quinta-feira, 5 de maio de 2016

HISTÓRIA - O Caminho de ferro em Nisa: pretensão não satisfeita


Proposta do deputado nisense Mário de Miranda Monteiro - 1906


Mário Augusto de Miranda Monteiro, natural de Carregal do Sal, foi presidente da Câmara Municipal de Nisa, a ele se devendo a plantação dos plátanos do Rossio em 1910, ano da implantação da República. Monárquico, foi deputado na Câmara dos Deputados e ali produziu importantes intervenções em defesa dos interesses dos distrito de Portalegre e de Nisa, em particular.
A que reproduzimos, diz respeito às obras de construção do caminho de ferro entre Estremoz, Portalegre e Castelo de Vide, uma via ferroviária pela qual se bateu e defendeu a sua extensão a Nisa e daqui à linha da Beira Baixa. Uma proposta que foi discutida em diversas sessões da Câmara dos Deputados e que nunca conseguiu ver concretizada.
O Sr. Presidente
: - Vou dar a palavra ao Sr. Mário Monteiro para realizar o seu aviso prévio ao Sr. Ministro das Obras Publicas, antes, porém declaro á Câmara que abro inscrição para os Srs. Deputados que queiram usar da palavra antes da ordem do dia.
Foi aberta a inscrição.
O Sr. Mário Monteiro
: - Sr. Presidente: vou ser o mais resumido possível na exposição que tenho a fazer, já porque entendo que todos os assuntos, ainda os mais importantes, podem ser tratados em poucas palavras, já porque quero deixar tempo disponível para o illustre Ministro das Obras Publicas poder responder ás minhas perguntas, numa resposta que desejo clara, positiva e categórica, e ainda porque não desejo prejudicar outros illustres Deputados que se inscreveram para antes da ordem do dia.
O assunto sobre que ou desejo chamar a attenção do Sr. Ministro das Obras Publicas é o seguinte: (Leu).
Por esta singela exposição vê o illustre Ministro que o assunto se encontra já muito regulado em diplomas públicos emanados do Estado.
O ultimo é o contrato realizado entre o Estado e o adjudicatario José Pedro de Mattos, para a construcção e exploração do caminho de ferro de Estremóz a Portalegre, com prolongamento até Castello de Vide, e de via reduzida.
Vão decorridos quasi tres annos desde que o contrato se realizou, e, não obstante isso, o que é certo é que esse caminho de ferro continua no papel, apesar das ardentes reclamações d'aquelles povos, que veem na realização d'elle a sua mais justa aspiração.
Seria rematada loucura querer attribuir ao actual Ministro das Obras Publicas qualquer responsabilidade nestes acontecimentos. O que eu peço a S. Exa. é todo o seu concurso será que este caminho de ferro se realize, tanto mais que, como se acha disposto e regulado, não exige que o Estado despenda sequer 5 réis.
Pouco tempo depois de feito o contrato, reconheceu-se que não era viavel a via reduzida, como tinha sido adjudicada, e perante as reclamações dos povos, feitas, aos poderes publicos por intermédio de diversas commissões, solicitou se instantemente do Governo que a concessão, que era de via reduzida, fosse transformada em via larga, e que o troço do caminho de ferro, que devia partir de Fronteira até Avis, partisse de Sousel.


Estas duas reclamações eram tambem apoiadas pelo adjudicatario, e foram consideradas como a solução mais viavel do problema.
Ao mesmo tempo, por indicação minha, deliberou-se solicitar tambem o prolongamento da linha desde Castello de Vide, passando próximo de Nisa, quanto possivel, e seguindo até encontrar a linha da Beira Baixa.
Se eu tivesse na minha frente um mappa, bastava indicar o trajecto para que toda a Camara pudesse ver a conveniencia desse prolongamento e a vantagem de tão pequeno troço, que não teria mais de 30 kilometros e que evitaria ás mercadorias e passageiros uma volta de 100 kilometros que actualmente dão, tendo de descer o ramal de Caceres até Torres das Vargens, seguindo depois até Abrantes e d'ahi até em frente de Castello de Vide, pouco mais ou menos, a Villa Velha de Rodam.
De forma que tudo indicava que effectivamente se fazia um caminho de ferro de norte a sul, prolongando-se a linha de Estremóz a Portalegre.
As linhas que se encontram no mappa, desde Castello de Vide até a linha da Beira Baixa, representam a configuração de um saco, e a distancia entre essas linhas representa o atilho desse saco.
Tão util era o melhoramento que eu propunha, que foi recebido com applauso da commissão e apoiada a ideia pelo Ministro das Obras Publicas de então, o Sr. Conselheiro D. João de Alarcão, que disse que não teria duvida, depois de estudar o assunto, em satisfazer os pedidos feitos; isto é, a determinar a transformação da via reduzida para via larga e a permittir o prolongamento da linha até encontrar a da Beira Baixa, passando o mais proximo possivel de Nisa.
Na occasião em que foi recebida a commissão, estava junto do Ministro das Obras Publicas de então o seu secretario technico, o Sr. Rodrigues Nogueira, que apoiou as minhas palavras, dizendo que effectivamente era um melhoramento muito util e que era conveniente deferir as aspirações dos povos do districto de Portalegre.
Foi ouvida a este respeito a commissão superior de guerra, a qual foi de opinião de que não havia inconveniente em se fazer a transformação de via reduzida em via larga, porque já havia linhas de penetração no nosso país.
Mais tarde fui informado de que estavam removidas todas as difficuldades, mas que se tinha mandado ouvir a Companhia Real, que pelo seu contrato de 1856 tinha o direito de se oppor á construcção, dentro de uma determinada zona de protecção, de linhas parallelas ás suas e que pudessem fazer-lhes concorrencia.
A objecção que se apresentava é que se tinha mandado ouvir a Companhia Real, mas eu nessa occasião observei que a Companhia não tinha direito de ser ouvida a este respeito.
Tinha a linha de ser concorrente com a sua numa extensão de cerca de 40 kilometros.
Comprehende-se que nestas circunstancias era preciso favorecer a Companhia Real dos Caminhos de Ferro, concedendo-lhe uma zona de largura, mas sem o exclusivo do trafego, e assim estabeleceu-se que a Companhia Real tinha direito á construcção da linha férrea, por ella correr parallela. Mas não é assim, porque a linha de Estremoz a Portalegre e Castello de Vide, longe de parallela, atravessa a linha da Companhia Real em dois pontos; portanto, em vez de- parallela, é perpendicular ás linhas da Companhia Real dos Caminhos de Ferro. Não está, pois incluida nas condições em que a Companhia Real tem direito a oppor-se, e por isso não tem de ser ouvida a Companhia Real. Se se fizesse, era reconhecer a uma Companhia uma soberania que não pode ter em face das leis do país.
Por consequencia o Governo tem incontestavel direito, em face das leis do pais, em deferir o pedido que eu apresento em nome da região de Portalegre para transformar a linha de via reduzida em via larga. Para isso não é preciso o assentimento da Companhia Real dos Caminhos de Ferro, sendo perfeitamente indiscutivel esse direito.
Parece que assim se reconheceu, e tanto que tempo depois fui informado de que o Sr. Ministro das Obras Publicas se achava effectivamente disposto a satisfazer ao pedido que lhe era feito pelo districto de Portalegre. Na verdade determinou-se que a linha fosse transformada de via reduzida em via larga, e tambem que fosse satisfeito o meu pedido especial, reclamado pela commissão para que a linha fosse prolongada de Castello de Vide até entroncar em qualquer ponto na linha da Beira Baixa, passando o mais possivel por Nisa.
Não havia, portanto, tambem difficuldades quanto ao deferimento nesta parte, das pretensões do districto de Portalegre.
Pouco depois caiu o Ministerio progressista e veio o Ministerio regenerador, que durou apenas no poder cincoenta e oito dias, não havendo portanto occasião para os dois Ministros das Obras Publicas satisfazerem as pretenções dos povos do districto de Portalegre.
Acha-se agora no poder o Ministerio regenerador-liberal e por isso me dirijo ao Sr, Ministro das Obras Publicas, formulando as seguintes perguntas:
Primeira: Está S. Exa. decidido já satisfazer os pedidos e reclamações dos povos do districto de Portalegre, mandando transformar a via reduzida em via larga, no que respeita á linha ferrea de Estremoz áquella cidade, como os Ministros seus antecessores estavam dispostos a fazer?
Segunda: Está S. Exa. disposto, como parece estava o Sr. D. João de Alarcão, a deferir as justas aspirações d'aquelle districto, determinando, por decreto, o prolongamento d'aquella linha ferrea até a linha da Beira Baixa, introduzindo este prolongamento no plano das linhas ferreas do Estado?
Terceira: No caso de S. Exa. não estar disposto a satisfazer nenhuma d'essas aspirações, está resolvido a fazer com que o concessionario José Pedro de Matos cumpra o seu contrato, dando prontos os seus trabalhos no prazo estabelecido e construindo a via reduzida?
Quarta: No caso do concessionario não se conformar com esta deliberação, está S. Exa. resolvido a rescindir o contrato, fazendo reverter para o Estado o respectivo deposito e a abrir novo concurso sobre a base da via larga?
São estas as perguntas que dirijo ao Sr. Ministro das Obras Publicas, desejando ouvir respostas claras e categóricas, como é próprio da sua intelligencia e illustração.
(O orador não reviu).
O Sr. Ministro das Obras Publicas (Malheiro Reymão):
- Eu poderia limitar-me a responder ás interrogações que S. Exa. se dignou formular, mas ha um ponto essencial para que necessito chamar a sua attenção: é que a concessão da linha de Estremoz a Portalegre foi feita em concurso publico, em que appareceram differentes concorrentes e não se tratou apenas da adjudicação ou concessão dessa linha, mas tambem do primeiro troço da linha do Sorraia, isto é de uma linha que ia desde Fronteira até Avis com a faculdade, para o Governo, de a prolongar até Mora, e obrigação para o concessionario, de construir esse segundo troço. Foram estas as obrigações contrahidas pelo concessionario. A linha de Sorraia é uma linha que fica dentro da zona de protecção dada á Companhia Real e, consequentemente, não se pode proceder á construcção d'essa linha sem haver acquiescencia, consentimento ou concordancia da mesma Companhia Real.
Feita assim a concessão, que constituo um todo unico, homogeneo, não é direito nosso alterá-la, porque é um contrato que hoje não representa os interesses do actual concessionario e dó Governo, mas d'aquelles que a esse concurso foram, e que não podem ver que amanhã se modifiquem as condições em beneficio do concessionario a quem foi dada a adjudicação. Assim eu não posso, e desta forma já respondo a uma das interrogações de S. Exa., transformar essa concessão em uma concessão mais favoravel para o concessionario, desligando-o do compromisso que elle tomou de construir um primeiro troço da linha que está já construida...
O Sr. Mário Monteiro
: - Sobre isso não temos duvidas, mas o que eu peço a V. Exa. é que faça cumprir essa condição.
N'esse ponto eu reconheço o direito que a Companhia Real tem de se oppor á construcção de uma linha de via larga, e peço a V. Exa. que solicite da Companhia Real o seu assentimento; e, no caso d'ella o negar, então seja o concessionario obrigado a construir a linha nos termos em que foi concedida. Nós preferimos o caminho de ferro de via larga, mas o que queremos é um caminho de ferro.
O Orador
: - Como a primeira interrogação que S. Exa. me dirigiu era se eu estava disposto à consentir a construcção do caminho de ferro de Estremoz a Portalegre, de via larga, eu tinha de expor as considerações que fiz para chegar á conclusão de que não me parecia que fosse do meu direito fazer essa alteração fundamental...
O Sr. Mario Monteiro
: - Nem com o consentimento, da Companhia Real?
O Orador
: - Com o consentimento da Companhia Real, sim. V. Exa. disse que a Companhia Real não tem nada que ver neste caso, mas V. Exa., por esquecimento, alludiu apenas á construcção da linha de Extremoz a Portalegre; dentro d'essa construcção, porem, comprehende-se a construcção do primeiro troço de Sorraia.
E aqui temos nós naturalmente a razão pela qual foi consultada pelo meu antecessor, a propósito da concessão, a Companhia Real dos Caminhos de Ferro Portugueses, sobre se permittia que se alterassem os termos da concessão feita a José Pedro de Matos, consentindo que essa linha fosse construida de via larga em Jogar de reduzida, conforme lhe havia sido dada.
A Companhia Real manteve portanto a sua opposição, e diz que não pode consentir que essa linha seja feita de via larga...
O Sr. Mario Monteiro
: - Eu não quero de forma alguma embaraçar a lucida exposição que está fazendo o Sr. Ministro das Obras Publicas, e na maneira como estou insistindo n'este assunto não veja S. Exa. senão a vontade que tenho de que as reclamações dos povos, que tenho a honra de representar em Côrtes, sejam attendidas.
É preciso fazer alguma cousa, o stata que é que de maneira nenhuma pode continuar.
Ha tres annos que esse caminho de ferro devia ser uma realidade, mas não o é, e quem sabe os annos que ainda para tal levará.
Eu não sei se comprehendi bem a exposição de V. Exa. V. Exa. reconhece que a companhia não tem direito a ser ouvida quanto á realização do caminho de ferro de via larga de Estremoz a Portalegre e que V. Exa. reconheceu tambem o que eu reconheço: que a companhia effectivamente tem o direito a ser ouvida relativamente ao ramal de Sorraia, nos termos em que pedimos que seja, de via larga, porque tem linhas que incidem parallelamente com esse ramal. Mas agora pergunto: como a companhia não tem nada que se oppor á constrncção de via larga do caminho de ferro de Estremoz a Portalegre, está S. Exa. disposto a conceder de via larga esse caminho de ferro, continuando de via reduzida até o Sorraia?
O Orador:
- O illustre Deputado não me embaraça nada, mas eu devo dizer que a concessão é só uma, e a Companhia Real oppõe-se a que seja construido o caminho de ferro de Estremoz a Portalegre de via larga, porque de via larga ou estreita está no seu direito o impedi-la no primeiro troço do Sorraia.
Por consequencia, eu não posso deferir que a linha do Estremoz a Portalegre se faça de via larga; é uma alteração essencial dos termos da concessão, e na qual o Governo não deve ter interferencia, como aliás seria desejavel, porque altera formalmente a estructura do contrato, que o próprio Governo é obrigado a fazer cumprir. E assim respondo a todas as interrogações feitas pelo illustre Deputado o Sr. Mario Monteiro.
O projecto para a construcção d'essas linhas ferreas foi assinado em 28 de janeiro de 1900, ha tres annos.
Qual poderá ser então a minha acção junto do concessionario, se elle já deu andamento aos trabalhos, e até inclusivamente levantou o deposito, visto já os ter iniciado?
Nada tenho a fazer senão esperar que o prazo termine.
O Sr. Mario Monteiro
: - Desculpe V. Exa. o eu ser impertinente.
Isso é uma illusão de V. Exa. O concessionario não realiza-o, caminho de ferro de via estreita, porque não tem dinheiro para isso e a prova é que elle pretende organizar uma empresa francesa para construir as linhas; esta porem recusa-se a dar dinheiro, se as linhas; não forem de via larga.
O Orador
: - A transferencia da concessão foi já autorizada por portaria de 20 de maio de 1905, e já estão feitos trabalhos importantes.
O Sr. Mario Monteiro: - São trabalhos insignificantes; convença-se V. Exa. que elle não concluo essa linha.
O que eu desejo apenas é que V. Exa. convencido disto, empregue todos os seus esforços para _que elle conclua o mais rapidamente possivel a obra. É este o meu desejo.
O Orador
: - O que quer V. Exa. que eu faça, se elle já iniciou a sua obra e ainda tem um longo prazo para a concluir?
Eu pessoalmente, e como Ministro das Obras Publicas, tenho o maior empenho em que essa obra se conclua o mais rápido possivel, mas tambem V. Exa. comprehende perfeitamente que eu como Ministro, não posso fazer pedir officiosos ao concessionario, a quem tenho de exigir o cumprimento do contrato.
Repito a V. Exa. novamente, e mesmo porque quero deixar ficar este ponto bem accentuado, que o meu maior desejo é que essas obras se concluam rapidamente, mas parece-me que é aos representantes d'aquella região que compete empregar os seus esforços nesse sentido, na certeza porem que não lhes ha de faltar o meu apoio e a minha boa vontade, emquanto eu tiver a honra de occupar esta cadeira.
O Sr. Mario Monteiro: - V. Exa. dá-me licença?
E unicamente para lembrar a V. Exa. que me parece que se esqueceu de dar resposta a esta minha pergunta: se está disposto a decretar o prolongamento da linha de Estremoz a Portalegre, até a linha da Beira Baixa, aproximando-se o mais possivel de Nisa?
O Orador: - Não posso responder directamente ao illustre Deputado, porque essa pergunta não constava do seu aviso previo.
Em todo o caso parece-me que esse prolongamento era um beneficio que se dava ao concessionario.
Isso é uma questão de pouca monta. E ainda uma cousa para se estudar.
Em tempo opportuno direi a V. Exa. o que entendo sobre o caso.
Por emquanto não me considero habilitado para responder sobre um assunto de tanta delicadeza.
Diário da Câmara dos Deputados -12/11/1906 – Págs 0003/0004/0005