sexta-feira, 9 de setembro de 2022

VIDAS: “ Construção do Lar da Terceira Idade foi a obra que mais orgulho me deu” Joaquim Maria da Costa – Provedor da Misericórdia de Montalvão

Tem 80 anos e mantém ainda uma energia que surpreende e contagia. Recorda a sua vida, realça o contacto com o país e a cidade de Portalegre, sua terra adoptiva, os amigos que fez, desde a escola e no calcorrear das suas andanças profissionais, na labuta diária pela modernização das redes de telecomunicações.
De permeio, foi sindicalista e político, como quem acredita que, não podendo transformar o mundo, pode melhorá-lo com a sua acção. Acabou por regressar às origens, a Montalvão, fez-se Provedor da Misericórdia um pouco a contragosto e quinze anos passados, olha para trás com um sorriso aberto e satisfeito pela obra realizada.
Caros leitores, apresento-vos Joaquim Maria da Costa, um montalvanense, na primeira pessoa.
Nasci em Montalvão no início de 1931. Andei na Escola Primária e fiz exame da 4ª classe na Escola do Rossio em Nisa. Depois fui estudar para Portalegre onde frequentei durante 5 anos o Curso Industrial de Mecânica e Desenho de Máquinas. Saia-se de lá com grandes conhecimentos técnicos e de projectos e muitos tiveram as bases para a vida de trabalho. Foi um erro muito grande acabar com as Escolas Industriais e Comerciais. Nós no 4º ano já tínhamos procura do mercado de trabalho. Fiquei a trabalhar em Portalegre numa oficina de mecânica até ir para a tropa para o Curso de Milicianos. Ainda na tropa concorri às Telecomunicações dos CTT e fui aceite. Frequentei um curso de seis meses e entrei para o sector das Telecomunicações. Mas surgiu um problema, pois fui mobilizado para ir para a Índia em 1952. No vai e vem entre Portalegre e Abrantes, o tempo foi decorrendo e acabaram por mobilizar outra Companhia.
Nos CTT fui colocado primeiro em Évora, onde estive 2 anos. Pedi a transferência para Portalegre e mandaram-me estagiar para Torres Vedras. Andei requisitado pelos Serviços Técnicos durante 12 anos e pouco vinha a Portalegre. Fiz trabalhos desde o Algarve ao Minho e na Madeira e praticamente só vinha passar umas curtas férias.
Estive 37 anos no sector das Telecomunicações dos CTT. Foi a minha equipa que automatizou o grupo de redes de Portalegre e lembro-me que a primeira estação a ser automatizada foi a de Castelo de Vide. Com algumas poucas excepções, fiz a automatização da maior parte das estações de telecomunicações do distrito.
O meu trabalho foi reconhecido e fui convidado pelo Director da Área de Telecomunicações de Évora, que abarcava todo o Alto Alentejo, para ser o SD Técnico (Chefe do Sector Automático). Estive 17 anos nesse cargo e do qual me reformei.”
Regresso às origens e o apelo da Misericórdia
O tempo da reforma, tantas vezes sonhada e aguardada. Para uns, o concretizar de alguns sonhos, o tempo para ter tempo, para a família, os amigos e o lazer.
Não para todos. Há apelos, fortes, da terra e das instituições, apelos que se aceitam ou recusam. Joaquim Costa aceitou o convite e de um momento para outro entrou na “reforma activa”.
“ Morei sempre em Portalegre, mesmo quando andava por fora e quando me reformei aos 61 anos, o meu irmão tinha falecido e com os meus pais estavam já com uma certa idade, entendi que devia olhar por eles e regressei a Montalvão.
A ideia inicial era tratar da horta, ir à pesca, fingir que caçava, ou seja, passar tranquilamente os anos de reforma. Mas o “tiro” saiu-me pela culatra.
Estava há pouco tempo em Montalvão quando o senhor Mourato, Provedor da Misericórdia veio ter comigo e pedir-me para eu o substituir. Disse-lhe que estava disponível para ajudar mas não para esse lugar, pois sabia que era um cargo muito trabalhoso. Fiquei como tesoureiro da Comissão da Senhora dos Remédios e durante cinco meses fui presidente da Assembleia-Geral.
Durante o mandato e por diversas vezes propus a compra de uma propriedade com casa, na Corredoura, já que tinha a garantia de entidades de comparticipação. Nessa altura já se fazia sentir a necessidade de novas instalações para o Centro de Dia, mas nunca aceitaram a proposta, o que me desiludiu um pouco.
Em Novembro de 1998 participei na reunião da Assembleia Geral, sem vontade de aceitar qualquer cargo, mas houve uma votação esmagadora que me fez pensar e acabei por aceitar ser Provedor.
Quando entrei para Provedor, a SC Misericórdia de Montalvão funcionava com 20 utentes e 4 funcionárias, sendo uma administrativa, 1 cozinheira e 2 auxiliares.
As condições não eram as melhores, pois o espaço era reduzido. Havia 50 pessoas em Montalvão e 20 na Salavessa em lista de espera, porque não havia condições para as admitir.
A primeira decisão que tomei foi conhecer a situação financeira e a regularização da contabilidade. Incomodava-me o facto de o Centro de Dia abrir às segundas e fechar às sextas-feiras. Durante o fim-de-semana os utentes ficavam entregues a si próprios. Era preciso inverter a situação e com a compreensão dos funcionários o Centro de Dia entrou em regime permanente, no dia 25 de Abril de 1999, o que obrigou a recrutar mais 5 trabalhadoras. Os utentes passaram a ter mais duas refeições quentes e a serem acompanhados mais duas vezes pelos funcionários.
A lista de espera não deixava de me preocupar, mas o pessoal dizia-me que não havia capacidade de resposta. Fui à Segurança Social falei com o Director fiz-lhe sentir a realidade de Montalvão e da sua parte houve sensibilidade para fazermos um protocolo que abrangeu 35 pessoas em centro de Dia e 60 em Apoio Domiciliário. Isso originou uma pequena “revolução”. Foi preciso adquirir novos equipamentos, utensílios de cozinha, remodelação de instalações, e aumentar o número de funcionários que passou de 9 para 17. Com esta “operação” ainda conseguimos manter mais 3 utentes fora do protocolo.
Fomos a primeira instituição a ter serviços médicos, porque o médico estava muito tempo sem ir a Montalvão e criámos um espaço para o Gabinete Médico, fazendo um protocolo com a ARS para que o mesmo fosse oficializado para os nossos utentes.”
Sonho e luta: a construção do Lar
Situada junto à fronteira, a freguesia de Montalvão sofreu como poucas o êxodo da população activa para o estrangeiro e para a Grande Lisboa. Os que ficaram, agarrados à ocupação do trabalho rural, envelheceram e necessitam de cuidados especiais. Os filhos e os familiares mais chegados estão longe, a solidão tomou conta das horas e dos dias.
O Centro de Dia preenchia um espaço, mas não chegava para todos. Joaquim Costa, também ele, idoso, pôs-se na “pele” dos seus conterrâneos e não parou de pensar e... agir.
“O primeiro passo estava dado, antes de mim. Havia um terreno adquirido pela Câmara presidida pelo Dr. José Manuel Basso e para o qual só faltava a escritura de doação. Foi assinada por mim e pelo presidente da Câmara e de imediato começámos a tratar do projecto do Lar. Quando as coisas pareciam encaminhadas para que o mesmo fosse apresentado como candidatura, verifiquei que, afinal, contemplava um Centro de Dia.
Deixámos passar o prazo para integrar o PIDDAC desse ano, mas no ano seguinte e com o projecto devidamente elaborado, “chateei” muitas pessoas que eu conhecia, bati a muitas portas e o certo é que entre 56 candidaturas, apenas duas foram aprovadas e uma delas era a do Lar de Montalvão.
Tinha a garantia da aprovação do projecto e em 29 de Agosto de 1999 a obra arrancou em força. Mesmo com alguns acidentes de percurso, que me escuso de referir, a obra nunca parou. Assim que tivemos oportunidade, antes da obra concluída, transferimos o Centro de Dia para as novas instalações. A construção do Lar e logradouros porque houve dificuldades, a partir de certa altura, na cedência de pedreiros da Câmara, optou-se por um empreiteiro (Armando Barrento), o que foi uma decisão acertada, tendo a obra sido concluída.”
Um sonho de muitos anos fora concretizado. Joaquim Costa podia, enfim, dormir descansado, mas o seu espírito activo “falou” mais alto.
“Inicialmente, estavam previstas 22 camas no piso de cima e pus-me a pensar porque não se aproveitava a parte de baixo. Falámos com a Câmara que aceitou a ideia e fez o projecto e conseguimos instalar mais 16 camas e dispensas. E ainda ponho a hipótese de arranjar mais camas, pois as necessidades são muitas.”
As condições modelares e de funcionamento do Lar da Santa Casa da Misericórdia de Montalvão tem recebido elogios de muitas entidades. Louros que Joaquim Costa diz serem fruto do trabalho de equipa.
“É certo que todos os dias vou ao lar e acompanho a par e passo o funcionamento da Instituição, mas temos que dar valor aos funcionários e à encarregada que é uma pessoa competente e zelosa. Por outro lado, temos uma boa situação e estabilidade financeira. Não damos o passo maior que a perna e com a responsabilidade de todos temos conseguido realizar todas as metas a que nos propusemos.”
No aspecto patrimonial tem um grande significado a obra levada a cabo, sob os auspícios do Provedor, a restauração e remodelação da Igreja da Misericórdia de Montalvão.
“A igreja serve como Casa Mortuária e eu sentia-me incomodado cada vez que ia a um funeral. Achava indecente o aspecto do edifício religioso. Metemos mãos à obra, falei com um restaurador que conhecia de Portalegre, o senhor Joaquim Martins, ele entendeu o que pretendíamos e fez uma trabalho de restauro de altares e arte sacra, a todos os títulos notável. Para além disso, o edifício foi todo reparado. Substituímos os bancos, colocámos um piso novo, rebocaram-se as paredes, recuperaram-se os sobrados, instalaram-se sanitários, enfim, a igreja ficou com a dignidade que merecia e hoje pode ser visitada por quem o desejar.”
Joaquim Costa fala da Misericórdia e do Lar como da “menina dos seus olhos”.
Na extensa vida de 80 anos, este homem, fumador inveterado e de longas barbas como imagem de marca, pisou os palcos do sindicalismo, sendo um dos fundadores do Sindicato das Telecomunicações (SINTEL), e da política. Foi vereador durante dois mandatos na Câmara de Portalegre, eleito na Assembleia Municipal em Portalegre e Nisa, membro das Comissões Concelhias do Partido Socialista em Portalegre e Nisa.
Na sua terra, Montalvão, recusou, sempre, ser candidato e hoje é notório, que a freguesia e o concelho só ficaram a ganhar com essa decisão.
“ Não se pode ser duas coisas ao mesmo tempo. Dediquei-me à Santa Casa da Misericórdia. Foram 15 anos de esforço e muita luta para conseguir que a obra nascesse e se consolidasse. Ser Provedor exige muita dedicação e trabalho. Sempre gostei de resolver os problemas e nunca tive nada que me metesse medo, embora a idade já seja um pouco avançada, nunca digo que é o último mandato, pois todos somos substituíveis. Eu gostava e desejo que apareça alguém que possa tomar conta deste empreendimento, com a mesma força e determinação que eu tenho tido.”
* Mário Mendes – Fonte Nova -14/6/2011

terça-feira, 9 de agosto de 2022

José Manuel Barreto: um desportista de eleição

Na sua carreira de vinte anos a jogar futebol, só por uma vez viu ser-lhe mostrada a “cartolina” vermelha, num jogo, em Portalegre, com o Desportivo, sendo expulso do campo. Este é o único episódio da sua vida desportiva que recorda com alguma sensação de incomodidade. De resto, o passado futebolístico de José Manuel Barreto, é um registo de memórias que se confundem com a própria história dos tempos áureos do Sport Nisa e Benfica. Deixemos que seja o próprio a contá-la.
Como tudo começou
Nasci em Nisa em 1958 e cresci como tantos outros miúdos. Naquele tempo não havia “escolinhas” como há hoje e as ruas eram os nossos campos de jogos. Lembro-me de jogar à bola no pátio do Nisa e Benfica (quintal), atrás do Celeiro, na Devesa, onde calhava. Disputávamos jogos bem renhidos com a malta da Fonte da Pipa e da Vila, alguns bem durinhos e que, por vezes, havia sempre umas pedradas.
E as “arrelias” não acabavam aqui, pois quando chegávamos a casa ainda ouvíamos ralhar os nossos pais: “ Ah! Malandro, que dás cabo dos sapatos!”
Quando tinha 15 anos, uma direcção do Nisa e Benfica apercebeu-se que havia muitos jovens com qualidade e resolveu inscrever uma equipa no “Distrital”.
Foi assim que comecei a jogar em provas oficiais e nos juvenis.
Ainda me lembro bem do primeiro jogo. Éramos uns “putos”, pouco desenvolvidos e no balneário olhávamos para os do Campomaiorense, nessa altura um clube já com nome e dissemos uns para os outros: “vamos levar três ou quatro, eles são só matulões!”.
Em campo, o que se passou foi o contrário e ganhámos por 7 – 0, com 4 golos do João Temudo e 3 que eu marquei. Como é que foi isso? O nosso jogo era um pouco “à inglesa”, pontapé para a frente, eu e o João corríamos muito e era praticamente uma questão de sprint e marcar.
Conseguimos o 2º lugar no campeonato, um êxito logo na estreia e fomos disputar a Taça Nacional de Juvenis. Depois, a equipa “desfez-se”, alguns colegas foram jogar para outros clubes da região, principalmente o Alter que apostava nos juniores.”
Um jovem entre os adultos
Eu não quis sair, fui ficando por aqui e com 17 anos estava a integrar a equipa de seniores que acabara de conquistar o título distrital e subira à 3ª divisão nacional (1975).
A primeira vez que joguei foi para a Taça de Portugal, em Portalegre, com o Sport Lisboa e Cartaxo. O prof. Moura saiu, faltavam aí uns 10 minutos para o jogo acabar, quando eu entrei e logo a seguir há um remate à baliza do Cartaxo, o guarda-redes defende, a bola foi ao poste e eu vinha em corrida, a acompanhar a jogada e marquei.
Ganhámos por 1-0 e foi uma loucura, pois tinha ido muita gente de Nisa.
Na eliminatória seguinte fomos jogar a Barcelos com o Gil Vicente, da 1ª Divisão. Eu também fui, como prémio por ter marcado o golo, mas não cheguei a equipar-me. Perdemos, como era natural, dada a diferença das equipas.
No ano seguinte, descemos ao distrital, mas houve alguns jogadores que regressaram como o Parreira, Vitorino, etc. e voltámos a subir à 3ª divisão e a passar à 2ª eliminatória da Taça, desta vez com uma deslocação ao Algarve. Fomos jogar com o Portimonense que tinha jogadores como o Damas, o Norton de Matos, Freitas, todos eles jogadores internacionais, para além de outros. Fomos eliminados e a nível de Taça de Portugal, que disputámos várias vezes, o Nisa e Benfica nunca teve sorte de jogar com um clube da 1ª divisão, já nem falo dos grandes, em “casa”.
Estivemos três épocas consecutivas na 3ª divisão, tínhamos uma equipa muito boa e constituída à base de jogadores de Nisa.”
Tudo isto embora não houvesse condições e infra-estruturas. Lembro que no primeiro ano da terceira divisão não havia luz no campo e para treinarmos à noite, quando todos tinham disponibilidade, era coma luz dos faróis dos carros dos dirigentes. Não havia água canalizada, tinha que ser fornecida em bidões, faltava um mínimo de condições, mas havia uma vontade de ferro, amor à camisola e não ganhávamos nada.
Também é verdade que não havia discotecas, bares, internetes, outros desportos e isso facilitava a que a malta se juntasse para jogar futebol.”
Mudanças no futebol distrital
As coisas mudaram com o reforço das equipas e o pagamento a jogadores, a nível distrital. Começou a ser mais difícil constituir equipas e subir de divisão.
Eu mantive-me em Nisa porque tive também a companhia do meu irmão (Toninho Barreto). Ele era defesa e eu avançado. Todo este percurso de dez anos (dos 16 aos 26) foi acompanhado por ele.
Depois de 10 anos consecutivos em Nisa, joguei uma época no Eléctrico (Ponte de Sor), mas era um pouco duro, já que trabalhava no Gavião e treinávamos quase todos os dias, pois o Eléctrico estava na 3ª divisão e tinha já alguns profissionais, o que elevava o grau de exigência. Em Ponte de Sor tive a sorte de defrontar um dos “grandes” do futebol português. Recebemos o Sporting para a Taça de Portugal, com o campo cheio e um espectáculo memorável. Perdemos por 1-2 e eu entrei na 2ª parte.
Depois do Eléctrico passei a representar os Gavionenses (trabalhava no Gavião) durante quatro épocas, uma na 3ª divisão e três no distrital. Tinha 31 anos, queria vir para Nisa e acabar aqui a carreira desportiva, mas os dirigentes do Castelo de Vide há muito que andavam atrás de mim e acabei por representar a AD de Castelo de Vide, uma época na 3ª divisão. Foi a altura, devo dizê-lo, em que ganhei algum dinheiro de jeito no futebol.
Aos 32 anos regressei ao Nisa e Benfica que representei durante mais três épocas, no distrital, acumulando numa das épocas a função de treinador juntamente com o António Veludo. Aos 36 anos, achei que estava na altura de dar o lugar a outros e pôr ponto final numa carreira desportiva de vinte anos, a nível competitivo.”
Recordações do jogo da bola
Em tantos anos a jogar futebol há muitos momentos de que guardamos recordações. A do jogo com o Cartaxo para a Taça, talvez por ser o da estreia, ou os jogos emocionantes que tivemos em Nisa com o Bombarralense (vitória por 4-3 tendo marcado dois golos), o Rio Maior, que era o guia isolado e perdeu em Nisa pela primeira vez (3-2) ou ainda um célebre jogo com o Benfica de Castelo Branco que precisava de vencer para subir à 2ª divisão. O Campo do Sobreiro teve uma enchente nunca vista e o jogo foi empolgante. Eles tinham uma grande equipa, com jogadores muito experientes como eram o Camolas, o Malta da Silva e outros emprestados pelo SL e Benfica. Mas nós também tínhamos uma equipa muito aguerrida e unida, e “estragámos-lhes” a festa, não deixando que levassem a vitória (1-1).
O futebol e a formação do indivíduo
O desporto, o futebol, deu-me muita coisa, principalmente muitas amizades. Na minha vida profissional, retenho muitos dos princípios básicos do futebol, o espírito de equipa, o trabalho de grupo.
Dos primeiros anos de jogador ficou uma amizade muito forte e que ainda hoje se mantém com os elementos da equipa de veteranos.
Em muitas terras e locais aonde vou, aparecem pessoas que me falam, cumprimentam e eu não sei quem são. Mas eles lembram-se de mim, talvez por me terem visto jogar.”
Marcas” que o desporto deixa
Uma carreira desportiva de 20 anos tinha que deixar algumas marcas. Tive como todos algumas lesões e as mais graves obrigaram mesmo a intervenções cirúrgicas. Fiz duas operações, devido a uma fractura do braço e a uma fractura no joelho.
As pessoas que me viram jogar, podem falar melhor do que eu, mas acho que fui sempre um jogador disciplinado e só uma vez é que fui expulso.
Num jogo com o Desportivo, levei uma cotovelada no maxilar, que me doeu bastante e reagi instantaneamente ao pontapear o jogador que me tinha agredido. Fui expulso, senti-me revoltado, por ter sido agredido e por ter respondido daquela maneira, mas acho que não é nenhum exemplo de que me possa orgulhar.”
Conselhos para as novas gerações
Que conselhos daria aos mais jovens? Aqueles que tenho dado ao meu filho, incutindo-lhe o prazer de jogar futebol, os valores do espírito de grupo, da camaradagem e de uma vida saudável, sem esquecer o dever da disciplina e o respeito pelos outros, sejam companheiros ou adversários. Para aqueles que sonham em ter uma carreira futebolística, aconselho-os a terem humildade, a trabalhar e que encarem o futebol como uma possível profissão, mas sem nunca desprezarem o aspecto do convívio e da amizade. O futebol é um desporto muito importante, mas não devemos fazer dele um objectivo de “vida e ou de morte”. Pratiquem desporto, joguem com prazer, futebol ou outras modalidades, hoje, felizmente, há muitas mais ofertas do que aquelas que eu tive enquanto jovem.”
O desporto em Nisa, ontem e hoje
Acho que mudou muita coisa e nem sempre para melhor. Nos anos 70, todas as casas comerciais, consoante as suas possibilidades, ajudavam o clube. Não havia condições nem infra-estruturas, como referi, mas havia uma grande vontade, malta muito unida, uma mística no Nisa e Benfica que fazia com que fossemos respeitados em todo o distrito. Jogava-se por amor à camisola, pelo prazer de jogar e hoje há a expectativa de tirar algum rendimento. O campeonato distrital é reflexo desse mesmo paradoxo: há clubes que têm dinheiro e clubes que fazem das tripas coração para conseguirem chegar ao fim. Há um grande desequilíbrio e assim o futebol não progride.
Sinto que o projecto do futebol juvenil terminou de forma abrupta, sem se acautelarem algumas situações, como a dos jovens que estavam nesses escalões e a quem foram cortadas alguma expectativas.
A nível de infra-estruturas, Nisa continua sem um campo com piso sintético, capaz de cativar os mais jovens. Terras mais pequenas e sem o historial desportivo de Nisa têm esse problema resolvido.”
Se pudesse voltar atrás...
Todos nós temos um tempo para viver. Eu vivi o meu, enquanto desportista. Não me arrependo em nada por aquilo que fiz pelo Nisa e Benfica e pelo contributo que dei ao futebol e ao desporto. Poderia ter havido outro reconhecimento, mas sinto-me feliz e orgulhoso por tudo o que dei ao futebol e a Nisa e também por aquilo que o futebol me deu.”
Pelo amor à camisola
José Manuel Tremoço Barreto, bancário, 50 anos, casado, dois filhos, vinte anos de jogador de futebol. O resto da sua história de vida, fiel aos princípios por que se bateu ao longo de uma carreira desportiva, que atingiu grande brilhantismo, pouco mais teria que contar. Nasceu em Nisa e para o clube da sua terra contribuiu, não apenas com os golos que marcou, muitos golos, com os pés ou a cabeça, mas como um exemplo, notável, de humildade, disciplina, dedicação ao futebol.
Predicados que fizeram dele e o dos clubes que representou (o Nisa e Benfica em primeiríssimo plano) referências no desporto regional e nacional, numa época em que ser desportista significava, em primeiro lugar, ter amor à camisola, prazer de jogar e competir, arrojo e desafio perante as adversidades.
José Manuel Barreto e tantos outros, são os lídimos representantes dessa escola de desportistas que projectou e fez respeitar o nome de Nisa.
Se mais não fosse, só por isso mereceria, incontestavelmente, o reconhecimento que, aqui e agora, lhe prestamos.
* Mário Mendes in "Jornal de Nisa" nº 255 - 14 Maio de 2008

sexta-feira, 21 de setembro de 2018

NISA - “Galinhas” e “Cigarrinhas” num salutar Encontro de Famílias - Maio 2017


Não, não se trata de uma fábula. Aconteceu mesmo, no passado sábado em Nisa, ou não fosse esta terra famosa, entre outras coisas, pelas suas originais alcunhas.
As famílias Galinha (descendentes de António de Oliveira Bizarro e Maria do Rosário da Cruz Carrasco) e Cigarrinha (descendentes de Joaquim da Graça Maurício – o popular Ti Coimbra – e Maria da Graça Dinis André) realizaram aquele que fica assinalado como o 1º Encontro-Convívio entre “Galinhas” e “Cigarrinhas”, alcunhas, bem populares, como todos os membros das duas famílias são conhecidos em Nisa e em todo lado. Trata-se de duas das mais numerosas famílias nisenses e não admira que o Encontro-Convívio tenha juntado cerca de oitenta pessoas, mesmo contando com algumas ausências.




Após a missa solene, na Igreja do Espírito Santo, em evocação dos entes queridos, o cortejo familiar rumou até à antiga escola do Convento, onde teve lugar a jornada gastronómica, sendo prestado um minuto de silêncio em memória dos familiares falecidos. Depois, foi a festa. Imaginem só: galinhas e cigarrinhas, “à solta” numa sala ampla, tinha que meter música, descantes e um convívio até às tantas, que deixou já a promessa de um próximo encontro.
Mário Mendes - "Alto Alentejo" - 31/5/2017




quarta-feira, 1 de agosto de 2018

TRADIÇÕES: Alpalhão com as fontes floridas


“A D. Rosa já chegou da estação”
Como é costume desde há alguns anos a esta parte, a vila de Alpalhão “acorda” no dia 3 de Maio com as suas fontes engalanadas, vestidas de mil flores e cores, num hino à vida e à Primavera que capta e desperta a curiosidade, não só dos visitantes, como dos próprios residentes.
São flores do campo e dos pequenos jardins e quintais que as crianças das escolas e os moradores de cada rua próxima das fontes se empenham em colher, juntar e transformar em colares, que depositam, logo pela manhã, junto de cada fonte. Aos colares de flores campestres, este ano colhidas sob chuva intensa, juntam-lhe outras das roseiras do quintal ou do jardim público, pois, os fins, para esta “sinfonia das flores”, justificam, plenamente, os meios.
Mas de onde vem esta tradição? A explicação, ouvimo-la a algumas das mulheres que junto à Fonte Nova mostravam, orgulhosamente, o fruto do seu trabalho: a fonte toda enfeitada, com esmero e alegria, não fosse a “sesta”, no rigor do trabalho do campo, uma preciosa conquista. O ritual da sesta, ou “ir buscar a D. Rosa à estação” está devidamente explicado na redacção, que reproduzimos, de um aluno da Escola de Alpalhão, sobre o dia 3 de Maio:
“Era costume neste dia enfeitarem-se as fontes. E porquê? Era para festejar o primeiro dia de sesta. Os alpalhoenses trabalhavam do nascer ao pôr do sol e comos os dias, nesta altura, já são maiores, havia necessidade de descansarem.
Então enfeitavam as carroças com rosas e flores campestres (malmequeres) e chegavam à vila, também enfeitavam os fontanários.

Como é Dia de Santa Cruz, faziam cruzes enfeitadas também com flores e colocavam-nas nos campos (para terem boas searas) e nas casas para terem sorte. Os alpalhoeiros para não dizerem que “iam dormir a sesta”, usavam a expressão: “Vamos buscar a D. Rosa à estação”.”
Costume bonito, uma belíssima reprodução etnográfica, num tempo em que o trabalho no campo, praticamente acabou e a estação ferroviária, seja a de Vale do Peso, sejam as outras do chamado Ramal de Cáceres, tal como o próprio caminho de ferro, já conheceram melhores dias e algumas vão resistindo à morte lenta anunciada, num estado de letargia e de quase abandono, que todos conhecemos.
A D. Rosa já chegou da estação e todos os anos, no dia de Santa Cruz (de Maio) as fontes de Alpalhão cobrem-se de flores e alegria enquanto um manto de saudade e nostalgia, invade, cada uma das ruas e casas, onde os moradores, sujeitos de um presente, que tem um passado, relembram histórias e vivências antigas.
As flores – não as de verde-pinho – são, afinal, lembranças de um tempo que viveram e do qual querem transmitir a memória aos presentes e vindouros.
Tempo de mocidade, alegria, de trabalho duro e mal pago, mas mesmo assim, recordado em quadras de fino recorte popular que as mulheres da Fonte Nova, foram decorando para o papel.
Bom dia D. Sebastiana, Maria José, Coleta, Francisca,Teodolinda, Maria Luísa, Maria José, Liberata, e também, Ana da Conceição! Gostei de vos encontrar, um ano depois, partilhar convosco a beleza e encanto, a magia, que puseram nessa tarefa tão simples e tão complexa que é transmitir, na poesia das flores, uma vida nova, à velha fonte que dá nome à rua da Fonte Nova.
 A Fonte Nova, as fontes de Alpalhão estão lindas! Mantenham-nas, sempre, assim e, enquanto viverem, não se esqueçam de “ir buscar a D. Rosa à estação!”.
Mário Mendes in “Jornal de Nisa” nº 231 - Maio 2007

sexta-feira, 27 de julho de 2018

NISA: No 75º Aniversário do Sport Nisa e Benfica

UM CLUBE EM FESTA
O Sport Nisa e Benfica está a comemorar 75 anos de existência. O programa das comemorações teve início no dia 26 de Setembro com a realização de um passeio a cavalo e prosseguiu neste fim-de-semana (1 e 2 de Outubro) com um conjunto de iniciativas destinadas a evocar a vida da mais popular colectividade desportiva do concelho de Nisa. As rivalidades com o Sporting
A história do Sport Nisa e Benfica remonta ao longínquo ano de 1935, quando um grupo de jovens, no auge das rivalidades locais com a filial nisense do Sporting, tomou a iniciativa de “romper” com as estruturas existentes e de criar uma nova colectividade.
A fundação do clube, com o nome inicial de Sport Lisboa e Nisa, data de 1 de Outubro de 1935, dando corpo ao sonho dos nisenses Isaac Araújo Baptista, José da Piedade Pires, Esteves da Anunciada Cebola e António Maria Carolo.
Em 13 de Janeiro de 1936, é eleita a primeira direcção, dela fazendo parte: o médico António Granja, José da Piedade Pires, Vicente Fernandes Nogueira, Eduardo Dinis Filipe, Esteves da Anunciada Cebola, José da Graça Sena, José Carita Serralha, João da Cruz Charrinho, Virgílio Pinheiro, João da Cruz Charrinho e António Semedo da Piedade.
A primeira sede instalou-se numa casa alugada na Rua da Fonte; anos mais tarde e também por arrendamento, transferiu-se para instalações muito mais amplas, na Estrada de Alpalhão (rua 25 de Abril), onde tinham lugar, em datas certas, grandes bailes populares, iniciativas destinadas a obter de receitas para o clube e principal razão de angariação de sócios.
Em 1946 e por força da determinação do Sport Lisboa e Benfica, o clube passou a designar-se com o nome que tem hoje, Sport Nisa e Benfica, tornando-se na 39ª filial do clube lisboeta.
Os jogos da bola e os bailes no “Galocha”
No início eram os jogos de futebol com o rival Sporting, sem qualquer espírito de competição oficial. Os bailes populares, já referidos, constituíam as mais importantes manifestações colectivas num tempo em que na vila (e no país) as colectividades espelhavam a divisão inter-classista existente e por isso os bailes no Benfica eram conhecidos como os bailes do “Galocha”, para vincar o seu carácter profundamente popular e rural (dos trabalhadores do campo) em compita com outras agremiações como a Sociedade Artística (dos "artistas" e que incluía todos os artesãos, a excepção dos trabalhadores rurais) ou o Clube Nisense, “poiso” de uma burguesia local e regional, que não admitia “misturas”.
Com este quadro, fácil é perceber que o Nisa e Benfica fosse a associação com maior número de sócios e também de actividades, e profundamente enraizada entre a população.
O atletismo praticou-se durante alguns anos, bem como o ciclismo, uma modalidade muito popular durante os anos cinquenta e sessenta do século passado.
É no início da década de 60 que o Sport Nisa e Benfica participa pela primeira vez em provas oficiais de futebol. Aos “distritais” de seniores, seguiram-se os juniores, os principiantes, e todas as demais categorias do futebol jovem, não só a nível distrital, mas também nacional, em seniores (3.ª Divisão) e juniores (campeonato nacional) numa caminhada que não mais parou e que todos os anos se renova, tanto a nível de novos atletas, como nas provas e objectivos com que se participa. Entre estes e num concelho que sofre os problemas da interioridade e da desertificação, assume relevo a ocupação salutar das crianças e dos jovens, a educação no espírito e respeito pelo “fair play”, valores alternativos aos mundos subterrâneos da droga e do vício e que, geralmente, constituem becos sem saída.
A par do futebol, o Sport Nisa Benfica manteve em actividade, secções de Cicloturismo, andebol e futsal, funcionando como secções autónomas e sem encargos para o clube. No futsal, conquistou o primeiro campeonato distrital organizado pela AFP tendo sido, aliás, um dos precursores desta modalidade, hoje tão popular no distrito. Outro tanto se passa com a equipa de futebol de veteranos (Velhas Guardas) que percorrem país, com total autonomia e auto financiando-se.
Além destas actividades e num espírito recreativo, o Sport Nisa e Benfica organiza regularmente torneios de pesca desportiva ou de futebol de salão e outros visando quer a obtenção de fundos, quer, acima de tudo, a dinamização desportiva e o convívio entre associados. Valorização do património
O Sport Nisa e Benfica dispõe de sede própria na Rua 25 de Abril, e de Campo de Jogos, com o nome de D. Maria Gabriela Vieira, a benemérita nisenses que doou ao clube, sem qualquer contrapartida, uma extensa propriedade, na qual está implantado o campo de futebol (105x65 m) balneários e anexos de ampla dimensão.
A reconstrução do imóvel na Rua 25 de Abril propriedade do clube e onde este se instalou há mais de 50 anos é hoje uma realidade, passando a dispor de melhores condições para os sócios e para a população que utiliza o salão para a realização de diversas festas de convívio ou familiares. A valorização do património é objectivo que não tem sido esquecido pelos diversos elencos directivos que têm gerido o clube.
Em 5 de Outubro de 1998 foi inaugurada pelo então Secretário de Estado do Desporto, Miranda Calha, a primeira fase da bancada (lateral).
No Verão de 2000 foi dado início à construção da bancada central no Campo de Jogos, incluindo a mesma uma cabine para a comunicação social. Estes melhoramentos que transformaram de modo significativo o conjunto de estruturas e equipamentos do Nisa e Benfica que, entretanto, passou a ser a 9ª filial do SLB, foram conseguidos por força de uma enorme dedicação e determinação.
Falta, porém, num clube com um brilhante historial de 75 anos de existência e que tantos atletas deu ao futebol distrital e nacional, aquela que seria a prenda maior: a implantação de um campo relvado ou sintético, a exemplo do que existe em todos os concelhos dos distrito.
Nisa, por ser um dos pioneiros e mais destacados, a nível do futebol, bem merece esta infra-estrutura.
Um rico historial
1975/76 – Campeão Distrital de Futebol (seniores)
1976/77 – Participação no Campeonato Nacional da 3ª Divisão
1977/78 – Campeão Distrital de Futebol (seniores)
1978/79 – Participação no Campeonato Nacional da 3ª Divisão
1979/80 – Campeão Distrital de Futebol (seniores)
1980/81 – Participação no Campeonato Nacional da 3ª Divisão
1981/82 – Campeão Distrital de Futebol (seniores)
1982/85 – Participação no Campeonato Nacional da 3ª Divisão
1986/87 - Campeão Distrital de Futebol (seniores)
1987/88 – Participação no Campeonato Nacional da 3ª Divisão
1998/99 - Campeão Distrital de Futebol (seniores) – 2ª Divisão
1998/99 – Vencedor da Taça AFP (seniores)
1999/00 - Campeão Distrital de Futsal (seniores)
2000/01 – Participação no Campeonato Nacional de Futsal (3ª Divisão)
2002/03 – Campeão Distrital Infantis
2003/04 – Vencedor da Taça AFP (Infantis)
2003/04/05/06 – Vencedor da Taça AFP Iniciados
2004/2005 – Vencedor da Taça AFP Juvenis
2008 – Ricardo Mateus em representação do Sport Nisa e Benfica é campeão nacional de corta-mato (juniores).
Comemoração dos 75 Anos do Sport Nisa e Benfica - PROGRAMA
Sexta-Feira, dia 1 – Cine Teatro de Nisa
18h – Missa em Memória de todos os sócios falecidos
22h – Espectáculo com a banda da Soceidade Musical Nisense
23h – Actuação de fadistas do concelho de Nisa
Sábado – Dia 2 Out. – Cine Teatro de Nisa
* 10 h Inauguração da Exposição dos 75 anos do Sport Nisa e Benfica
* 11h – Sessão solene com entrega de lembranças
* 13 h – Almoço convívio (garagens da CM Nisa) com a presença de 2 glórias do Sport Lisboa e Benfica
* 18,30h – Porco no espeto na sede do SNB para todos os sócios.
Actuação do grupo de música popular “Domingos & Dias Santos”
Mário Mendes in "Fonte Nova" - 2 Out. 2010