domingo, 10 de abril de 2016

HISTÓRIA: Uma farmácia na Porta da Vila

Quando a memória projecta a mudança
Há uma farmácia, na Porta da Vila, em Nisa, com uma história de mais de um século para contar. Por ela passaram vários farmacêuticos e nela se fixou durante uma vida, Aniceto Ferreira Pinto, uma das figuras incontornáveis de Nisa do século passado.
O largo, nessa altura, enchia-se de gente e pululavam os estabelecimentos comerciais. Na farmácia, espaço cultural e local de encontro da gente grada da terra, discutiam-se as notícias ouvidas na rádio ou lidas no jornal do dia anterior.
Os dias passavam pachorrentos e iguais e quaisquer ideias de mudança eram prontamente abafadas. Não se estranha, por isso, que tal como o torpor das horas e dos dias, o interior da farmácia se mantivesse inalterável durante anos e anos. Os fregueses sendo muitos, consumiam pouco, o indispensável, que o dinheiro não dava para comer quanto mais para o “luxo” dos medicamentos. Em caso de sintomas de doença, valiam-se das “mezinhas caseiras, algumas delas (os preparados) eram feitas no “laboratório” (nome pomposo para aquele tempo) da farmácia.
Nasciam assim as “papas de linhaça”, de óleo de fígado de bacalhau e tantas outras que, em caso de aflição iam resolvendo alguns problemas.
Hoje as exigências são muito mais sérias e o conceito de farmácia sofreu uma transformação radical, abrindo-se a novos serviços e públicos.
A exiguidade e antiguidade do espaço, as limitações impostas e a falta de uma alternativa para a expansão do estabelecimento levaram Maria Alexandra Otto Pinto, neta do Dr. Aniceto, a adquirir um edifício ao lado da antiga loja, no qual, após as obras de transformação, nasceu, esta semana, a nova Farmácia Ferreira Pinto, conforme a própria nos deu conta.
“Adquiri o edifício, que foi todo recuperado mantendo a traça original, tendo a farmácia sido instalada no rés-do-chão.
“ O que pretendemos, acima de tudo, é ter aqui no centro histórico, uma farmácia de proximidade e que proporcione aos seus utentes uma vasta gama de serviços de qualidade.”
No rés-do-chão fica a farmácia, o chamado espaço comercial de atendimento e ao lado o designado Gabinete do Utente.
“É um espaço mais reservado, próprio para termos uma conversa mais intimista com os utentes e funciona também como o local de medições do colesterol, tensão arterial e outros.”
Segue-se noutro compartimento, o Laboratório onde se faz a preparação dos manipulados, sendo o primeiro andar destinado a armazéns.
Sobre os motivos que levaram a estas transformações, a directora técnica da Farmácia Ferreira Pinto, adianta que “foi a necessidade de criar melhores condições não apenas para os que aqui trabalham, mas, acima de tudo, para os nossos utentes, que passam a dispor um espaço mais amplo e agradável".
Dispomos agora de quatro postos de atendimento, sendo a equipa formada por cinco profissionais, dos quais três farmacêuticos, um técnico de farmácia e um auxiliar.
No que respeita à concorrência que as farmácias vêm enfrentando com a venda de medicamentos nas grande superfícies comerciais, Maria Alexandra sente-se optimista, até porque, como “somos sócios da Apifarma, foi criado um Cartão das Farmácias que permite ao utente ir acumulando pontos que podem reverter a favor da compra de novos produtos, com uma poupança significativa".
"Para além disso, fazemos três rastreios diferentes (medição da glicemia, colesterol, ácido úrico), rastreios que pretendemos realizar em algumas instituições das freguesias, como aquele que foi feito, recentemente, no Pé da Serra.”
“Às vezes - garante – “é preciso haver concorrência para nos estimular a enfrentarmos novos desafios e a sermos mais criativos e dinâmicos.
A aposta das novas instalações vai ser essa, a de uma relação mais estreita e privilegiada com os utentes e na prestação de serviços de qualidade.”
Maria Alexandra Otto Pinto Marçal é uma jovem cheia de ideias e de vida.
Licenciada em Farmácia pela Universidade de Coimbra, veio para Nisa logo após completar o curso para retomar e dirigir o “negócio” da família.
A Farmácia Ferreira Pinto, desenvolvida com pulso e tenacidade pelo avô (Dr. Aniceto), esperava-a no velho edifício da Porta da Vila.
“Desde pequenina que dizia que ia seguir farmácia. Sempre gostei muito de arrumar os medicamentos, do “cheiro da farmácia” e curiosamente, era a única neta em que o meu avô não acreditava que pudesse seguir-lhe os passos.
Mas seguiu e há 10 anos que dirige o estabelecimento, nos primeiros tempos com a preciosa ajuda de Adelino Toucinho, um ajudante de farmácia com muita tarimba e companheiro inseparável do Dr. Aniceto.
Após dez anos no estabelecimento legado pelo avô, Maria Alexandra achou que chegara a hora de procurar instalações mais confortáveis.
Fez obras num edifício contíguo, investiu e a “nova” Farmácia Ferreira Pinto surgiu agora com sinais de modernidade, mas projectando na mudança, a memória do seu principal obreiro: Aniceto Ferreira Pinto, o avô.
Mário Mendes in "Jornal de Nisa" - nº 265 - 22/10/2008