Com este belo dia, iniciámos um passeio pela
ribeira abaixo, aproveitando a observação de toda a flora, visto um dos
componentes do grupo ser especialista em botânica e química
médico-farmacêutica, e o outro, como engenheiro electrotécnico, foi durante
muitos anos funcionário superior de empresas alemãs da especialidade, e por
isso iríamos ver a Central da Velada, onde predominava o material da mais
avançada tecnologia, produzido pela famosa firma alemã AEG.
- Passemos para o outro lado da ribeira, para
vermos a riqueza da variedade botânica, e apreciarmos os perfumes das
rosas-albardeiras em grandes tufos, do amor-de-Deus, dos carapeteiros. Foi
confirmado pela análise do pólen, que neste espaço tão limitado e menos exposto
ao sol, há muitos anos viceja este “canteiro de lírios do campo. E qual o
motivo da má sorte de não vingarem as sementes que vão cair mais além?
E agora, além na outra banda, há mentrastos, nevda,
alfaveca-de-cobra, cabecinhas d´el rei, salva-brava, erva d´isca, arruda, e
acima daquele nódulo de moitas, lá está uma manta de lentisco, em espaços
limitados; depois há o trovisco, um pouco menos exigente, que se fixa nas
partes baixas e médias, enquanto se constata a distinta separação de algumas
espécies botânicas e adaptadas a terras menos sombrias, as estevas espalham-se
por todo o lado. Aquele manto roxo, é fel-da-terra, e lá no cimo da barreira
destaca-se o vigor do rosmaninho e do alecrim. E naquele espaço, as hastes
negrejantes que lá vemos, estão envolvidas por muitos insectos mortos.
E aquela haste mais além, rara nesta zona, e
abundante em redor da capela da Srª da Alagada, produz minúsculas sementes,
parecidas com as sementes de nabo. As mulheres mais idosas têm essas sementes
em casa, como remédio-santo para remover dos olhos, qualquer corpo estranho: os
argueiros. Colocadas sobre as pálpebras, essas sementes parecem torrões de
terra, mas o certo é que, acompanhadas dos berros da garotada, se encarregam de
retirar dos olhos, os outros talvez menos incómodos trambolhos!
Vejam no cimo daquelas rochas menos expostas ao
sol, entre os musgos ou nas fendas das pedras menos acessíveis, aquelas folhas
rendilhadas, em pequenos nódulos. Trata-se da erva-cagona, muito usada pela
gente das aldeias desta região. As raízes eram rasgadas e limpas, com as quais
faziam um chá altamente laxante. Tomada em jejum, num dia escolhido para o
efeito, em geral ao domingo e uma vez por ano, faziam o trato ao circuito
digestivo. Todo o bom chefe de família tomava esse cuidado de pai zeloso pela
saúde dos filhos. O purgante fazia com que passassem o dia a descarregar de
esguicho, o pouco que muitos desses pacientes habitualmente tinha para ingerir,
e só à noite lhes davam um caldo de arroz. Com que genica estariam no dia
seguinte para o duro trabalho no campo, de sol a sol, às vezes a vários
quilómetros de casa?
Olhem para estas folhas arredondadas, junto ao
chão, verdes na face exposta e vermelhas no outro lado; eram procuradas pelas
adolescentes, para acelerarem o momento de se considerarem mulheres. Tinham
vaidade nisso, ou inveja das suas colegas ou amigas, quando estas lhes
comunicavam que já o eram, com a primeira e tão esperada “visita”. Diziam as
mais velhas que pisando folhas e colocando-as sobre o peito do pé, vinha logo a
menstruação. Só que esse emplastro dava origem a uma larga e pertinaz chaga e
as mães, sabendo por experiência o que se tinha passado com elas próprias, logo
esbaforidas diziam: - Ah, sua magana, que ainda há dias largaste as fraldas e
já estás com essa pressa!
Os jovens, quando viam uma rapariga a tomar outras
formas mais arredondadas, salientes, e periodicamente de ar abatido, sem ária,
sussurravam: aquela já anda com o “cão”, ou com os “inglesinhos”!
Era o natural e fascinante interesse mútuo, a
curiosidade pelo sexo oposto! Era o despertar para essa força que move
montanhas, que mais encanto dá à vida e a perpetua: a sexualidade!
Mas os rapazes também despertavam para as
modificações que iam observando neles próprios, e lá se deixavam ir nas
receitas dos “malandrecos” mais velhos, para se fazerem homens num ápice. A
receita era simples: esfregada as partes genitais com cebola-albarrã, acelerava
o despontar da pubescência, e descobriam o logro, quando se debatiam com o
intenso ardor, que só a muita água e sabão trazia o tão desejado alívio,
atenuando esse fogo, até que, sem estimulantes violentos, chegaria o dia em que
viriam a dar pela evolução regular, fisiológica e física, com a voz a
engrossar, os sonhos húmidos, um certo “ardor” pelas raparigas mais velhas,
pelos seus atractivos mais valorizados, e outras surpresas, próprias de homem.
Pena era que os “bons costumes” da sociedade de
então, não permitissem que os jovens de ambos os sexos, tivessem acesso às
excelentes obras de Fritz Kann, para conhecerem melhor toda a fisiologia
humana, e evitarem situações de angustiantes dúvidas ou o desespero com o
irromper da puberdade. E os médicos ao fazerem “banco” ou serviços de
urgências, têm histórias muito curiosas a esse respeito, e algumas bem caricatas,
de jovens em desesperada aflição, por não conhecerem bem o seu próprio corpo.
João Caninas – in “O Concelho de Ródão” – Dez. 1999
Foto de Arlindo Sequeira in "Panorâmio"