É
do tempo que já não volta que eu sinto mais saudades. O tempo da minha infância
que me fugiu, abandonando-me, deixando-me com o coração dilacerado. Tempos em
que eu recordo aquela terra poeirenta do Rossio, a escola, a fonte ea miudagem
nas brincadeiras, alguns deles já falecidos.
Vejo-os
de rosto pálido, olhos crispados e pés descalços, não temendo o frio e a chuva
daquela terra sagrada, o nosso chão, que foi o nosso “parque de jogos”.
Lembro-me
do primeiro dia escolar, da catequese, das récitas que fazíamos no salão
paroquial ou no S. Pedro, capela destruída e que não teve a mesma sorte de ser
restaurada e salvaguardada, como tantas outras.
O
amplo adro ou terreiro, era também um ponto de encontro da pequenada, como o
eram o adro da capela do Mártir Santo, entre outros locais da vila, onde
jogávamos ao pião, ao pincho, à pata, ou aos botões. Eram os nossos “sítios”,
os que faziam parte do nosso mundo, um mundo cheio de fantasia, sem maldade e
ignorância. Era a inocência que ali vibrava.
Todos
nós tínhamos um ou mais sítios para brincar, mas sem dúvida nenhuma era o
Rossio o nosso “universo” escolhido; era ali o nosso jardim onde nós sonhávamos
com o mar, com o sol e as estrelas; foi ali que nós começámos a amar a terra
que nos viu nascer.
A
fonte era o retrato de Nisa do século XX, por isso não podemos ignorar o amor
humano de que somos testemunhas, pois acho que não há palavras que nos possam
confortar, desta tão grande perda, patrimonial e paisagística.
Era
ali, também, que ao raiar da aurora, os homens sem trabalho aguardavam que
alguém os procurasse para trabalhar. Foi ali que trocámos os primeiros beijos,
inocentes, descobrindo o primeiro amor daquela tenra idade. Foi ali que
começámos a avaliar e a imaginar o que seria a nossa vida de adulto.
O
Rossio, o nosso largo, é, na realidade, a grande sala de visitas da nossa
terra, que noutros tempos desempenhou um papel económico preponderante, com a
realização de feiras e mercados.
O
grande largo foi também palco de muitas inspirações, emoções, alegrias e
tristezas, e para que não seja mais o cenário de desolação para quem nos
visita, dêem-lhe o realce que ele merece, para que eu possa fechar com “chave
de ouro” as suas memórias, que se foram alterando e transformando o esplendor
desta “terra bordada de encantos”.
Voltar
às origens da nossa história é quase impossível, mas deixo o alerta, na
perspectiva de se poder criar as indispensáveis parcerias com vista a
contribuir para o desenvolvimento desta terra da “Corte das Areias” para que
ela não sofra consequências dramáticas.
Tem
havido um trabalho notável, no que diz respeito ao “espraiar” da vila, com ruas
e bairros bem urbanizados, ainda que faltem os nomes às artérias, revelando
alguma falta de apreço para com os nisenses ilustres e com o povo que deu
tantas glórias a Portugal.
Eu
estou consciente de que, quando toda a gente compreender que é a dar as mãos
que se constroem as pontes, será então o momento de erigir o Monumento aos
Emigrantes e Ausentes, e aí o caso será encerrado.
Sabemos
que as imagens valem mais do que as palavras e que Alpalhão é uma terra
granítica, onde a rocha-mãe está bem representada, com alguns “mamarrachos”
espalhados pela vila, em que a Câmara nada fez para impedir este atentado à
arquitectura alpalhoense, assim como também autorizou junto ao Calvário de
Amieira, fazendo lembrar a “Ilha da Páscoa”.
Nisa
merece um monumento, uma escultura digna, à imagem do seu povo. Seria a melhor
forma de homenagear a memória daqueles que já partiram, porque guardar uma
herança cultural é conservar as marcas da nossa história.
Por
isso, nós não aceitamos “mamarrachos” naquela varanda paisagística virada para
o Rossio da nossa infância.
E,
se não é pedir muito, acho que seria agora a melhor ocasião para satisfazer a
vontade do povo, porque se não o fizerem, virão outros que o farão!
“Prometer
e não cumprir, é uma dívida com a consciência”
António Conicha