Substituição da bandeira num quartel da Guiné-Bissau (1974)
Eu gostava de dedicar esta crónica, a título de homenagem
a todos os ex-combatentes do Ultramar, ao 25 de Abril, à Democracia e a à
Liberdade.
Faz agora anos que o paquete “Pátria” desencostou do Cais
da Rocha do Conde Óbidos, em Alcântara, com dois batalhões de soldados a bordo
e com destino a Angola.
Após onze dias de viagem, começámos a avistar Luanda,
onde na barra já nos esperava a fragata “João Belo”, para nos escoltar até ao
cais onde desfilámos, à frente de uma enorme multidão, numa grande recepção de
brancos e negros, a darem-nos as boas vindas.
Dali fomos direitos ao campo militar do Grafanil, onde
nos distribuíram uma arma, um capacete, uma ração de combate e uma tenda para
dormir.
Nesse momento confesso que senti os nervos a
apoderarem-se do meu corpo, como se fosse o medo que os ratos sentem, quando
saem apavorados dos buracos. Nos dias que se seguiram, o Batalhão de Caçadores
que nos acompanhou no barco, foi para o norte render o batalhão que terminara a
sua comissão militar. Tiveram uma “recepção” horrível e seis baixas numa
emboscada.
Entretanto, o meu Batalhão de Cavalaria começava a
treinar-se com as forças dos “Comandos”, saltando dos helicópteros e a fazer
fogo real.
Notemos que um batalhão tem mais ou menos 750 homens,
divididos pelo Comando e quatro companhias de 180 militares, uma delas, a CCS
(companhia de comando e serviços) e as restantes operacionais. Por sua vez,
cada companhia é subdividida em quatro pelotões de trinta homens e os pelotões
são também divididos em secções.
Enfim, um certo dia, chegou a altura de actuarmos no
terreno e o meu grupo de combate foi chamado a intervir numa zona que tinha
sido atacada. Fomos de helicóptero, depois de o nosso capitão nos dar a
“táctica de combate”, dizendo-nos, a finalizar: “Se forem atacados, pensem
nestas três coisas: para onde vou, por onde e como, que podem salvar-vos a
vida.”
A progressão e a infiltração na mata era lenta e sem
barulho, dificultando a penetração. Eram as catanas que iam abrindo os trilhos
para passarmos e quando se começou a avistar uma planície, recebemos ordem para
descansar junto à orla da mata, para não sermos vistos.
Ali começámos a abrir as caixas da ração de combate e a
preparar as “acendalhas” para aquecer as conservas quando se surgiu uma voz:
“lá vêm eles a descer o “morro”!.
O meu coração estremeceu, perdendo logo o apetite,
enquanto outros começaram a apontar as armas automáticas e a disparar.Nunca tinha visto tanto fogo e apenas para matar três
inimigos. Era a “fome” de matar...
Eu vi o inimigo crivado de balas e os “canhangulos”
(espingardas) ao seu lado, sem eu ter dado ao gatilho. O que me comoveu mais
foi o facto de deixarem lá os corpos, sem os enterrarem. É assim a guerra!...
De regresso à sanzala (aldeia) fomos recebidos e
aclamados como heróis, salvadores daquela gente, enquanto no meu coração apenas
existia a dor e a tristeza, pensando nas pobres vítimas que lá ficaram...
Termino este capítulo, deixando-vos com esta citação:
“Os grandes heróis não são aqueles que venceram, mas sim
aqueles que tombaram no cumprimento de uma missão” – Gregório Marañon,
1887-1960 -
António Conixa - in "Jornal de Nisa" - nº 254 –