sexta-feira, 8 de abril de 2016

Na morte de Cruz Malpique ( 6/9/1992)

O dr. Manuel da Cruz Malpique faleceu na cidade do Porto, a 6 de Setembro de 1992, próximo de completar 90 anos de idade.
O seu funeral, ao contrário do que ele próprio previra, transformou-se numa gigantesca manifestação de pesar, por força da presença de centenas e centenas dos seus ex-alunos, instituições e população que não quiseram deixar de lhe prestar uma derradeira e bem expressiva despedida.
Num dos dias subsequentes à sua morte, assim de lhe referia no semanário "O Arrais" (Peso da Régua) - um dos muitos jornais regionalistas a que Cruz Malpique deu a sua colaboração -), Camilo de Araújo Correia:
" Conheci, pessoalmente, o Dr. Cruz Malpique, há cerca de trinta anos, num almoço de encontro com meu pai, na Pousada do Marão. Pelo que posso recordar, esse encontro relacionou-se com a publicação do ensaio "Perfil Literário de João Araújo Correia", acabado de sair ou prestes a sair do prelo. Não me recordo bem. O que bem me recordo é da figura do Dr. Cruz Malpique, um homem magro a dar conta de tudo. Sem ser avassalador, teve sempre nos dedos o fio da conversa. Fiquei a compará-lo ao instrumento dominante de uma pequena orquestra de câmara.
Nessa conversa, que eu praticamente só escutei, não conheci o Dr. Cruz Malpique. Pressenti-o... Vim a conhecê-lo, depois, através dos livros e opúsculos, que teve a gentileza de me oferecer, e da infalível e brilhantíssima colaboração no "Arrais". A sua página, a "Página Cruz Malpique", como é conhecida entre os tipógrafos, educava e divertia a grande maioria dos leitores do nosso jornal. Um ou outro, de letras mais grossas, me dizia, a cada passo:
- Aquele Cruz Malpique... às vezes... não o entendo lá muito bem... mas gosto sempre de o ler!
Gosta-se sempre de ler Cruz Malpique. O jeito pedagógico, que fez dele o inesquecível professor do Liceu Alexandre Herculano, tudo nos serve, com raro encantamento, da sua inesgotável cultura.
Cruz Malpique homenageado pelos seus antigos alunos do colégio Salvador Correia de Sá (Angola)
De grande capacidade intelectual e de trabalho, pôde o Dr. Cruz Malpique no campo de investigação reflectir sobre os mais diversos assuntos de pedagogia, psicologia, sociologia e literatura. Na investigação literária, teve particular simpatia pelos Perfis (literários, psicológicos e humanísticos). A sua vasta galeria vai de Leonardo da Vinci a Gregório Maranon.
Ao longo da sua longa vida de estudioso e publicista, deu o Dr. Cruz Malpique à estampa cerca de duzentos títulos, a sobressair, luminosamente, na sua biblioteca cultural. Ao legar tão valioso manancial de cultura ao Liceu de Alexandre Herculano, conseguirá o Dr. Cruz Malpique acender tão gratificantes recordações nos antigos alunos que visitem a Biblioteca e dar valioso apoio a quem a frequentar.
Por serem últimas, não vai a direcção de "O Arrais" querer que sejam mais amargas as Chávenas de Café Quase Amargo, ainda inéditas. A pensar nos recentes e novos assinantes, irá certamente repetir aquelas que lhe parecerem mais oportunas e, no mesmo sentido, os trechos mais escolhidos, publicados sobre o título genérico Quando a Barlavento? Quando a Sotavento?
Não será tão pesado o nosso luto, se ficar por mais algum tempo, entre nós, o ilustre e querido companheiro de toda a vida do Arrais. "
- Camilo de Araújo Correia - in "O Arrais - 17/9/1992