Primeiro número saiu a
público há 67 anos
Há sessenta e sete anos, no Verão de 1945, a Europa vivia ainda,
receosa e expectante, esperando com fervor o fim da 2ª Guerra Mundial. Tempos
difíceis, de medo e de incertezas que não obstaram, no entanto, a que em Nisa
surgisse o primeiro número de um jornal, designado como "semanário de
informação e cultura", sob a direcção de Abel Monteiro.
O lançamento de um
jornal, numa vila e sede de concelho, sem tradições jornalísticas, constituiu
uma autêntica pedrada no charco e motivo de natural curiosidade e, por que não
dizê-lo, uma aventura arriscada, para mais tendo a iniciativa partido de quem
não era natural da terra.
No dia 22 de Julho de
1945, domingo, apresentava-se pela primeira vez a público o "Correio de
Nisa", um jornal "correcto e leal, ao serviço do povo, porque só para
ele foi creado".
O primeiro número, com
quatro páginas, ostentava na capa o título, entre um desenho de Duarte d´Armas
– que serviu durante anos como logótipo do jornal – e um pequeno anúncio
publicitário, uma inovação para a época.
No editorial, Abel
Monteiro definia o rumo do semanário como "um jornal de província que
nasce paupérrimo", mas disposto a calcorrear a " vereda agreste da
existência, sempre no nosso lugar, sem atropelos nem má creação, com que nunca
se harmonizará a disciplina e o bom senso".
O primeiro número do
"Correio de Nisa" tinha como editor João da Cruz Rosa, comerciante,
foi impresso na Tipografia Castelovidense, funcionando a redacção e a
administração numa casa do largo António José de Almeida, paredes-meias com a
Igreja Matriz, de onde sairia, anos mais tarde, para residência do seu director
na rua dos Combatentes da Grande Guerra.
Custava cinco tostões,
este novo jornal, que como a restante imprensa do país era "Visado pelo
censor", neste caso, o do distrito.
A primeira página,
bastante cheia, mostrava no canto inferior direito, uma fotografia do jardim
público "retiro virente e acolhedor que a população procura, em noites
cálidas de estio, para repouso da sua magnífica epopeia do trabalho" como
dizia a legenda.
Astrigildo Chaves,
pintor e poeta nisense, nascido no século XIX era, na pena de António Mota,
colaborador do CN, um "artista de transcendentes concepções". Uma
transcendência que se manteve apagada e desconhecida dos seus conterrâneos até
aos nossos dias.
Dias Loução escrevia
sobre D. Dinis, o fundador de Nisa, "misto de lavrador e de poeta…
dedilhava suavemente a lira, eterno enamorado da beleza".
O professor José
Francisco Figueiredo, na esteira de outras colaborações que mantinha com a
imprensa regional (Brados do Alentejo") e nacional (O Século, Diário de
Notícias, entre outros) assinava um texto Ça Marche, em que reafirmava os
valores da gente de Nisa, e das obras realizadas, lembrando a necessidade de
progresso e a resolução de problemas locais.
Esta seria, de resto, a
sua marca de intervenção ao longo de várias edições do jornal, até à morte do
prestigiado professor, em 1951.
Nas páginas seguintes,
surgiam as pequenas notícias, pessoais, umas, e onde se realçava o "modus
vivendi" das elites da terra, de interesse mais geral, outras, pedindo
providências urgentes para determinadas situações ou assinalando os
melhoramentos que iam surgindo.
A poesia, com um soneto
de Cesário Verde, fazia a sua aparição logo neste primeiro número e iria ser
uma constante durante a existência do semanário e que o marcou de forma
positiva.
Por ali passaram, a par
de poetas de valor nacional, alguns inéditos do nisense José Gomes Correia, A.
Bagulho e poetas populares do concelho, descrevendo "histórias de
vida" em versos de singular sabor, muitos deles ainda hoje recordados.
A cultura, a memória
histórica, os pequenos anúncios, alguns de saboroso recorte e que nos remetem
para a imagem da Nisa comercial e industrial não só da décadas de 40 - a da
fundação do jornal - como das seguintes até 1973 quando saiu a público o último
número do "Correio de Nisa".
Registe-se que, há mais
de 60 anos, ao lado do título do jornal, aparece um espaço publicitário,
fazendo jus ao pragmatismo do director Abel Monteiro que, sem transigências,
soube separar o essencial do acessório, e utilizando esse espaço fulcral, numa "tribuna",
minúscula é certo, mas bem visível, em defesa dos mais elevados interesses do
concelho e da região.
Quando em 1970, Abel
Monteiro em edições sucessivas do jornal utiliza o espaço ao lado do título
para pedir a "Restauração da Universidade de Évora" revela a sua alma
regionalista, o seu profundo amor bairrista numa atitude tanto mais de
salientar, quando ele, setubalense por nascimento, assume como poucos a defesa
e o restabelecimento de uma instituição de prestígio e que, por força da
determinação de muitos alentejanos, viria a ser, no plano da cultura e da
educação, anos mais tarde, a alma mater de Évora e do Alentejo.
Abel Monteiro,
professor e cidadão íntegro
Abel Monteiro foi, incontestavelmente, um dos
homens bons de Nisa. Como professor, metódico e de grande cultura, preparou
algumas gerações de estudantes para o exame de admissão aos liceus, leccionando
diversas disciplinas na área de Humanidades (português, filosofia, latim,
geografia, desenho, etc.).
Foi um dos precursores
do ensino preparatório público, em Nisa, objectivo pelo qual se bateu e que viu
concretizado com a criação da Escola Preparatória Prof. Mendes dos Remédios, no
início dos anos 70 e da qual foi professor.
A sua determinação e
carácter recto, fizeram dele, enquanto jornalista e director do "Correio
de Nisa", um dos mais acutilantes defensores da urbe nisense e do
concelho, não receando enfrentar os poderes instituídos, sempre que a razão, a
justiça e o supremo interesse da população fossem mais fortes.
O seu semanário de informação
e cultura, formava, instruía, mas reclamava também, para o concelho e para os
seus habitantes, soluções para muitos dos problemas com que se debatiam e
aspirações a que muito justamente se julgavam com direito.
O "Correio de
Nisa", com uma linguagem esmerada - ou não fosse o seu director, professor
de português e latim - se, por um lado, retratava o país conservador e contido
nos canônes estabelecidos pela doutrina do Estado Novo, por outro lado e
convicto da força da razão, não deixava de ser uma tribuna em defesa do
progresso e das aspirações do concelho de Nisa, muitas vezes, incomodando os
"senhores da Câmara" e de outras instituições, cuja reacção - é justo
referi-lo - a maior parte das vezes, consistia na resolução dos problemas ou situações
com que eram visados.
Há 67 anos nascia o
primeiro jornal digno desse nome, que Nisa teve. Recordamos, aqui, a efeméride,
com um propósito bem delineado: lembrar a vida e obra do seu fundador, Dr. Abel
Monteiro, como jornalista, como professor e como regionalista.
Uma vida dedicada ao
ensino e trabalho pedagógico em prol de Nisa, de várias gerações de estudantes,
méritos que deviam ser devidamente considerados e reconhecidos pela autarquia
nisense.
Abel Monteiro, não
sendo de Nisa, foi um nisorro, no melhor sentido que a expressão encerra.
Honras lhe sejam
feitas, por quem tem a obrigação ética e moral de as promover. Por nós,
ficaremos à espera e se a tanto formos obrigados, voltaremos ao tema.
Mário Mendes in
"Alto Alentejo" - 25/7/2012