A
jusante da foz do Rio Nisa, na margem esquerda do Tejo, uma linha de oliveiras
mais frondosas servem de paragens aos pastores daquela área. Isto no decorrer
de muitos anos.
Ali
se faziam as permutas entre pescadores e pastores. Os pastores ofereciam leite
aos pescadores. Estes pescavam peixe para os pastores e ambos se consolavam
variando o prato do dia a dia.
Sob
essas oliveiras durante o acaro*, numa tarde de Verão, dois jovens pastores
trocavam impressões e merendavam.
Um
deles, ao tirar o pão, o queijo, o canivete – a navalha, melhor dizendo – do
sarrão, disse para o companheiro que estava farto daquela navalha. Há tantos
anos, já tão velha, um podão autêntico.
Pega
nela e atira-a para o fundo da ribanceira.
Conversaram,
comeram, e à tarde, quando o gado regressava ao Chão da Velha, o outro troca as
voltas, procura a navalha e próximo da povoação encontram-se. Sem que o
primeiro desse por ela, o outro coloca-lhe a navalha no sarrão.
Em
casa, à ceia, quando aquele que se queria desfazer da navalha tira o resto pão
para comer e depara com a respectiva navalha, fica espantado, como que
aturdido, não acreditando ser a mesma navalha da qual ele se queria desfazer.
No
dia seguinte, encontra-se com o companheiro, conta-lhe o sucedido, o outro
faz-se descrente, e chama a atenção se não se lembra de ele a ter arremessado
lá pró fundo da barreira. E ele diz que sim e que isso seria impossível, que
haveria bruxedo, etc.
Bem,
nesse segundo dia, o mesmo protagonista atira a navalha muito para além e cai
já no leito do rio, em seco, evidentemente, no meio de cascalhos rolados.
O
segundo repete a mesma façanha e o outro mais espantado fica, à noite, quando
volta a encontrar a maldita navalha da qual não se conseguia desfazer.
Mais
espantado ainda lhe conta. O outro faz-se descrente, incrédulo e, pela terceira
vez, atira-a para a água. Nesse local, em frente das oliveiras, havia um
cachão, portanto com ligeiro declive, água pouco profunda e ambos vêem que a
navalha cai dentro de água.
O
mesmo parodiante, volta a trocar as voltas ao primeiro, regressa ao Tejo,
pesquisa, encontra a navalha e volta a colocá-la no sarrão do primeiro.
Então,
no último dia, o outro dá-se por vencido e desiste de se desfazer da navalha,
porque já tentou tudo sem que conseguisse os seus objectivos.
E é
esta a história da navalha, entre os dois pastores do Chão da Velha.
*
Acaro – Sítio para resguardar o gado do sol.
F.
Henriques e J. Caninhas – “Contos populares do Cortelhões e Pilingacheiros”