“A D. Rosa já chegou da estação”
Como é costume desde há
alguns anos a esta parte, a vila de Alpalhão “acorda” no dia 3 de Maio com as
suas fontes engalanadas, vestidas de mil flores e cores, num hino à vida e à
Primavera que capta e desperta a curiosidade, não só dos visitantes, como dos
próprios residentes.
São flores do campo e
dos pequenos jardins e quintais que as crianças das escolas e os moradores de
cada rua próxima das fontes se empenham em colher, juntar e transformar em
colares, que depositam, logo pela manhã, junto de cada fonte. Aos colares de
flores campestres, este ano colhidas sob chuva intensa, juntam-lhe outras das
roseiras do quintal ou do jardim público, pois, os fins, para esta “sinfonia
das flores”, justificam, plenamente, os meios.
Mas de onde vem esta
tradição? A explicação, ouvimo-la a algumas das mulheres que junto à Fonte Nova
mostravam, orgulhosamente, o fruto do seu trabalho: a fonte toda enfeitada, com
esmero e alegria, não fosse a “sesta”, no rigor do trabalho do campo, uma
preciosa conquista. O ritual da sesta, ou “ir buscar a D. Rosa à estação” está
devidamente explicado na redacção, que reproduzimos, de um aluno da Escola de
Alpalhão, sobre o dia 3 de Maio:
“Era costume neste dia
enfeitarem-se as fontes. E porquê? Era para festejar o primeiro dia de sesta.
Os alpalhoenses trabalhavam do nascer ao pôr do sol e como os dias, nesta
altura, já são maiores, havia necessidade de descansarem.
Então enfeitavam as
carroças com rosas e flores campestres (malmequeres) e chegavam à vila, também
enfeitavam os fontanários.
Como é Dia de Santa
Cruz, faziam cruzes enfeitadas também com flores e colocavam-nas nos campos
(para terem boas searas) e nas casas para terem sorte. Os alpalhoeiros para não
dizerem que “iam dormir a sesta”, usavam a expressão: “Vamos buscar a D. Rosa à
estação”.”
Costume bonito, uma
belíssima reprodução etnográfica, num tempo em que o trabalho no campo,
praticamente acabou e a estação ferroviária, seja a de Vale do Peso, sejam as
outras do chamado Ramal de Cáceres, tal como o próprio caminho de ferro, já
conheceram melhores dias e algumas vão resistindo à morte lenta anunciada, num
estado de letargia e de quase abandono, que todos conhecemos.
A D. Rosa já chegou da
estação e todos os anos, no dia de Santa Cruz (de Maio) as fontes de Alpalhão
cobrem-se de flores e alegria enquanto um manto de saudade e nostalgia, invade,
cada uma das ruas e casas, onde os moradores, sujeitos de um presente, que tem
um passado, relembram histórias e vivências antigas.
As flores – não as de
verde-pinho – são, afinal, lembranças de um tempo que viveram e do qual querem
transmitir a memória aos presentes e vindouros.
Tempo de mocidade,
alegria, de trabalho duro e mal pago, mas mesmo assim, recordado em quadras de
fino recorte popular que as mulheres da Fonte Nova, foram decorando para o papel.
Bom dia D. Sebastiana,
Maria José, Coleta, Francisca,Teodolinda, Maria Luísa, Maria José, Liberata, e
também, Ana da Conceição! Gostei de vos encontrar, um ano depois, partilhar
convosco a beleza e encanto, a magia, que puseram nessa tarefa tão simples e
tão complexa que é transmitir, na poesia das flores, uma vida nova, à velha
fonte que dá nome à rua da Fonte Nova.
A Fonte Nova, as fontes de Alpalhão estão
lindas! Mantenham-nas, sempre, assim e, enquanto viverem, não se esqueçam de
“ir buscar a D. Rosa à estação!”.
Mário Mendes in
"Jornal de Nisa" nº 231 - 9/5/2007