António Dinis Curado, o "ti Chocolate", tem 80
anos e emigrou para França em 1964, na companhia de três dezenas de nisenses,
sendo Azay le Rideau, a vila de acolhimento. Começou a trabalhar na empresa
CIBEM, uma fábrica de embalagens de cartão e madeira, onde se manteve até
passar à situação de reforma.
António Curado conta que foi o primeiro nisense, na
companhia do ti Zé Batata, a trabalhar naquela unidade fabril, não podendo
esconder o orgulho de lá ter empregado vários conterrâneos nossos, pois aqueles
que iam chegando, ele "empurrava-os" para lá, dando boas informações
ao director.
Esta fábrica, juntamente com a Michelin, foi como que uma
"segunda mãe" para o povo de Nisa e arredores que vieram para França,
porque deu o pão a ganhar, a mais de cinquenta famílias da nossa terra.
Foi "a salto", como a maior parte naquele tempo,
que o "ti Chocolate" demandou terras gaulesas. Um numeroso grupo
partiu de Nisa e demorou oito dias a chegar ao destino, tendo estado durante
três dias, escondidos num curral de cabras, nos Pirinéus espanhóis, com o medo
dos carabineiros.
Já sem solas nos sapatos, conta, o "passador"
foi-lhe comprar umas alpergatas de pano, a uma aldeia próxima.
Chegou a França à estação ferroviária de Tours, apenas com
um envelope e um endereço, sem saber uma única palavra, em francês, e foi a
Polícia, ali permanente à espera dos emigrantes, que o foram levar ao destino,
neste caso, a casa do meu tio "Louro Conicha", em Sorigny, e que já
estava em França desde 1955.
António Curado diz que se fosse agora, não o fazia, mas
"não estou arrependido, porque consegui cá, o que não conseguiria em
Portugal".
Assim fala a generalidade dos emigrantes, porque conseguiram
arranjar dinheiro para uma casinha, o seu principal sonho, quando partiram para
terras de França.
O "ti Chocolate" não esquece os tempos de miséria,
em que a vida teimava em não lhe sorrir, como pedreiro de profissão e lembra a
"Greve do Pão" em Nisa (1943), em que cada família só tinha direito a
um quarto de pão para fazer face a tantas bocas.
Em França, também assistiu ao Maio de 68, às greves de
estudantes e de outros sectores de actividade, que paralisaram o país durante
um mês, assim como outros importantes acontecimentos.
Agora desfruta o "repouso do guerreiro", o tempo
de reforma, repartido entre o convívio da família, o trabalho na horta e a
confraternização com alguns nisenses que encontra em Azay.
Não deixa de recordar os primeiros anos em França e a saga
da emigração portuguesa, em que, diz, "havia mais amizades e convívio
entre os emigrantes".
Não dispensa uma ida a Portugal, todos os anos, para
"matar saudades, ver a família, os amigos e a "malta" da sua
idade", para além de ir até à praia na Caparica, onde tem um apartamento.
Apesar da saudade, António Curado não pensa regressar, em
definitivo, a Portugal, pois "sofro do mal de todos os nisenses, já cá
tenho raízes e a mulher está muito doente e não pode viajar. Por isso, fico por
cá."
A finalizar, António Curado, faz votos de saúde para todos
os nisenses e que o Governo "possa alterar, para melhor, o sistema de
saúde em Portugal".
Este é, dizemo-lo nós, o principal óbice ao regresso,
definitivo, de muitos conterrâneos nossos, no estrangeiro.
In "Jornal de Nisa" - 2008