Há poucos dias veio-me à memória a figura desse
portento da advocacia, que viveu em Nisa, o Dr. José Lopes Chambel, ou Lopes
Chambel para alguns, mas nome profissional na Ordem dos Advogados José Chambel,
como era mais conhecido na barra.
Nasceu em 27 de Agosto de 1907 e faleceu após
doença em 2 de Outubro de 1971.
Nomeado Delegado da Ordem dos Advogados na Comarca
de Nisa em 10-1-1952.
Senhor de um saber profundo, de uma elegância e
fino trato para todos, magistrados, funcionários, partes, testemunhas, Lopes
Chambel ultrapassava com brilhantismo a figura normal de advogado, para se
situar num plano superior dos deuses da advocacia, de uma simpatia, alegria e
elegância no trato para com todos , mestre das instâncias... mas sempre preciso
e inteligente e habilíssimo nas perguntas sabiamente dirigidas, sensato nos
comentários , nas reclamações, com enorme delicadeza para com todos,
devotando-lhe os magistrados o maior dos respeitos e admiração.
Detentor de forte simpatia pessoal quer em Nisa
quer nas Comarcas onde fazia périplo com o Senhor Patrício, seu motorista na
altura, Castelo Branco, Golegã, Castelo de Vide , e outras Comarcas para onde
dera solicitado, por força do seu prestígio.
Foi por simpatia sua que nos transportou até
Castelo Branco, teríamos 11 ou 12 anos, a uma consulta desse outro gigante em
humanidade, e vulto da Medicina, o Senhor Dr. Afonso, oftalmologista, a bondade
no atendimento, apesar já da sua doença, e depois o Senhor Campos, oculista
Campos, outro homem de igual dimensão e igual bondade, pessoas que nos ficaram,
e daí trouxemos o primeiro par de óculos, com o meu querido irmão António.
Lembro-me de ter prestado atenção ao estilo do Dr.
Chambel, de certo modo deslumbrado com a sua natural empatia, como que
expressando de forma natural a arte de bem conviver com todos, sendo o seu
motorista , mais do que um trabalhador, um amigo pessoal.
Aliás meu irmão António refere que... em
determinado julgamento, no Tribunal velho de Castelo Branco, o Colega da parte
contrária se sentiu mal na barra, e o Dr. Chambel passou o dia em grande
aflição que levou, transportou para o escritório, como se fosse, e era, um
problema pessoal.
Esteve ligado segundo me dizem, e tenho isso
impressivo na memória, a alguns grandes processos (por ex. creio que do sector das
cortiças e outros) ombreando com outros vultos da advocacia, como Palma Carlos,
sendo público o à vontade, domínio dos objectivos e liderança das situações e
incidentes, com o público apreço mesmo das partes contrários e seus
mandatários.
Igualmente interveniente na defesa das pessoas
envolvidas na denominada greve do pão.
Um Distintíssimo Senhor igualmente em humanidade e
grandeza de carácter.
Mais tarde, com a sua doença impressionava-me
passar e ver na cadeira de rodas o Dr. Chambel, situação dolorosa para mim e
que transmitia a minha mãe, ver assim um homem tão activo, e ele próprio nos
via e gesticulava, o que era doloroso para nós.
Impôs-se-me assim recordar o nome e a memória desse
gigante da advocacia portuguesa, era dado adquirido que se tratava de um
profissional brilhante, mesmo fora de série, e ciente de que o auxílio
imprescindível me viria de ti (apesar da dimensão em que estás, meu caro e bom
Manuel - Manuel Sena, que o conheceste como poucos, meu grande e sincero amigo,
e que essa informação me era indispensável, preciosa para homenagear com mais
rigor e realce tal vulto tão brilhante de advogado, sob aspectos da vida
forense e do escritório, que por certo com ele vivenciaste, e intimamente
observaste nos teus anos no escritório, e de que falámos algumas vezes).
Mas logo se me aquietou o espírito, embora tenha
consciência de não seja eu o mais digno e capaz para recordar tão elevada
figura, mas que a tua bondade (... tão grande bondade que jamais esquecerei...
meu bom Manuel ... me inspirará com a tua ajuda,... e o teu espírito
transversal ao tempo me ajudará a “psicografar”, sem preconceitos, o dever
deste testemunho, ou um texto minimamente digno da memória desse gigante dos
Tribunais, da advocacia portuguesa, como jamais foi visto em poucos a esse tão
elevado nível, e digno de repor a memória de alguém de plano superior na
advocacia e no direito, como poucos alcançaram.
José Lopes Chambel ultrapassou, e esteve para além
de um advogado comum , estava para além dos horizontes normais do dia a dia dos
Tribunais do seu tempo, tecnicamente muito bom mas excepcional em processo,
perfeito nas alegações, incisivo, porém educado e nobre nas instâncias em que
era mestre e senhor, detentor do segredo da palavra certa e oportuna,
ultrapassando com ligeireza patamares de alta exigência profissional e
científica, apesar da elegância e simpatia que punha em tudo, sendo sua marca
característica a anedota actualizada para descontrair , aliviar tensões,
aproximar e convocar todos para um trabalho sereno e concentrado, advogados,
partes contrárias, magistrados e funcionários, indispensável a boas e serenas
decisões .
Com interesse ...” em 14 de Fevereiro de 1960:
Dr.Manuel Flamino F.Martins, na passada segunda feira, realizou-se perante o
Sr. Dr. José do Carmo, Conservador do Registo Civil de Castelo Branco, devido a
encontrar-se doente o Sr.Dr. Alberto Franco Falcão, juiz substituto, o acto de
posse do novo Juiz da nossa Comarca, Sr. Dr. Manuel Flamino Martins, que tem
desempenhado as funções de Juiz Ajudante do Círculo Judicial de Castelo Branco.
Encontravam-se presentes no acto de posse, entre
outras individualidades, os Srs. Dr. José Lopes Chambel, advogado, Moisés dos
Santos Martins, estudante de Direito e irmão do empossado. (Creio que foi
escrivão em Nisa e se terá formado ainda durante a sua actividade aí em Nisa,
pelo menos é essa ideia que tenho).
No seu brilhante discurso o Sr. Dr. Juiz Flamino
Martins referiu-se ao conceito de justiça e à dificuldade que muitas vezes
surge na sua aplicação...
Ao novo Juiz da nossa Comarca, cujo valor
intelectual e profissional há muito se impôs a todos que o conhecem, endereça o
“Beira Baixa” as suas felicitações dom o desejo das maiores prosperidades no
desempenho do seu novo cargo.”
Passava pois e muito por Castelo Branco, onde tinha
escritório, o labutar deste senhor da advocacia, e seria certamente fácil
colher testemunhos escritos sobre este Distinto Advogado, dos mais ilustres de
Portugal, a quem nos cumpre rememorar tão Ilustre Memória.
Não recordar e honrar a memória de tal valor
altíssimo e glória da advocacia portuguesa seria grave omissão do dever de
respeito pela sua ilustríssima memória que aqui fica humilde, mas veneradamente
respeitada, por um aliás humilde nisense.
Reproduz-se a seguir parte de decisão judicial
(sentença) de um outro brilhante Juiz de direito na Comarca de Nisa, José dos
Santos Silveira, e em que possivelmente o Exm.º Senhor Dr. José Chambel poderá
ter intervindo: “Na presente acção ordinária, intentada pela Junta de Freguesia
da Comenda contra a Firma Barreira e Companhia (Irmãos ) com sede em Lisboa,
intervindo, por chamamento à autoria a sociedade inglesa, Henry Bucknall and
Sons, Limited, com sede em Londres, as rés nas suas contestações, levantaram as
seguintes questões:
1.º A nulidade da petição inicial, por
ineptidão;----2.º A excepção da ilegitimidade da Autora;....3.º A excepção da
ilegitimidade da Ré Barreiros ;...4.º A nulidade , quanto à petição inicial ,
por inobservância.........no que concerne ao pedido secundário; 5.º A excepção
do caso julgado...6.º-A excepção peremptória de prescrição aquisitiva ou
usucapião...............................
Entremos na apreciação das questões postas: 1.ª
questão.... sabe-se o que pretende e porque pretende. Logo, não existe
ineptidão. Pelo exposto se desatende arguida nulidade;2.ª questão, a questão
deixou de subsistir, desde que a A. na sua réplica veio reduzir o pedido
secundário, em virtude da excepção apresentada; 3.ª questão...Não tem razão a
ré ... Entendemos que o domínio sobre os baldios pertence às entidades a que na
lei se atribui a sua administração, pelas razões....; 4.ª questão...Sabe-se
qual é o pedido e a causa de pedir....Não houve inobservância...e, por isso, se
desatende a arguida nulidade; 5.ª questão...Entre a relação jurídica apreciada
nas anteriores acções e a que é objecto da presente causa não há qualquer
vínculo de dependência...Por tudo o que fica dito, se desatende a excepção do
caso julgado;6.ª questão...A ré Bucknall exercia sobre as malhadas das Costas
posse, não só por virtude do registo, mas ainda pela prática de actos de uso e
fruição, pelo menos durante os meses de Outubro, Novembro e Dezembro,
usufruindo o povo da Comenda os pastos e lande nos restantes meses do
ano...Pelo exposto, se desatende a excepção de prescrição alegada pelas
rés.....O direito de compáscuo do povo da Comenda, em relação às malhadas das
Costas, a existir no momento em que o Código Civil entrou em vigor, teria sido
abolido pelos mencionados artigos 2264.º e 2265.º. Atento o que foi resolvido no
que concerne ao pedido principal, encontra-se prejudicada a questão relativa ao
pedido acessório ou secundário dos frutos. Pelo exposto, improcedendo a acção,
absolvem-se os réus dos pedidos.
Nisa , 9 de Julho de 1957 (a) José dos Santos
Silveira).”
E com esta luz resplandecente fecho a homenagem a
tão brilhantíssimo senhor da advocacia portuguesa.
João Castanho - 25/11/2010