns, Mestre, que encantadora a sua música. É linda, linda, linda, linda. Tudo muito afinadinho. Todos muito certinhos. Adorei, adorei, adorei, adorei. Parabéns, mais uma vez. Ah! Uma pergunta só. Quem cantou aquele solo, verdadeiramente, encantador? A melodia é extraordinária, mas a voz é soberba. Nunca ouvi nada tão belo, tão raro, tão singular. Quem cantou?”. Estendendo o braço, lentamente, Mestre Horácio apontou e disse, apenas, “Aquele. A melodia e a voz eram dele”.    
Do outro lado da rua, num mar inebriante de sol, o Papo-Seco tentava, com um sorriso meigo e gestos brandos, afagar um cão vadio, como ele, mas que lhe rosnara, ao passar. Não sei que é feito dele. Mas, se não morreu, ainda, talvez continue palmilhando as estradas sem sombras do Alentejo, visitando todas as vilas e aldeias, enchendo todas as igrejas, nas missas de Domingo, com aquela maravilhosa voz de tenor, sem escola, e a rara intuição de músico nato. O Coro da Câmara de Montes Ermos é que terminou nesse último domingo de um de Agosto, já recuado, só porque, naquela terra de eleição, houve quem não quisesse ou não pudesse aceitar que o Papo-Seco, sendo, embora, um maltês, vagabundo e andrajoso, possuísse, no entanto,uma réstia de centelha divina.                                                                                                     Carlos Tomás Cebola – Janeiro de 2000

sábado, 21 de maio de 2016

Enfermeiro nisense homenageado em Portalegre

Palheta Mendes - Um exemplo de dedicação à causa pública
Profissional altamente qualificado é exemplo de dedicação à causa pública e à sua profissão, destacando-se ainda, a sua participação nas mais diversas actividades, de forma graciosa, das quais se destaca a sua colaboração com os Bombeiros Voluntários de Portalegre.
Nasceu em Nisa em 1953 mas, aos 20 anos de idade, trocou a sua terra natal por Portalegre. É na capital de Distrito que reside já lá vão 36 anos. No entanto, nunca colocou de parte as suas raízes e é ainda uma das pessoas que compra o jornal da terra para "saber as novidades", apesar de lá não ir, apenas de vez em quando, para visitar a mãe.
Confessando que se sente "mais de Portalegre do que de Nisa", até porque "foi a minha cidade de acolhimento e gosto muito desta terra", António Palheta Mendes recorda que começou a trabalhar em 1973 na Misericórdia, em Portalegre. Acabou por ter que cumprir serviço militar no Ultramar, trabalhando no Hospital Militar de Luanda, onde esteve também nos Cuidados Intensivos. Note-se que, na altura, este foi o primeiro serviço do país a trabalhar em hemodiálise.
Nos finais de 1975, Palheta Mendes regressa a Portalegre e, no Hospital, foi colocado nos Serviços de Especialidades, mas pouco tempo. Desde essa data que o Hospital foi a sua "segunda casa". Aqui trabalhou em vários serviços, como o Banco de Urgências, onde esteve sete anos. Segundo revela, foi esta área que o fez "despertar" para a emergência nos bombeiros. "Já tinha o bicho dos bombeiros porque o meu pai e o meu tio já tinham exercido esta profissão e, em Portalegre, a convide do comandante Belo Morais e do 2º comandante na (altura Vítor Bucho) fui convidado a ingressar na corporação da cidade", conta.
Depois do Banco passou para o Serviço de Medicina Homens durante cinco anos, regressou novamente ao Banco durante perto de oito anos e há 14 anos que trabalhava nos Cuidados Intensivos, último serviço que efectuou no Hospital até se reformar.
O enfermeiro admite que, ao longo da sua vida profissional, teve "experiência boas, onde aprendi várias coisas". Com mais quatro colegas, formou o plano de emergência do Hospital e foi a partir daqui que nasceu a formação do pessoal do Hospital na área da emergência, suporte básico e do plano de evacuação.
A formação foi sempre uma área que António Palheta Mendes gostou. Fez a integração de muitos colegas nos vários serviços por onde passou no Hospital de Portalegre, pois "os chefes delegavam-me essas funções".
Actualmente, a formação continua a fazer parte da sua vida, com excepção do Hospital. No entanto, "fiquei como pertencente à bolsa de formadores e assim, quando for necessário, têm a minha ajuda nesse campo", revela o enfermeiro, salientando que "quando ajudei a fazer formação não foi com interesse monetário, mas com interesse formativo, para ajudar a própria instituição".
Palheta Mendes revela ainda que, no Hospital, não fez especialidades, apenas na área da emergência, onde frequentou um curso de enfermeiro no INEM, o que lhe permitiu ingressar na área de emergência e nos Bombeiros, onde ainda permanece. Na corporação de Portalegre é enfermeiro e equiparado a oficial de Bombeiro e dentro em breve irá frequentar um curso para ficar como oficial de Bombeiro.
"Nunca gostei de tratar ninguém por tu"
Assumindo que foi uma pessoa que "sempre pactuei em nunca fazer a diferenciação das pessoas, mas sim tratá-las por igual", tanto no Hospital, como nos Bombeiros, Palheta Mendes afiança que é por essa razão que é conhecido.
O respeito pelo próximo foi outra das linhas que fez parte da sua vida. "Nunca gostei de tratar ninguém por tu, o que tem a ver com a educação que temos, porque a nossa população é maioritariamente envelhecida e os idosos não gostam de ser tratados por tu", justifica.
Ao longo dos anos, o enfermeiro fez várias amizades, até porque segue uma conduta de "falar com todas as pessoas e respeitá-las". Confessando que, nas Urgências e nos Cuidados Intensivos, "tive muitos casos críticos pelas mãos", Palheta Mendes garante que "nada me chocava". Uma decisão que tomou na sua vida é que "não levo os problemas para casa". "Quando acabo de fazer um acidente grave faço um briefing como forma de modelar o que correu bem e mal e quando acabo a tarefa não levo para casa", afiança, acrescentando que tenta sempre transmitir aos seus formandos o respeito e a não discriminação pelos doentes.
Debruçando-se ainda sobre a sua actividade profissional, o enfermeiro revelou que "na profissão temos os pais e os filhos". Assim, explica que "os pais são aqueles que nos deram a mão para sermos modelados de uma maneira que a profissão prossiga com bons elementos e como fui modelado por colegas antigos que me tentaram incutir na actividade o bem-estar das pessoas e o bom convívio entre os colegas, eu, com os colegas novos, também faço o mesmo. Dou-lhes a mão e tento incutir-lhes isso".
Quando saiu do Hospital de Portalegre, confessa que "não me custou", porque "estava mentalizado em vir embora, saí por vontade própria e despedi-me de todas as pessoas".
No decorrer da sua carreira, Palheta Mendes prestou apoio em várias áreas desportivas; esteve ligado durante cinco anos ao Estrela de Portalegre e 20 anos ao Clube Aventura na área de emergência, uma área que lhe permitiu correr o País de Norte a Sul, incluindo uma expedição a Marrocos; e pertenceu à direcção da Cruz Vermelha com quem ainda colabora quando é necessário.
Para além da prevenção em touradas e largadas, neste momento apenas em Portalegre, o enfermeiro adianta que a área formativa, que ainda efectua, lhe permite conhecer vários pontos do nosso Portugal e também fazer novas amizades, "o que é sempre bom".
"Gosto de tratar o doente e estar em ligação directa com ele"
Apesar de reformado do Hospital a vida de António Mendes continua activa. Para além dos Bombeiros de Portalegre, encontra-se também a trabalhar na Unidade de Cuidados Continuados da Beirã. Aqui, e em conjunto com os colegas, "tento que os utentes se sintam bem e em condições de ir para casa", declara.
Expressando que "tudo é possível porque tenho uma boa família que me compreende e me ajuda muito", o enfermeiro garante que, apesar de reformado, era "incapaz" de deixar de trabalhar na sua área. "Tenho de estar ocupado, gosto de tratar o doente e estar em ligação directa com ele e este é o meu maior estímulo", confessa, acrescentando que "até ter saúde nunca irei parar de ajudar aqueles que puder".
Recordando que tinha 40 anos quando se licenciou, uma vez que "quando comecei a trabalhar não haviam os estudos de hoje", Palheta Mendes deixa um conselho aos jovens para que "aproveitem as oportunidades de formação profissional que têm" e também para "irem para os Bombeiros que aprendem a ser homens". E confessa ainda que "se hoje em dia sou o que sou, devo a um monte de gente", nomeadamente à família, ao Hospital de Portalegre, à Escola Nacional de Bombeiros, ao INEM, aos Bombeiros de Portalegre e a muitas outras instituições da cidade com quem tem convivido, e aos amigos. Por fim, deixou um "bem haja em memória da pessoa Dr. Amorim Afonso, uma das muitas pessoas com quem gostei de trabalhar".
Convívio de amigos
No dia 8 de Setembro, os amigos, do Hospital e não só, vão organizar um jantar comemorativo da jubilação de Palheta Mendes.
Apesar de assumir que "não ligo muito a festas", o enfermeiro não esconde a sua satisfação, assumindo que este será um dia de "convívio e recordações". Palheta Mendes confessa ainda que se sente "orgulhoso" com este jantar, dado que "é o limiar de uma actividade que sempre tive gosto de ter". Na sua opinião, "uma das coisas que faz com que um indivíduo seja realizado numa profissão é o gosto que tem por ela e eu sempre gostei muito de ser enfermeiro".
Catarina Lopes in "Fonte Nova" - 5/9/2009

quinta-feira, 19 de maio de 2016

TRADIÇÕES: Alpalhão com as fontes floridas

 “A D. Rosa já chegou da estação”
Como é costume desde há alguns anos a esta parte, a vila de Alpalhão “acorda” no dia 3 de Maio com as suas fontes engalanadas, vestidas de mil flores e cores, num hino à vida e à Primavera que capta e desperta a curiosidade, não só dos visitantes, como dos próprios residentes.
São flores do campo e dos pequenos jardins e quintais que as crianças das escolas e os moradores de cada rua próxima das fontes se empenham em colher, juntar e transformar em colares, que depositam, logo pela manhã, junto de cada fonte. Aos colares de flores campestres, este ano colhidas sob chuva intensa, juntam-lhe outras das roseiras do quintal ou do jardim público, pois, os fins, para esta “sinfonia das flores”, justificam, plenamente, os meios.
Mas de onde vem esta tradição? A explicação, ouvimo-la a algumas das mulheres que junto à Fonte Nova mostravam, orgulhosamente, o fruto do seu trabalho: a fonte toda enfeitada, com esmero e alegria, não fosse a “sesta”, no rigor do trabalho do campo, uma preciosa conquista. O ritual da sesta, ou “ir buscar a D. Rosa à estação” está devidamente explicado na redacção, que reproduzimos, de um aluno da Escola de Alpalhão, sobre o dia 3 de Maio:
“Era costume neste dia enfeitarem-se as fontes. E porquê? Era para festejar o primeiro dia de sesta. Os alpalhoenses trabalhavam do nascer ao pôr do sol e como os dias, nesta altura, já são maiores, havia necessidade de descansarem.
Então enfeitavam as carroças com rosas e flores campestres (malmequeres) e chegavam à vila, também enfeitavam os fontanários.
Como é Dia de Santa Cruz, faziam cruzes enfeitadas também com flores e colocavam-nas nos campos (para terem boas searas) e nas casas para terem sorte. Os alpalhoeiros para não dizerem que “iam dormir a sesta”, usavam a expressão: “Vamos buscar a D. Rosa à estação”.”
Costume bonito, uma belíssima reprodução etnográfica, num tempo em que o trabalho no campo, praticamente acabou e a estação ferroviária, seja a de Vale do Peso, sejam as outras do chamado Ramal de Cáceres, tal como o próprio caminho de ferro, já conheceram melhores dias e algumas vão resistindo à morte lenta anunciada, num estado de letargia e de quase abandono, que todos conhecemos.
A D. Rosa já chegou da estação e todos os anos, no dia de Santa Cruz (de Maio) as fontes de Alpalhão cobrem-se de flores e alegria enquanto um manto de saudade e nostalgia, invade, cada uma das ruas e casas, onde os moradores, sujeitos de um presente, que tem um passado, relembram histórias e vivências antigas.
As flores – não as de verde-pinho – são, afinal, lembranças de um tempo que viveram e do qual querem transmitir a memória aos presentes e vindouros.
Tempo de mocidade, alegria, de trabalho duro e mal pago, mas mesmo assim, recordado em quadras de fino recorte popular que as mulheres da Fonte Nova, foram decorando para o papel.
Bom dia D. Sebastiana, Maria José, Coleta, Francisca,Teodolinda, Maria Luísa, Maria José, Liberata, e também, Ana da Conceição! Gostei de vos encontrar, um ano depois, partilhar convosco a beleza e encanto, a magia, que puseram nessa tarefa tão simples e tão complexa que é transmitir, na poesia das flores, uma vida nova, à velha fonte que dá nome à rua da Fonte Nova.
 A Fonte Nova, as fontes de Alpalhão estão lindas! Mantenham-nas, sempre, assim e, enquanto viverem, não se esqueçam de “ir buscar a D. Rosa à estação!”.
Mário Mendes in "Jornal de Nisa" nº 231 - 9/5/2007

terça-feira, 17 de maio de 2016

Subsídios para a História de Nisa - O sustento dos presos

Circular 231 – Portalegre, 30 julho 1907
Condições e cláusulas da arrematação do sustento dos presos indigentes da cadeia civil da comarca de Niza
Primeira – Deverá ser fornecida diariamente a cada preso indigente um rancho que constará de 1.200 gramas do alimento indicado na condição segunda e será acompanhado de 350 gramas de pão de trigo bem fabricado;
Segunda – O alimento diário fornecido a cada preso deverá constar de feijões secos ou verdes, arroz, grãos ou outros quaisquer legumes ou hortaliças, tudo devidamente temperado e cozinhado constituindo assim um bom rancho, variado pelo menos três vezes na semana.
Terceira – Cada rancho se dividirá em duas partes eguais, sendo fornecido metade de manhã e a outra metade de tarde, assim distribuídos: do primeiro de Abril a trinta de Setembro às 9 horas da manhã e três da tarde e do primeiro de Outubro a trinta e um de Março às dez da manhã e quatro da tarde.
Quarta – Aos domingos terão os presos na refeição da tarde só 500 gramas do alimento supra alternado, mas terão além disso 150 gramas de carne e 70 gramas de toucinho, havendo na refeição da manhã comida egual à dos dias ordinários.
Quinta – Quando qualquer preso tenha que sahir para fora da comarca transferido ou a cumprir sentença ser-lhe-há abonado em dinheiro (pelo preço da arrematação) o rancho do dia ou a parte que lhe não é fornecida.
Sexta – O fornecedor apresentará aos presos o rancho em marmitas devidamente numeradas e por elle fornecidas bem como fornecerá garfo e colher, sendo a condução para a cadeia também por sua conta. As marmitas, findo o prazo de fornecimento serão avaliadas e será obrigado o novo arrematante a ficar com ellas pelo valor da avaliação.
Sétima – O fornecedor que não cumprir conscientemente o contracto e forneça ranchos ou pão de reconhecida má qualidade ou mal preparado será admoestado até duas vezes pela auctoridade competente e caso continue a fazer mau fornecimento, a auctoridade fiscalizadora mandará, de harmonia com estas condições, preparar outro rancho ficando todas as despesas a cargo do fornecedor.
Oitava – O fornecedor não pode substituir os ranchos pela equivalência em dinheiro, a não ser nas circunstâncias previstas na condição Quinta.
Nona – Os presos que de propósito ou caso pensado danificarem as marmitas do rancho ou talheres, pagarão o prejuízo causado em dedução na carne do rancho dos domingos até integral pagamento.
Décima – Este contrato é pelo tempo de um ano que há-de principiar em um d´Outubro de 1907 e findar em trinta de Setembro de 1908.
Décima primeira – A arrematação é feita por proposta em carta fechada dirigida ao Administrador do Concelho, em harmonia com o artigo cento e quarenta e seis do Decreto de vinte e um d´Outubro de mil novecentos e um, sem outra designação ou marca externa. As propostas que não estiverem n´estas condições serão retiradas do concurso e inutilizadas depois d´elle terminar.
Décima segunda – Havendo duas ou mais propostas eguais será aberta licitação à qual serão attendidas somente os proponentes que assim egualmente tenham offerecido fornecer pelo menor preço.
Décima terceira – O fornecedor a quem for adjudicado o sustento dos presos apresentará na ocasião de se lavrar o respectivo auto fiador e principal pagador que offereça garantias ao exacto cumprimento das condições d´este contracto, caso seja approvado superiormente.
Décima quarta – Todas as despesas a fazer com a presente arrematação ficarão a cargo do fornecedor.
Nisa, 17 Agosto de 1907
O delegado do Procurador-Régio: João Carlos Ribeiro da Luz
Visto: José Júlio de Oliveira (Adminsitrador do Concelho)
João Carlos da Silva Sena (Subdelegado de Saúde
NOTAS:
No período de 1908-1909 foi arrematante do fornecimento dos presos, Manoel Fernandes Pimenta, chefe da estação telegrapho postal da vila, situação demonstrativa da carência económica e o baixo vencimento que auferia um “chefe dos correios”.
No período seguinte (1909-1910) o arrematante foi Joaquim da Rosa Bello, casado, comerciante, morador n´esta villa.
Joaquim da Rosa Bello, a que já se fez referência noutros textos, era um comerciante estabelecido no Rossio (Praça da República) no local onde está hoje o restaurante “As 3 Marias”. A ele se deve a primeira (conhecida) colecção de postais ilustrados de Nisa, sob o patrocínio da Câmara.
O contrato de arrematação tem uma variante, certamente irregular ou ilegal, já que foi retirada no contrato seguinte (1910-1911), curiosamente, tendo como arrematante o mesmo Joaquim da Rosa Bello.
Dizia a condição Décima: O azeite preciso para a illuminação das enxovias será fornecido gradualmente pelo fornecedor ou arrematante já referido pelo preço que correr ou tiver no mez, cada litro, e a água para beber e limpeza das mesmas enxovias será também fornecida pelo mesmo arrematante por mil e quinhentos reis em cada mez.