terça-feira, 5 de julho de 2016

O CANTINHO DO EMIGRANTE: Lembranças da minha terra

Já lá vão muitos anos, em que um rapazinho em idade escolar, brincava com os outros meninos por todas as ruas de Nisa e já nessa altura ele imaginava que um mundo sem cor, seria monótono, lembrando-se logo das flores e das suas cores que indicam às abelhas que têm néctar.
A cor de que o rapazinho mais gostava era a cor do sol luminoso, que lhe dava a energia para brincar, esquecendo-se por completo dos afazeres da “chécola” (escola).
(Sabiam que os estudiosos lutam pelo ensino generalizado do mirandês? Esta “lhéngua” (língua) foi legalizada em 1999. Hoje o mirandês não é apenas uma língua oral que sobreviveu no rincão transmontano, no concelho de Miranda da Douro, mas sim a segunda língua oficial em Portugal, falada num território com uma área de 500 Km2 e teve origem num dos romances peninsulares, formados a partir do latim vulgar, nomeadamente do asturo-leonês, pelo que pertence ao grupo das línguas românicas.
A sua formação tem paralelo na origem galaico-portuguesa, estimando-se os falantes desta língua entre as 12 e as 15 mil pessoas. Em França existem 75 línguas diferentes, sendo 25 na Metrópole e as restantes nas colónias ultramarinas.)
Eu a falar no dialecto “nizorro” é como se fosse transportado ao lugar da minha infância e por isso vamos aqui recordar alguns episódios do meu percurso escolar.
“Drente” (dentro) das salas de aula, as paredes tinham a fotografia do Salazar, o homem forte do Governo que apostou na alfabetização em Portugal, autorizando os nossos professores a baterem-nos e a oprimirem-nos para que tivéssemos medo e fossemos obrigados a estudar, vindo-me à memória uma cena em que o professor chamou ao quadro, um aluno chamado Armindo, o qual, por não saber fazer os cálculos correctamente, foi submetido às tão originais reguadas, seis precisamente, três em cada mão.
O Armindo chorava, gritava, largando “escuma” pela boca e exclamando: “Não me bata senhor professor, que eu digo ao meu tio, que é ferreiro, que lhe faça uma régua de ferro!”.
Outros iam para casa e diziam aos pais, arriscando-se a não fazerem exame. Era assim naquele tempo.
A hora do recreio era como se fosse um balão de oxigénio que entrava pela “jenêla”, em que a miudagem brincava “à moda de Nisa”, sem brinquedos, claro! Uns jogava “à zuca”, outros ao “monte a cavalo”, uns ficavam “esmarzelados” ou “incardidos” devido às quedas, enquanto outros, ainda, iam “arreganhando a pinhoada” de os verem às cambalhotas e da retoussa , muitas vezes resultava que alguns tinham que ir ao “hospetél” cozer a cabeça partida.
Quando acabava o quarto de hora oficial do recreio, subíamos as “xecádias” a correr para não sermos os últimos, porque o último tinha sempre a régua à espera. Enquanto o senhor professor na sua “menza” de trabalho dava volta aos “papéles” para ver os exercícios que se seguiam, já nos pensávamos: quem será agora o que vai “bacaquié”?
Chegava, entretanto, a hora do almoço e por sinal estava a “morinhé”, pelo que, aqueles que não iam à cantina no Asilo do D. António, teriam que correr sem olhar que metiam os pés nos chaboucos, chegando a casa “incharcados”, na qual, os de recursos mais modestos teriam que enxugar a roupa no corpo.
- Mãe! Estou cheio de fome! – dizia eu.
- Não sejas “sôfrogo”, espera “maneirinhas” que os feijões se cozem! – respondeu a minha mãe.
Entretanto, às escondidas, “esbornoquei” um “anásse” de pão, que nem sequer cheguei a mastigar, porque levei logo uma “talouquéda” na cabeça, que até fiquei com o cabelo “arreféde”. Nisto, já eram quase horas da entrada na escola, pelo que tive de correr, chegando atrasado e com o dedo do pé a sangrar.
O professor teve tanta pena de mim e de me ver a chorar que me mandou à “farmaça” do doutor Aniceto tratar a mazela. A “amnistia” durou pouco tempo, porque ao fazer o ditado, o aparo da caneta fez um borrão e lá fui eu submetido à sessão das reguadas.
Os mais velhos e mais abonados, já frequentavam o colégio (Externato Durões Correia), mas também eram submetidos à disciplina salazarista, sendo obrigados a incorporar a Mocidade Portuguesa, tendo um uniforme que eventos religiosos, mantinham a ordem e o respeito.
Um dia, estudávamos a lição “A fauna e a flora” e o professor apontou com a ponta da cana da Índia para o livro que mostrava a imagem de uma zebra, perguntando ao José Maria Bizarro: que animal é este?
- É um burro às riscas, senhor professor!
O professor, com esta resposta, achou tanta piada que sorriu e não lhe bateu...
Falando em bom português e esquecendo o tempo da “mesêra”, em que chegava a dizer que gostava de estar doente, só para beber leite, ou o dos alunos de Tolosa daquele tempo que iam à azeitona e às favas para o seu professor.
Confesso que não estou arrependido de viver esta infância, em que saboreávamos os frutos exóticos das palmeiras do doutor Fraústo Basso, as amoras (que já não há) na Estrada com o mesmo nome, as tibórnas nos lagares, ou assistíamos, extasiados, à formação dos arcos-íris. Tudo isso fez ( e faz) parte do universo da minha infância, de uma memória que me faz recordar os professores Serafim, Pires, Pereira, António Paralta, Pires (de Arez), Porfírio e João Maria, ficando aqui a homenagem em forma de agradecimento e muito obrigado pelas “reguadas” que nos deram e muito bem nos fizeram...
António Mourato (Conicha)