terça-feira, 25 de outubro de 2016

VIDAS: João Caixado - Ex-salsicheiro

"Não havia enchidos com a qualidade dos nossos"
João da Cruz Cebola Caixado, tem 77 anos, um terço dos quais dedicados à salsicharia tradicional. Foi alfaiate e merceeiro, mas os fracos proventos auferidos nestas actividades, levaram-no a enveredar pelo comércio de carnes frescas e de enchidos.
"Cessei a minha actividade há oito anos. Estive à frente de uma salsicharia durante vinte e cinco anos. Era um negócio "caseiro", familiar, como quase todos os deste ramo na vila de Nisa. Comprava os porcos, levava-os ao matadouro, ajudava a matá-los e depois era eu que os desmanchava, em casa. A minha mulher, ajudada por outra, a "enchideira", encarregavam-se de migar a carne e proceder ao enchimento das tripas. Os enchidos eram, depois, colocados, em varas, no fumeiro, para o processo de "cura", com lenha de azinho. Era assim que, em minha casa e em mais de uma dúzia de salsicharias de Nisa, se trabalhava."
João Caixado, recorda esses tempos de azáfama, com um brilho nos olhos e fala dos enchidos de Nisa com indisfarçado orgulho:
" Naquele tempo quase todas as pessoas tinham o seu bacorinho para engordar. A furda, no quintal, ou a pocilga, no chão (tapada) serviam para aproveitar as viandas, e a engorda do porco representava uma grande ajuda para os magros proventos das famílias."
Os salsicheiros adquiriam a maior parte desses suínos, avaliados e pagos "à arroba", que conduziam ao matadouro municipal onde eram abatidos.
"No meu comércio, havia duas "matanças" por semana, às quartas e sextas-feiras, dois ou três porcos, às vezes menos, conforme a época, a oferta e a procura".
Os enchidos tradicionais de Nisa, como o chouriço, a cacholeira, a linguiça, a moura, a morcela e a farinheira, tinham grande procura, consoante o tipo de consumidores e de "bolsas". A lavoura tinha, ainda, um grande peso na actividade económica de Nisa e os trabalhadores rurais aviavam as suas "fatadas" onde não faltava o bocadinho de conduto: os enchidos. 
Foi assim até à década de 70. Depois, ao progressivo abandono dos campos e à imposição de novas regras e restrições no abate e comércio de gado suíno e ovino, juntou-se a avançada idade de grande parte dos salsicheiros de Nisa, que se viram remetidos para uma situação "entre a espada e a parede".
Prosseguir a actividade significava vultuosos investimentos em instalações e equipamentos, projectos, processos burocráticos para os quais faltava paciência, informação e ajuda.
O sector atravessava uma grande indefinição. À entrada na CEE, seguiu-se o encerramento dos matadouros municipais, uma das medidas que, aos olhos de Cavaco Silva, nos transformava em "bons alunos" da realidade europeia. Tal decisão significou, a nível local e regional, um profundo golpe numa economia de subsistência: o matadouro municipal foi, directa e indirectamente, a base de sustento de muitas famílias.
João Caixado, seguiu o caminho de outros salsicheiros nisenses: fechou as portas e acabou com o negócio. Uma decisão que não foi fácil e que ainda hoje recorda com algum pesar.
"Começou a haver concorrência, vinda de fora. O abate de gado fazia-se nos matadouros industriais, com grandes armazéns frigoríficos e estes vendiam aos comerciantes as partes dos porco que lhes pediam. Por um lado, era mais fácil e vantajoso adquirir só o que nos interessava, pois os ossos e os toucinhos, às vezes, eram para mandar fora. Fui mantendo, enquanto pude, a actividade. O pior foi a imposição de construir ou remodelar as instalações e com a idade que tinha pensei que o melhor era encerrar o comércio."
Hoje, olha para trás com alguma nostalgia. Tem saudades do matadouro, dos clientes, do movimento da casa, da procura dos bons enchidos de Nisa e revela-nos as razões de serem tão apreciados.
"A qualidade começava, em primeiro lugar, nos animais. A carne dos porcos de montado, alimentados a lande e a bolota, tinham, logo, outro sabor. Depois, era a escolha e preparação das carnes, de acordo com o tipo de enchidos. Os chouriços e as linguiças, eram de uma qualidade, as cacholeiras e as mouras, de outra, e por aí fora. Aspecto importante eram os temperos. O pimento de horta, o saber migar e "adubar", uma arte, centenária, das mulheres-enchideiras de Nisa, o tempo da carne em repouso, para tomar os temperos, enfim, parecem coisas sem importância, mas são aquelas que davam valor, qualidade e fama, aos enchidos de Nisa. Havia lá havia enchidos como os nossos...". 
Mário Mendes - in "Jornal de Nisa" - 2003

sábado, 1 de outubro de 2016

NISA: Poetas Populares

Vou à Senhora da Graça
Antiga vila de Nisa
É recordação de quem passa
Estás no coração
Nossa Senhora da Graça

Nossa Senhora da Graça
Que estás à nossa beira
Estás no coração de todos
Nossa bela padroeira

Nossa bela padroeira
Que está no cabecinho
Nem que lá esteja calor
Sempre lá corre o ventinho

Sempre lá corre o ventinho
E nós com muita alegria
No dia 4 de Abril
Vamos todos à Romaria

Vamos todos à Romaria
É dia de procissão
Haja festa e foguetes
E lá vamos com devoção

Senhora tu és velhinha
Como tu não há igual
Estás no coração de todos
Neste velho Portugal
Maria da Graça Cortiçada

MEMÓRIA: Dr. Francisco Miguéns, nisense ilustre

O doutor Francisco da Graça Miguéns, médico notável e bondoso, nasceu em Nisa, a 2 de Abril de 1854, filho de Brás Miguéns Beato e de Maria da Cruz. Exerceu durante 34 anos com grande amor, sentido profissional e exemplar dedicação à sua terra e às populações do concelho, o cargo de médico municipal.
Frequentou o Liceu de Santarém onde se revelou como um aluno brilhante. Formou-se em Medicina e Filosofia na Universidade de Coimbra, tendo conquistado diversos prémios e distinções. Após a obtenção do seu diploma universitário, foi convidado pelo Corpo Docente da Universidade para prosseguir como professor de Medicina naquele prestigiado estabelecimento de ensino, convite que declinou, tendo preferido voltar à sua terra, sendo nomeado médico municipal a 11 de Agosto de 1880, tomando posse do cargo nesse mesmo dia.
Desde Agosto de 1880 e durante 34 anos, o doutor Francisco da Graça Miguéns, trabalhou com desvelo, bondade e abnegação, mostrando sempre a mesma disponibilidade para tratar dos seus conterrâneos e acudindo a todas as situações para que fosse solicitado, tanto de dia como de noite.
Tendo em conta os serviços relevantes prestados ao concelho, a Câmara Municipal decidiu, em 24 de Julho de 1919, atribuir o nome do ilustre médico e benemérito à antiga Rua Direita e colocar o seu retrato no salão nobre dos Paços do Concelho, de onde foi retirado por expressa solicitação do próprio clínico.
Vítima de doença, faleceu a 10 de Outubro de 1933.
Nisa- Rua Dr. Francisco Miguéns (antiga Rua Direita)
Foi homenageado a 29 de Maio de 1945 com a inauguração de um busto, belo e simples, no Jardim Municipal de Nisa, que fica a recordar às gerações de nisenses, a figura humilde e bondosa do Dr. Francisco Miguéns.
Dr. Francisco da Graça Miguéns
Viveu a sua vida sossegada,
Entregue ao bem e ao culto da ciência,
E quando a morte veio - a consciência
Tinha a pureza e a luz duma alvorada.

Sua alma foi, na terra, a enamorada
De tudo o que há de belo na existência,
Do Ideal atinge a região imaculada.

E sempre em torno dele, suavemente,
Um murmúrio de prece esvoaçou:
- Era o coro de bênçãos, puro e ardente,

De tantas criancinhas que afagou,
De tanto pobrezinho e tanto doente
Que o seu coração de oiro consolou.
Dias Loução (12/10/1933)