sábado, 30 de abril de 2016

CANTINHO DO EMIGRANTE: “Eu vi o inimigo...”

 Substituição da bandeira num quartel da Guiné-Bissau (1974)
Eu gostava de dedicar esta crónica, a título de homenagem a todos os ex-combatentes do Ultramar, ao 25 de Abril, à Democracia e a à Liberdade.
Faz agora anos que o paquete “Pátria” desencostou do Cais da Rocha do Conde Óbidos, em Alcântara, com dois batalhões de soldados a bordo e com destino a Angola.
Após onze dias de viagem, começámos a avistar Luanda, onde na barra já nos esperava a fragata “João Belo”, para nos escoltar até ao cais onde desfilámos, à frente de uma enorme multidão, numa grande recepção de brancos e negros, a darem-nos as boas vindas.
Dali fomos direitos ao campo militar do Grafanil, onde nos distribuíram uma arma, um capacete, uma ração de combate e uma tenda para dormir.
Nesse momento confesso que senti os nervos a apoderarem-se do meu corpo, como se fosse o medo que os ratos sentem, quando saem apavorados dos buracos. Nos dias que se seguiram, o Batalhão de Caçadores que nos acompanhou no barco, foi para o norte render o batalhão que terminara a sua comissão militar. Tiveram uma “recepção” horrível e seis baixas numa emboscada.
Entretanto, o meu Batalhão de Cavalaria começava a treinar-se com as forças dos “Comandos”, saltando dos helicópteros e a fazer fogo real.
Notemos que um batalhão tem mais ou menos 750 homens, divididos pelo Comando e quatro companhias de 180 militares, uma delas, a CCS (companhia de comando e serviços) e as restantes operacionais. Por sua vez, cada companhia é subdividida em quatro pelotões de trinta homens e os pelotões são também divididos em secções.
Enfim, um certo dia, chegou a altura de actuarmos no terreno e o meu grupo de combate foi chamado a intervir numa zona que tinha sido atacada. Fomos de helicóptero, depois de o nosso capitão nos dar a “táctica de combate”, dizendo-nos, a finalizar: “Se forem atacados, pensem nestas três coisas: para onde vou, por onde e como, que podem salvar-vos a vida.”
A progressão e a infiltração na mata era lenta e sem barulho, dificultando a penetração. Eram as catanas que iam abrindo os trilhos para passarmos e quando se começou a avistar uma planície, recebemos ordem para descansar junto à orla da mata, para não sermos vistos.


Ali começámos a abrir as caixas da ração de combate e a preparar as “acendalhas” para aquecer as conservas quando se surgiu uma voz: “lá vêm eles a descer o “morro”!.
O meu coração estremeceu, perdendo logo o apetite, enquanto outros começaram a apontar as armas automáticas e a disparar.Nunca tinha visto tanto fogo e apenas para matar três inimigos. Era a “fome” de matar...
Eu vi o inimigo crivado de balas e os “canhangulos” (espingardas) ao seu lado, sem eu ter dado ao gatilho. O que me comoveu mais foi o facto de deixarem lá os corpos, sem os enterrarem. É assim a guerra!...
De regresso à sanzala (aldeia) fomos recebidos e aclamados como heróis, salvadores daquela gente, enquanto no meu coração apenas existia a dor e a tristeza, pensando nas pobres vítimas que lá ficaram...
Termino este capítulo, deixando-vos com esta citação:
“Os grandes heróis não são aqueles que venceram, mas sim aqueles que tombaram no cumprimento de uma missão”Gregório Marañon, 1887-1960 -
António Conixa - in "Jornal de Nisa" - nº 254 –