domingo, 20 de março de 2016

MEMÓRIA DE NISA: O Rossio de "fora" e o Rossio de "dentro"

As grades do jardim público de Nisa- Alguns elementos para a sua história *
Tal como os edifícios, as pontes e outras obras de engenharia - civil ou militar - também as pequenas estruturas que modelam o espaço urbano ou rural, têm a sua história.
A do gradeamento do jardim público não deixa de ser curiosa, por estar (ficar) ligada a alguns factos e circunstâncias políticas, desde a sua implantação até, agora, à sua remoção (arranque). Uma história que se conta com o recurso à consulta de documentos do acervo do Arquivo Histórico de Nisa. Tantas e gostosas histórias que o mesmo encerra...
Um gradeamento "monárquico" e "republicano"
A ideia de implantar, no Rossio de Dentro, um gradeamento sobre o muro de suporte, partiu do último executivo municipal monárquico que serviu o concelho de Nisa, tendo à frente o dr. Mário de Miranda Monteiro, a quem se deve, entre outras obras, o aformoseamento do Rossio (actual zona da Alameda) com a plantação de plátanos.

Lançado o concurso para a feitura e colocação do gradeamento, ainda durante a Monarquia, foi já no período da República que a obra teve lugar e foi concluída, no início de 1911.
Há 93 anos, que o gradeamento do Rossio de Dentro, primeiro, e do Jardim Público, depois, a partir de 1932, se encontrava implantado no espaço nobre da vila.
Agora (2005), tal como no poema, "jaze morto e apodrece". Um golpe profundo, vil, foi desferido na memória e no sentimento de muitos nisenses, ficando a manchar - tal como, aliás, outras "soluções" arquitectónicas e urbanísticas com que, ultimamente, temos sido "presenteados" -, uma obra há muito desejada, mas feita sem a participação, nalguns casos, à revelia, dos seus principais destinatários: a população de Nisa.
O derrube "filipino"
Por coincidência - ou talvez não - o último troço que restava do gradeamento, foi arrancado no passado dia 1º de Dezembro, como a querer assinalar o fim do domínio filipino, em 1640. Só que esta obra - a implantação do artístico gradeamento - não foi feita por "espanhóis", mas sim projectada e realizada por nisenses.
Não a deixaram completar 100 anos, como aconteceu com o Coreto, que vai manter-se no local e fica a assinalar uma época, a nível da arquitectura e da promoção da cultura, através da música.
Que viva a música. Que estralem os foguetes e morram os "velhos do Restelo". Sobre os escombros das grades e da memória, surgirá a modernidade, voarão em vertiginosa velocidade os "skates" e outras enormidades importadas dos States.
O espaço vivido terá mesmo vida. Não será um espaço de todos? Que importa? Importante é requalificar, erguer de novo, destruir pela raíz, não deixar qualquer marca do regime anterior. Daqui a uns meses, quando a obra estiver pronta, "linda", inaugurada, na véspera da disputa dos votos, quem se vai lembrar de umas grades "monárquicas" e "republicanas" de 1911?
DOCUMENTOS
Concurso para fornecimento e collocação de uma grade e oito candieiros, tudo de ferro.
Aos quatro dias do mez de Setembro de 1910, Jayme Marçal Pimentel Fragoso, vereador servindo de presidente da mesma Câmara e tendo dado onze horas da manhã. Foram apresentadas cinco propostas.
Edital: Vedação, sobre o muro de suporte existente no Rocio de Dentro, desta villa.
A grade deve ter o comprimento de 118 metros, sendo uma pequena parte em curva, onde o muro faz volta entre duas ruas que se cruzam em angulo recto.
A grade terá os supportes necessários para sua conveniente fixação; 3ª Os candieiros serão de collunas, decorativos, e serão colocados 2 nas extremidades da grade, 2 nos lados da escada de cantaria, que fica aproximadamente a meio da grade e os restantes, intermédios, servindo todos de supporte e apoio à grade, dispensando, portanto, em taes pontos de supporte de fixação.
Verba orçamental 350$000 reis
Nisa,10/8/1910 - O Presidente da Câmara: Mário Monteiro
Foram apresentadas várias propostas: Abel M. de Carvalho & Irmão, do Crato; Lino Martins Cardoso, da Figueira da Foz; Empreza Industrial Portuguesa, de Lisboa; Joaquim Porto Basso, de Niza; José Maria Rafael Malhado, de Niza, 348$000 reis.
Auto de adjudicação, do fornecimento e collocação de uma grade e oito candieiros, tudo de ferro, no Rocio de Dentro, d´esta villa de Niza, feita a José Maria Raphael Malhado pela quantia de 348$000 reis.
Aos tres dias do mez de Outubro do anno de mil novecentos e dez, n´esta villa de Niza, paços do Concelho e secretaria da Camara Municipal, compareceu o Senhor Doutor Mario Augusto de Miranda Monteiro, presidente da mesma Camara, comigo secretario d´esta, e pelo mesmo senhor presidente foi declarado, em virtude da deliberação hoje tomada pela referida Camara, que adjudica, para todos os effeitos legaes, a José Maria Raphael Malhado, casado, ferreiro, residente n´esta villa e n´este acto presente, o fornecimento e colocação de uma grade e oito candieiros de illuminação, tudo de ferro, com as condições do respectivo concurso.
Prazo de execução, fornecimento e colocação: até 31 de Dezembro, podendo, todavia prorrogar-se o dito prazo se isso for necessário, ao que tudo se obrigou o senhor José M R. Malhado.
Mário Mendes in "Jornal de Nisa"