Domingo, 11 de Janeiro
de 1992. Évora, cidade, acordara com um manto frio de neblina a inundar-lhe os
poros. Em Nisa, no extremo norte do Alentejo, decorria a 1ª Feira do Mel.
É aqui, na plena
agitação de um dia de feira que a notícia surge, a um tempo, seca, brutal e
inesperada: morreu o António Louro Carrilho!
Um trágico acidente de
viação roubara, em segundos, a vida de um jovem professor universitário, culto,
determinado, irreverente, nascido em Salavessa (Nisa).
Lembro-me como se fosse
ontem do impacto que a notícia causou, a tristeza e a comoção, a revolta e
indignação por uma despedida da vida tão precoce como injusta.
O António Louro
Carrilho não era uma pessoa qualquer. Aos 37 anos, percorrera, já, um longo e
penoso caminho, cheio de obstáculos que ele ia torneando com a simplicidade e o
voluntarismo, a mestria e a determinação de quem sabia que a felicidade tinha
que ser conquistada.
De origem simples,
rural, cedo compreendeu o esforço dos pais, emigrantes, para lhe darem uma vida
melhor. Estudou no liceu em
Castelo Branco , onde a sua presença, não passou despercebida,
antes pelo contrário. Soube granjear amigos sem nunca se despojar das suas
convicções. Na década de 70, em pleno período revolucionário, torna-se na voz e
imagem das reivindicações estudantis na cidade albicastrense. As suas vindas à
aldeia natal e a Nisa são sempre pretexto para intermináveis discussões sobre
os “caminhos da Revolução”. Adepto da “Revolução Cultural” chinesa e das ideias
maoístas, António Carrilho, de longas barbas e cabelo revolto é a imagem
inacabada do Che, com um poder de argumentação sempre vivo e acutilante. Não
desprezava, antes estimulava, uma boa discussão, quando os interlocutores se
lhe mostravam à altura.
A pretensa dureza e
rigidez do seu discurso, escondiam o homem e futuro universitário que através
do estudo da filosofia e da pedagogia iria debruçar-se como lema de vida, nas
questões centrais da liberdade, da razão e da existência.
O revolucionário
dogmático deu lugar ao militante do espírito, da compreensão do mundo, do
humanismo, numa abordagem multidisciplinar e plural que nunca abandonou.
Frequenta a
Universidade de Coimbra onde conclui a licenciatura em Filosofia (1979) e mais
tarde (1988) o Mestrado com uma tese “Filosofia e pedagogia no pensamento de
Delfim Santos” que obteve a classificação de Muito Bom. A Universidade de Évora
acolhe-o como professor assistente e desde logo o seu espírito trabalhador e
metódico é notado, tendo iniciado uma carreira académica plena de sucesso.
O seu talento de
investigador é premiado como bolseiro da Gulbenkian tendo efectuado diversos
trabalhos de investigação na Universidade Católica de Lovaina (Bélgica).
Dessa estadia em
Louvaina, Mário Mesquita oferece-nos, num breve relato, alguns aspectos da
personalidade de António Louro Carrilho, seu companheiro de investigação.
“O que me surpreendia
no António era a forma exemplar como conjugava a disciplina no trabalho
académico com as outras mil e uma questões a que dedicava atenção e interesse:
desde o desporto (jogou futebol na terceira divisão) à apicultura… Era bem
curiosa a forma ágil como mudava do registo exigente da reflexão inerente ao
seu trabalho universitário para o não menos exigente discurso acerca das
pequenas questões do quotidiano … “.
António Louro Carrilho
não esgota as suas preocupações unicamente no trabalho universitário. A
filosofia e o fenómeno da comunicação levam-no a publicar livros sobre Antero,
Régio, Delfim Santos e Sartre e a produzir diversos artigos tanto em revistas
da especialidade como a “Vértice” ou a “Economia e Sociologia”, como em
jornais, desde ”O Giraldo” ao “Ecos do Sor” e à revista cultural de Portalegre
“A Cidade”.
Na área da Pedagogia
publica “A formação de professores na Universidade de Évora” na Revista Portuguesa de Pedagogia e “Quem
tem medo da Filosofia no ensino secundário” n´O Jornal da Educação – Suplemento
do Jornal de Letras.
António Louro Carrilho
preparava o doutoramento com um trabalho de investigação sobre “Filosofia,
Comunicação e Pedagogia – Por uma Pedagogia de Relação Interlocutiva”.
Muito apegado à sua
aldeia, Salavessa, António Carrilho dedicava-se à apicultura, pretexto para as
constantes visitas que fazia ao concelho de Nisa e na quais aproveitava não só
para os trabalhos com as abelhas e as colmeias, mas para se embrenhar e
participar como cidadão activo e empenhado nos problemas da sua terra.
Do seu esforço
persistente e recolha sobre a obra do poeta popular José António Vitorino – o
Ti Zé do Santo - nasceu o livro “Terra Pousia”, e nele escreveu António
Carrilho, no prefácio:
“A cultura popular é a
mais simples, a mais pura, a mais verdadeira, porque nasce de uma relação espontânea
do homem com a natureza, a vida e a sociedade. Não está contaminada pelas
vontades dos barões da crítica, não é forjada segundo o estilo das bigornas dos
catedráticos, não se passeia pelos salões das academias”.
E remata, como falando
de si próprio: “Faz-se com a mesma humildade, empenho e vigor com que o homem
agarrado à rabiça do arado, rasga a terra pousia para nela lançar as sementes
geradoras do pão de cada dia”.
António Louro Carrilho
era um homem frontal e solidário, um professor que prestigiou com o seu
trabalho, a Universidade. Um cidadão comprometido com os problemas da sua
terra, da sua região e do seu país. O concelho de Nisa perdeu, há vinte anos,
um filho e um professor de mérito, cuja memória aqui evocamos e que vai
perdurar pelos tempos fora.
(1) – Vitorino, José António – in “Terra
Pousia” - 1996
António Louro Carrilho
– A Obra
Filosofia
1 – “Sartre – a
liberdade e o indivíduo como imperativos éticos” – Ecos do Sor – 12/5/1980
2 – “Coordenadas
filosóficas no pensamento de José Régio” – A Cidade – Outubro de 1984
3 – “Antero do Quental
e o Socialismo – Subsídios para a compreensão do seu pensamento político” –
Edição de Autor – Évora, 1985
4 – “A técnica sob a
alçada da teoria crítica em
Jurgen Habermas ” – Economia e Sociologia – Évora – nº 41 –
1986
5 – “O problema da
liberdade na filosofia de Sartre” – Economia e Sociologia – Évora nº 47 – 1989
6 – “Delfim Santos e a
filosofia portuguesa” – Vértice – Lisboa, II Série nº 12 – 1989
7 –“ Je zappe donc je
suis ou a televisão na afirmação do eu pela via do telecomando” – Vértice,
Lisboa, II Série, nº 47 – 1992
Educação
8 – “A formação de
professores na Universidade de Évora” – Revista Portuguesa de Pedagogia –
Coimbra, 1984
9 - “A formação de
professores na Universidade de Évora” – Informação Interna – U. Évora – 15
Fevereiro 1985
10 – “O estudo
epistemológico da pedagogia em
Delfim Santos ” – revista Portuguesa de Pedagogia – Coimbra,
1988.
11 –“ Quem tem medo da
filosofia no ensino secundário?” (1) – “O Giraldo” – Évora – 9/3/1988
12 –“ Quem tem medo da
filosofia no ensino secundário?” (2) – “O Giraldo” – Évora – 24/3/1988
13 –“ Quem tem medo da
filosofia no ensino secundário?” (1) – O Jornal da Educação – Supl. Nº 2 ao JL
- Jornal de Letras – 26 de Março a 4 de Abril de 1988
Mário Mendes in
"Alto Alentejo" - 18/1/2012