quinta-feira, 10 de março de 2016

CANTINHO DO EMIGRANTE: O Largo do Rossio

 É do tempo que já não volta que eu sinto mais saudades. O tempo da minha infância que me fugiu, abandonando-me, deixando-me com o coração dilacerado. Tempos em que eu recordo aquela terra poeirenta do Rossio, a escola, a fonte ea miudagem nas brincadeiras, alguns deles já falecidos.
Vejo-os de rosto pálido, olhos crispados e pés descalços, não temendo o frio e a chuva daquela terra sagrada, o nosso chão, que foi o nosso “parque de jogos”.
Lembro-me do primeiro dia escolar, da catequese, das récitas que fazíamos no salão paroquial ou no S. Pedro, capela destruída e que não teve a mesma sorte de ser restaurada e salvaguardada, como tantas outras.
O amplo adro ou terreiro, era também um ponto de encontro da pequenada, como o eram o adro da capela do Mártir Santo, entre outros locais da vila, onde jogávamos ao pião, ao pincho, à pata, ou aos botões. Eram os nossos “sítios”, os que faziam parte do nosso mundo, um mundo cheio de fantasia, sem maldade e ignorância. Era a inocência que ali vibrava.
Todos nós tínhamos um ou mais sítios para brincar, mas sem dúvida nenhuma era o Rossio o nosso “universo” escolhido; era ali o nosso jardim onde nós sonhávamos com o mar, com o sol e as estrelas; foi ali que nós começámos a amar a terra que nos viu nascer.
A fonte era o retrato de Nisa do século XX, por isso não podemos ignorar o amor humano de que somos testemunhas, pois acho que não há palavras que nos possam confortar, desta tão grande perda, patrimonial e paisagística.
Era ali, também, que ao raiar da aurora, os homens sem trabalho aguardavam que alguém os procurasse para trabalhar. Foi ali que trocámos os primeiros beijos, inocentes, descobrindo o primeiro amor daquela tenra idade. Foi ali que começámos a avaliar e a imaginar o que seria a nossa vida de adulto.
O Rossio, o nosso largo, é, na realidade, a grande sala de visitas da nossa terra, que noutros tempos desempenhou um papel económico preponderante, com a realização de feiras e mercados.
O grande largo foi também palco de muitas inspirações, emoções, alegrias e tristezas, e para que não seja mais o cenário de desolação para quem nos visita, dêem-lhe o realce que ele merece, para que eu possa fechar com “chave de ouro” as suas memórias, que se foram alterando e transformando o esplendor desta “terra bordada de encantos”.
Voltar às origens da nossa história é quase impossível, mas deixo o alerta, na perspectiva de se poder criar as indispensáveis parcerias com vista a contribuir para o desenvolvimento desta terra da “Corte das Areias” para que ela não sofra consequências dramáticas.
Tem havido um trabalho notável, no que diz respeito ao “espraiar” da vila, com ruas e bairros bem urbanizados, ainda que faltem os nomes às artérias, revelando alguma falta de apreço para com os nisenses ilustres e com o povo que deu tantas glórias a Portugal.
Eu estou consciente de que, quando toda a gente compreender que é a dar as mãos que se constroem as pontes, será então o momento de erigir o Monumento aos Emigrantes e Ausentes, e aí o caso será encerrado.
Sabemos que as imagens valem mais do que as palavras e que Alpalhão é uma terra granítica, onde a rocha-mãe está bem representada, com alguns “mamarrachos” espalhados pela vila, em que a Câmara nada fez para impedir este atentado à arquitectura alpalhoense, assim como também autorizou junto ao Calvário de Amieira, fazendo lembrar a “Ilha da Páscoa”.
Nisa merece um monumento, uma escultura digna, à imagem do seu povo. Seria a melhor forma de homenagear a memória daqueles que já partiram, porque guardar uma herança cultural é conservar as marcas da nossa história.
Por isso, nós não aceitamos “mamarrachos” naquela varanda paisagística virada para o Rossio da nossa infância.
E, se não é pedir muito, acho que seria agora a melhor ocasião para satisfazer a vontade do povo, porque se não o fizerem, virão outros que o farão!
“Prometer e não cumprir, é uma dívida com a consciência”
 António Conicha