sábado, 7 de janeiro de 2017

MEMÓRIA HISTÓRICA: A crise de trabalho no concelho de Nisa em 1913

Menos de três anos após a implantação da República em Portugal, as precárias condições de vida da população portuguesa, mantinham-se e o novo regime político enfrentava uma grande convulsão social, motivada, principalmente, pela falta de trabalho.
No concelho de Nisa, a situação não era diferente da que vigorava no país. Em 1913, a crise geral, agravada com o mau ano agrícola, motivou uma exposição (na altura designada por Representação) ao Governo da República, feita através do Governo Civil. É esse documento que aqui apresentamos e deixamos à consideração dos nossos leitores/visitantes do blog.
Representação da C.A. do Município de Niza ao Governo da República (Agosto de 1913)
A Comissão Administrativa do Município de Niza, vem perante Vossa Excelência representar pedindo para que consiga do Governo da Republica a imediata abertura de trabalhos públicos que, de algum modo conjurar possam a angustiosa crise em que o operariado d´este concelho se debate.
O terrível anno que vai correndo, tem sido sob o ponto de vista agrícola, verdadeiramente calamitoso. Quando a poeira do tempo tiver embranquecido as cabeças dos rapazes d´hoje, hão de eles recordar este fatídico 1913, como um pesadelo que lhes vincou na alma uma inolvidável amargura.
As searas apresentavam-se magnificas e assim se conservavam até que, os últimos dias de Maio, um fungo puccinia rubigo-vera as devastou.

Havia ainda a cultura do linho. Uma ultima  esperança bruxeliava! Talvez, talvez que uma pequena compensação trouxesse... também falhou! Todos os sonhos de prosperidade ruíram; e os agricultores sem dinheiro, perdida também a energia reduzem ao mínimo o serviço que é costume efectuar. D´ahí a crise de trablaho agravada confrangedoramente pela carestia de vida.
E a semente do sindicalismo que o inverno passado foi lançada nos espíritos rudes dos trabalhadores rurares, la vae germinando, mercê d´esta circunstancia que lhe é imensamente favorável: a miséria.
A Comissão Administrativa da minha presidência comprehende muito bem a impossibilidade de o Estado remediar por completo esta situação. Mas pode atenual-a. E uma das formas de o conseguir, consistirá em abrir trabalhos públicos.
No prosseguimento da construção da estrada do Tejo a Amieira, encontraria muitos braços emprego para a sua actividade, alem de assim, se efectuar obra de incontestável utilidade publica.
Nas mãos de Vossa Excelência, depõe a Comissão Administrativa do Município de Niza, esta representação, na antecipada certeza de que não encontraria quem melhor do que Vossa Excelência faça triumphar a obra da Justiça que n´ela se reclama.
Niza, 21 de Agosto de 1913
O Presidente da Comissão
António Maria de Mattos Cardoso
Nota: Ano de perseguição ao movimento operário
"1913, ano do I Governo de Afonso Costa, alcunhado pelos trabalhadores de “racha-sindicalistas”, foi um ano de perseguições ao movimento operário, como nunca tinha acontecido desde a proclamação da República, em 1910. Em Fevereiro de 1913 estavam presos 110 trabalhadores rurais. Dezenas de sindicatos foram encerrados e mais de uma centena de sindicalistas foram encarcerados no Forte da Graça, em Elvas."
Helena Pato in "Notícias de Almeirim"
Desenho de Cipriano Dourado (1921-1981)