terça-feira, 8 de novembro de 2016

MEMÓRIA: Petição à Câmara de Nisa em 1885

Dos moradores do Monte Cimeiro e do Pé da Serra
Usando da faculdade que a lei conferia, os moradores das aldeias ou povoações mais pequenas, faziam regularmente petições às entidades públicas, reivindicando a resolução de problemas. O arranjo das vias de comunicação é reivindicado nesta petição apresentada à Camara de Nisa em 1885 e que transcrevemos respeitando a ortografia da época:
" Os abaixo assignados moradores no Monte Cimeiro e Pé da Serra, freguezia de S. Simão d´este concelho, usando de um direito que a lei lhes confere, veem hoje representar a V. Exªs sobre a necessidade inaddiavel de se attender de prompto á reparação, na parte indispensavel, de um dos caminhos publicos que ligam aquellas povoações ruraes com a séde do mesmo concelho. É incontestavel que muito, relativamente, se tem feito para que a viação municipal possa satisfazer ao que o commercio, a industria e em summa as forças vivas do municipio, no seu progresso successivo, vão exigindo; mas não é menos incontestavel que não ha presentemente no concelho povoação alguma que esteja em peiores condições de viação do que o monte, aliás importante, do Pé da Serra, porque infelizmente até hoje nenhum beneficio tem recebido n´esse sentido. Bastará dizer que, para uma carreta chegar a este monte, tem que ir alcançar o Azinhal, suppondo que Niza é o ponto de partida, percorrendo assim uma distancia dupla da que teria de percorrer se seguisse pelo caminho chamado do Carqueijal em direcção ao Porto das Carretas.
Acresce ainda que, para a propria viação a pé ou a cavallo, o caminho ordinariamente seguido, o da Ponte em direcção a Portella dos Caldeireiros, está hoje já quasi intransitavel. Para remediar estes males, que são grandes, pois affectam interesses legítimos, os abaixo assignados veem pedir á Exma Camara Municipal a immediata reparação do caminho do Carqueijal, na parte comprehendida entre a Cancella da tapada dos herdeiros de José da Cruz Cebola e o Porto das Carretas, distancia que é pequena, e em seguida a reparação do dito porto, de forma que o seu pavimento seja de calçada e colloquem n´elle as competentes passadeiras.
D´esta arte com uma pequena despeza, o beneficio para o monte do Pé da Serra é tão grande que só em occasiões de grandes cheias será interrompida a viação pelo dito porto, convindo notar que esse beneficio se estende ainda aos habitantes do monte da Salavessa, visto que elles fazem escala pelo Pé da Serra.
Attendendo á justiça que assiste aos abaixo assignados e a que a reparação pedida importa apenas uma pequena despeza, que não se torna sensível na verba aprovvada para tal fim no respectivo orçamento, esperam, e attendendo a que aproveita ainda ao povo da Vinagra, onde residem alguns signatários.
Pedem a V. Exas deferimento."
Á frente dos signatários vinha o nome de João António da Silva, pároco de S. Simão. Nos mais de 30 nomes que integram a petição, muitos dos apelidos são-nos familiares (Corga, Pires, Anastácio), por serem comuns em Nisa, o que torna credível a ideia de que a formação do monte do Pé da Serra, se processou após a destruição de Nisa-a-Velha, sendo os povos de Nisa e daquela localidade, apenas um e o mesmo povo.

in "Jornal de Nisa" - Nº 36 - 23 de Junho de 1999

terça-feira, 1 de novembro de 2016

NISA: Ecos da Nossa História (1)

O descanso semanal em 1930
Em 17 de Maio de 1930, em plena Dictadura Nacional, a Comissão Administrativa da Câmara Municipal de Nisa, presidida pelo tenente António Falcão e tendo como vogais António Joaquim Fraústo e João da Cruz Carita (Canhoto) aprovava o Regulamento do Descanso Semanal, com as seguintes disposições:
Artº 1º : O descanso semanal no concelho de Nisa será observado nos termos do Dec.de 8 de Março de 1911, nº 5516 de 4 de Março de 1919, 10782 de 20 de Maio de 1925, 13788 de 9 de Junho de 1927 e do presente Regulamento;
Artº 2º : Têm direito ao descanso semanal de 24 horas seguidas, salvo os casos previstos neste Regulamento, todos os assalariados a que se refere o artº 1º do Decreto de 8 de Março de 1911.
Artº 3º: Não são abrangidos pelo artigo antecedente, os trabalhadores rurais, os pastores e tratadores de gado.
Artº 4º: O dia de descanso semanal será:
a) Às segundas-feiras para os sapateiros e barbeiros;
b) Às quartas-feiras para os estabelecimentos onde se façam transacções de carácter comercial;
c) Aos domingos para os pedreiros e carpinteiros.
Artº 5º: Nos dias de descanso semanal os estabelecimentos a que se refere a alínea b) do artº anterior encerrarão as suas portas.
& Único: Quando o encerramento dos estabelecimentos coincidir com os dias de mercados ou feiras, o encerramento far-se-á no dia imediato.
Artº 6º: Aos patrões e empregados que transgridam as disposições do presente Regulamento serão aplicadas as seguintes multas:
1) Pela primeira vez ---- 100$00
2) Pela segunda vez ---- 150$00
3) Pela terceira vez ----- 200$00
& Único: O produto das multas será assim dividido: 50% para o participante e o restante a favor do estabelecimento de beneficência da localidade onde se cometer a transgressão.
Artº 7º: As dúvidas que possam suscitar-se quanto à aplicação do presente Regulamento serão resolvidas pela Câmara Municipal.
NOTA: Como se vê pelo Regulamento, as classes mais pobres e sobre quem pesava o trabalho mais duro e mais mal pago (trabalhadores rurais, pastores e tratadores de gado) não tinham direito ao descanso semanal. Trabalhavam de sol a sol em condições duríssimas e nem assim, tanto os governos republicanos como os da Dictadura saída do 28 de Maio de 1926, lhes garantiam o mínimo direito a um dia de descanso semanal.
A jornada de 8 horas de trabalho nos campos só foi conquistada em 1962, após uma luta determinada, levada a cabo nos campos do Alentejo e Ribatejo.
Roubo de um chibato em Fevereiro de 1908
(Carta do Administrador do Concelho ao Delegado do Procurador Régio (12/2/1908)
"Cumpre-me levar ao conhecimento de Vª Exª que se veio queixar António da Graça Cigano, casado, lavrador, morador no Canto de Santo António d´esta villa, de que na noite de 10 para 11 do corrente lhe abriram com chave falsa a porta de um seu palheiro que está dentro de quintal murado e com portão, sito à Azinhaga da Fonte da Pipa, subúrbios d´esta mesma villa, roubando-lhe de lá um chibato branco de 3 annos, cujo valor reputa em cinco mil réis.
Que o portão do dito quintal foi encontrado fechado por elle queixoso, achando-se porem aberta a porta do palheiro onde estava o chibato, d ´onde se presume que o roubo foi feito por mais de uma pessoa passando-se o chibato por cima do muro. Que hontem pela manhã José Carita Caldeira, casado, lavrador, morador na Rua da Deveza, passando pela ruinha do Rossio, encontrou ali quatro patas de um chibato e dissera para Maria da Graça Guerra, casada, que occasião passava também: “ Tanta gente que compra patas de chibato... quem seria que deitou estas fora?” Que a mulher as apanhou e as levou para sua casa. Constando isso ao queixoso, mandou pedir as patas à mulher e reconheceu logo que eram as do chibato roubado, as quaes apresentou n´esta Administração e acompanham este mesmo officio.
Enquanto vou proceder as necessárias investigações, d´isto dou conhecimento a Vª Exª para que seja feito o competente exame no local do roubo e restos do chibato que acompanhou este meu officio.
O Administrador
(a) Paralta
Reforço policial na Semana Santa (1905)
O documento é de 1905 e retrata o fervor religioso por ocasião da Semana Santa, em Nisa. Um fervor religioso que, muitas vezes, extravasava o âmbito das celebrações e descambava em situações delicadas e pouco abonatórias do carácter solene de tais manifestações.
Temendo a repetição de actos verificados em anos anteriores - um deles ficou tristemente assinalado pela morte, por esmagamento, de uma mulher - em 19 de Abril de 1905, o presidente da Comissão Administrativa da Câmara Municipal de Nisa, Subtil, expunha as suas preocupações ao Comandante da força do Regimento de Infantaria nº 22 (Portalegre) destacado para esta vila, ao mesmo tempo que lhe dava directrizes precisas sobre o desempenho da mesma.
Carta ao Commandante de Diligencia de Infantaria nº 22 d´esta villa
"Cumpre-me communicar a Vª Exª que a força militar do seu digno commando, que se encontra n´esta villa, foi por mim requisitada para policiar as procissões que aqui se realizam amanhã e no dia seguinte por 8 horas da noite, e que sahem da Egreja da Misericórdia, e não para fazer a guarda de honra às mesmas procissões.
Espero que Vª Exª se digne ordenar que a dita força seja postada na cauda das procissões afim de evitar atropellamentos durante o caminho, principalmente à entrada da Egreja, onde a multidão costuma entrar de tropel.
A mesma força militar vem tambem com o fim de policiar a Romaria de Nossa Senhora da Graça a 3 kilometros d´esta villa, no dia 24 do corrente, para onde deverá seguir às 8 horas da manhã.