quinta-feira, 17 de março de 2016

VIDAS: "Ti Chocolate" - Uma vida de Emigrante

António Dinis Curado, o "ti Chocolate", tem 80 anos e emigrou para França em 1964, na companhia de três dezenas de nisenses, sendo Azay le Rideau, a vila de acolhimento. Começou a trabalhar na empresa CIBEM, uma fábrica de embalagens de cartão e madeira, onde se manteve até passar à situação de reforma.
António Curado conta que foi o primeiro nisense, na companhia do ti Zé Batata, a trabalhar naquela unidade fabril, não podendo esconder o orgulho de lá ter empregado vários conterrâneos nossos, pois aqueles que iam chegando, ele "empurrava-os" para lá, dando boas informações ao director.
Esta fábrica, juntamente com a Michelin, foi como que uma "segunda mãe" para o povo de Nisa e arredores que vieram para França, porque deu o pão a ganhar, a mais de cinquenta famílias da nossa terra.
Foi "a salto", como a maior parte naquele tempo, que o "ti Chocolate" demandou terras gaulesas. Um numeroso grupo partiu de Nisa e demorou oito dias a chegar ao destino, tendo estado durante três dias, escondidos num curral de cabras, nos Pirinéus espanhóis, com o medo dos carabineiros.
Já sem solas nos sapatos, conta, o "passador" foi-lhe comprar umas alpergatas de pano, a uma aldeia próxima.
Chegou a França à estação ferroviária de Tours, apenas com um envelope e um endereço, sem saber uma única palavra, em francês, e foi a Polícia, ali permanente à espera dos emigrantes, que o foram levar ao destino, neste caso, a casa do meu tio "Louro Conicha", em Sorigny, e que já estava em França desde 1955.
António Curado diz que se fosse agora, não o fazia, mas "não estou arrependido, porque consegui cá, o que não conseguiria em Portugal".
Assim fala a generalidade dos emigrantes, porque conseguiram arranjar dinheiro para uma casinha, o seu principal sonho, quando partiram para terras de França.
O "ti Chocolate" não esquece os tempos de miséria, em que a vida teimava em não lhe sorrir, como pedreiro de profissão e lembra a "Greve do Pão" em Nisa (1943), em que cada família só tinha direito a um quarto de pão para fazer face a tantas bocas.
Em França, também assistiu ao Maio de 68, às greves de estudantes e de outros sectores de actividade, que paralisaram o país durante um mês, assim como outros importantes acontecimentos.
Agora desfruta o "repouso do guerreiro", o tempo de reforma, repartido entre o convívio da família, o trabalho na horta e a confraternização com alguns nisenses que encontra em Azay.
Não deixa de recordar os primeiros anos em França e a saga da emigração portuguesa, em que, diz, "havia mais amizades e convívio entre os emigrantes".
Não dispensa uma ida a Portugal, todos os anos, para "matar saudades, ver a família, os amigos e a "malta" da sua idade", para além de ir até à praia na Caparica, onde tem um apartamento.
Apesar da saudade, António Curado não pensa regressar, em definitivo, a Portugal, pois "sofro do mal de todos os nisenses, já cá tenho raízes e a mulher está muito doente e não pode viajar. Por isso, fico por cá."
A finalizar, António Curado, faz votos de saúde para todos os nisenses e que o Governo "possa alterar, para melhor, o sistema de saúde em Portugal".
Este é, dizemo-lo nós, o principal óbice ao regresso, definitivo, de muitos conterrâneos nossos, no estrangeiro.
In "Jornal de Nisa" - 2008