quarta-feira, 1 de agosto de 2018

TRADIÇÕES: Alpalhão com as fontes floridas


“A D. Rosa já chegou da estação”
Como é costume desde há alguns anos a esta parte, a vila de Alpalhão “acorda” no dia 3 de Maio com as suas fontes engalanadas, vestidas de mil flores e cores, num hino à vida e à Primavera que capta e desperta a curiosidade, não só dos visitantes, como dos próprios residentes.
São flores do campo e dos pequenos jardins e quintais que as crianças das escolas e os moradores de cada rua próxima das fontes se empenham em colher, juntar e transformar em colares, que depositam, logo pela manhã, junto de cada fonte. Aos colares de flores campestres, este ano colhidas sob chuva intensa, juntam-lhe outras das roseiras do quintal ou do jardim público, pois, os fins, para esta “sinfonia das flores”, justificam, plenamente, os meios.
Mas de onde vem esta tradição? A explicação, ouvimo-la a algumas das mulheres que junto à Fonte Nova mostravam, orgulhosamente, o fruto do seu trabalho: a fonte toda enfeitada, com esmero e alegria, não fosse a “sesta”, no rigor do trabalho do campo, uma preciosa conquista. O ritual da sesta, ou “ir buscar a D. Rosa à estação” está devidamente explicado na redacção, que reproduzimos, de um aluno da Escola de Alpalhão, sobre o dia 3 de Maio:
“Era costume neste dia enfeitarem-se as fontes. E porquê? Era para festejar o primeiro dia de sesta. Os alpalhoenses trabalhavam do nascer ao pôr do sol e comos os dias, nesta altura, já são maiores, havia necessidade de descansarem.
Então enfeitavam as carroças com rosas e flores campestres (malmequeres) e chegavam à vila, também enfeitavam os fontanários.

Como é Dia de Santa Cruz, faziam cruzes enfeitadas também com flores e colocavam-nas nos campos (para terem boas searas) e nas casas para terem sorte. Os alpalhoeiros para não dizerem que “iam dormir a sesta”, usavam a expressão: “Vamos buscar a D. Rosa à estação”.”
Costume bonito, uma belíssima reprodução etnográfica, num tempo em que o trabalho no campo, praticamente acabou e a estação ferroviária, seja a de Vale do Peso, sejam as outras do chamado Ramal de Cáceres, tal como o próprio caminho de ferro, já conheceram melhores dias e algumas vão resistindo à morte lenta anunciada, num estado de letargia e de quase abandono, que todos conhecemos.
A D. Rosa já chegou da estação e todos os anos, no dia de Santa Cruz (de Maio) as fontes de Alpalhão cobrem-se de flores e alegria enquanto um manto de saudade e nostalgia, invade, cada uma das ruas e casas, onde os moradores, sujeitos de um presente, que tem um passado, relembram histórias e vivências antigas.
As flores – não as de verde-pinho – são, afinal, lembranças de um tempo que viveram e do qual querem transmitir a memória aos presentes e vindouros.
Tempo de mocidade, alegria, de trabalho duro e mal pago, mas mesmo assim, recordado em quadras de fino recorte popular que as mulheres da Fonte Nova, foram decorando para o papel.
Bom dia D. Sebastiana, Maria José, Coleta, Francisca,Teodolinda, Maria Luísa, Maria José, Liberata, e também, Ana da Conceição! Gostei de vos encontrar, um ano depois, partilhar convosco a beleza e encanto, a magia, que puseram nessa tarefa tão simples e tão complexa que é transmitir, na poesia das flores, uma vida nova, à velha fonte que dá nome à rua da Fonte Nova.
 A Fonte Nova, as fontes de Alpalhão estão lindas! Mantenham-nas, sempre, assim e, enquanto viverem, não se esqueçam de “ir buscar a D. Rosa à estação!”.
Mário Mendes in “Jornal de Nisa” nº 231 - Maio 2007