O dr. Manuel da Cruz Malpique faleceu na
cidade do Porto, a 6 de Setembro de 1992, próximo de completar 90 anos de
idade.
O
seu funeral, ao contrário do que ele próprio previra, transformou-se numa
gigantesca manifestação de pesar, por força da presença de centenas e centenas
dos seus ex-alunos, instituições e população que não quiseram deixar de lhe
prestar uma derradeira e bem expressiva despedida.
Num
dos dias subsequentes à sua morte, assim de lhe referia no semanário "O
Arrais" (Peso da Régua) - um dos muitos jornais regionalistas a que Cruz
Malpique deu a sua colaboração -), Camilo de Araújo Correia:
"
Conheci, pessoalmente, o Dr. Cruz Malpique, há cerca de trinta anos, num almoço
de encontro com meu pai, na Pousada do Marão. Pelo que posso recordar, esse
encontro relacionou-se com a publicação do ensaio "Perfil Literário de
João Araújo Correia", acabado de sair ou prestes a sair do prelo. Não me
recordo bem. O que bem me recordo é da figura do Dr. Cruz Malpique, um homem
magro a dar conta de tudo. Sem ser avassalador, teve sempre nos dedos o fio da
conversa. Fiquei a compará-lo ao instrumento dominante de uma pequena orquestra
de câmara.
Nessa
conversa, que eu praticamente só escutei, não conheci o Dr. Cruz Malpique.
Pressenti-o... Vim a conhecê-lo, depois, através dos livros e opúsculos, que
teve a gentileza de me oferecer, e da infalível e brilhantíssima colaboração no
"Arrais". A sua página, a "Página Cruz Malpique", como é
conhecida entre os tipógrafos, educava e divertia a grande maioria dos leitores
do nosso jornal. Um ou outro, de letras mais grossas, me dizia, a cada passo:
-
Aquele Cruz Malpique... às vezes... não o entendo lá muito bem... mas gosto
sempre de o ler!
Gosta-se
sempre de ler Cruz Malpique. O jeito pedagógico, que fez dele o inesquecível
professor do Liceu Alexandre Herculano, tudo nos serve, com raro encantamento,
da sua inesgotável cultura.
Cruz
Malpique homenageado pelos seus antigos alunos do colégio Salvador Correia de
Sá (Angola)
De
grande capacidade intelectual e de trabalho, pôde o Dr. Cruz Malpique no campo
de investigação reflectir sobre os mais diversos assuntos de pedagogia,
psicologia, sociologia e literatura. Na investigação literária, teve particular
simpatia pelos Perfis (literários, psicológicos e humanísticos). A sua vasta
galeria vai de Leonardo da Vinci a Gregório Maranon.
Ao
longo da sua longa vida de estudioso e publicista, deu o Dr. Cruz Malpique à
estampa cerca de duzentos títulos, a sobressair, luminosamente, na sua
biblioteca cultural. Ao legar tão valioso manancial de cultura ao Liceu de
Alexandre Herculano, conseguirá o Dr. Cruz Malpique acender tão gratificantes
recordações nos antigos alunos que visitem a Biblioteca e dar valioso apoio a
quem a frequentar.
Por
serem últimas, não vai a direcção de "O Arrais" querer que sejam mais
amargas as Chávenas de Café Quase Amargo, ainda inéditas. A pensar nos recentes
e novos assinantes, irá certamente repetir aquelas que lhe parecerem mais
oportunas e, no mesmo sentido, os trechos mais escolhidos, publicados sobre o
título genérico Quando a Barlavento? Quando a Sotavento?
Não
será tão pesado o nosso luto, se ficar por mais algum tempo, entre nós, o
ilustre e querido companheiro de toda a vida do Arrais. "
-
Camilo de Araújo Correia - in "O Arrais - 17/9/1992