sexta-feira, 25 de março de 2016

CONTOS DO CHÃO DA VELHA: A História da Navalha

A jusante da foz do Rio Nisa, na margem esquerda do Tejo, uma linha de oliveiras mais frondosas servem de paragens aos pastores daquela área. Isto no decorrer de muitos anos.
Ali se faziam as permutas entre pescadores e pastores. Os pastores ofereciam leite aos pescadores. Estes pescavam peixe para os pastores e ambos se consolavam variando o prato do dia a dia.
Sob essas oliveiras durante o acaro*, numa tarde de Verão, dois jovens pastores trocavam impressões e merendavam.
Um deles, ao tirar o pão, o queijo, o canivete – a navalha, melhor dizendo – do sarrão, disse para o companheiro que estava farto daquela navalha. Há tantos anos, já tão velha, um podão autêntico.
Pega nela e atira-a para o fundo da ribanceira.
Conversaram, comeram, e à tarde, quando o gado regressava ao Chão da Velha, o outro troca as voltas, procura a navalha e próximo da povoação encontram-se. Sem que o primeiro desse por ela, o outro coloca-lhe a navalha no sarrão.

Em casa, à ceia, quando aquele que se queria desfazer da navalha tira o resto pão para comer e depara com a respectiva navalha, fica espantado, como que aturdido, não acreditando ser a mesma navalha da qual ele se queria desfazer.
No dia seguinte, encontra-se com o companheiro, conta-lhe o sucedido, o outro faz-se descrente, e chama a atenção se não se lembra de ele a ter arremessado lá pró fundo da barreira. E ele diz que sim e que isso seria impossível, que haveria bruxedo, etc.
Bem, nesse segundo dia, o mesmo protagonista atira a navalha muito para além e cai já no leito do rio, em seco, evidentemente, no meio de cascalhos rolados.
O segundo repete a mesma façanha e o outro mais espantado fica, à noite, quando volta a encontrar a maldita navalha da qual não se conseguia desfazer.
Mais espantado ainda lhe conta. O outro faz-se descrente, incrédulo e, pela terceira vez, atira-a para a água. Nesse local, em frente das oliveiras, havia um cachão, portanto com ligeiro declive, água pouco profunda e ambos vêem que a navalha cai dentro de água.
O mesmo parodiante, volta a trocar as voltas ao primeiro, regressa ao Tejo, pesquisa, encontra a navalha e volta a colocá-la no sarrão do primeiro.
Então, no último dia, o outro dá-se por vencido e desiste de se desfazer da navalha, porque já tentou tudo sem que conseguisse os seus objectivos.
E é esta a história da navalha, entre os dois pastores do Chão da Velha.
* Acaro – Sítio para resguardar o gado do sol.
F. Henriques e J. Caninhas – “Contos populares do Cortelhões e Pilingacheiros”