terça-feira, 31 de maio de 2016

CRÓNICAS DE ANGOLA: Carlos Cebola e o Rancho das Cantarinhas

(...) Esta saudade encheu de tal modo os alentejano radicados, aqui, que exigiu um lenitivo que a mitigasse. Bastou, apenas, uma breve e simples reunião, e a Casa do Alentejo, em Luanda, é uma realidade. Sobre ela falaremos em próxima crónica. O assunto só aqui aparece porque foi lá, na Casa do Alentejo, que li, em vários jornais alentejanos, muitas coisas sobre o “Rancho das Cantarinhas de Nisa”.
Começo por dizer que nunca o vi actuar. Na única ocasião que me teria sido possível, em Elvas, e devido aos preparativos da apresentação de “Quinto Mandamento”, não pude ver, ouvir, nem aplaudir o Rancho. Logo que me foi possível, ainda corri ao local, mas, apenas para ver desfilar, entre aplausos, a sinfonia de beleza, garridice e garbo que eram os rostos das nossas raparigas, os xailes e as saias de barras multicolores e as jaquetas pretas dos rapazes.
No entanto, tenho acompanhado, passo a passo, o Rancho de Nisa, na sua ascensão pelos caminhos do êxito. Nos jornais, que chegam, e nas cartas de meu pai, de vez em quando, o Rancho aparece.
Ora, nesta crónica, eu quero falar sobre o “Rancho”.
Já disse e repito, com mágoa, que nunca o vi actuar.
Digo, agora, que não conheço o seu dinâmico e talentoso director. Mas tudo isto pouco ou nada importa. Quero falar do Rancho porque ele (RANCHO) diz-me respeito; porque sou de Nisa e o RANCHO é NISA, em qualquer parte que se apresente. E é só por esta última razão que pretendo escrever aquilo que (parece-me) já devia ter escrito.
Pelo que sei, esse magnífico cartão turístico-artístico da minha terra vive da “carolice” de um director (que nem é de Nisa) e dos pais e mães que autorizam e acompanham as filhas e os filhos.
Mas Nisa (e, aqui, Nisa são todos os senhores “quem de direito”) tem, em relação ao Rancho, obrigações a que não pode eximir-se nem pretender ignorar, sequer.
O Rancho é Nisa. E Nisa não é, nem pode ser, a “carolice” de uns quantos. Nisa tem tradições, tem direitos, tem deveres, tem um nome e uma posição. Tradições, direitos, deveres, nome e posição que todos os verdadeiros nisenses (os nizorros) tão, orgulhosamente, defendem.
Modestamente embora, tenho dado a minha contribuição. Através da Rádio, Imprensa e Televisão levei já o nome de Nisa a mais que um continente e muito para além das nossas fronteiras. Por isso, e só por isso, sinto que alguma autoridade moral me assiste. Eis porque estou, agora, a “quebrar lanças” pelo Rancho.
É preciso que o Rancho seja Nisa. Nisa toda inteira (do alto da Estrada de Alpalhão ao Dafundo, da Fonte do Frade à Fonte da Pipa, do café do Miguel ao salão nobre da Câmara Municipal). Creio que todos me estão a entender. É preciso que o Rancho mereça mais carinho e interesse de TODOS.
É preciso que, quem pode, manda e deve, olhe o nosso Rancho como algo de precioso que temo de guardar e defender, avaramente, como uma jóia rara.
Pelo que sei, o Rancho vive (ou tem vivido) como um órfão à procura de mãe ou como um passarinho à procura de ninho.
Porquê? A Câmara não será rica e a manutenção do Rancho é dispendiosa. Certo. Mas mais pobres são os pobres que o organizaram, desenvolveram e têm conduzido, de terra em terra, contando por êxitos as exibições feitas. Se “quem de direito” aguardava factos, eles estão à vista. Vêm nos jornais e até chegam à África. Vamos. Tornemos o Rancho naquilo que deve ser e naquilo que, é preciso, ele seja: um património que é urgente defender e conservar, como a Torre da Porta de Montalvão.
E, se esta ameaça ruína só porque os monumentos nacionais a esquecem, que o Rancho continue, sempre mais de pé, porque a própria Câmara lhe pode dar “carta de alforria”. Pode, deve e... não terá obrigação de fazê-lo? Não está em jogo o nome da terra e a formação da juventude?
É preciso que apareça uma verba anual (ou mensal) para trajos, adereços, ensaios, viagens. (Há tantas verbas mal gastas, por vezes!).
É preciso, ainda, que se arranje dessa verba (ou de outra) um subsídio, um ordenado que prenda mais a Nisa, esse homem que se chama Rodrigues Correia, que eu não conheço mas por quem levanto a voz pelo que ele tem feito por uma terra que não é dele mas é minha. É nossa.
É preciso... Bem. Para já, era preciso dizer certas coisas. Estão ditas. Até para que não aconteça ao “Rancho das Cantarinhas” o que, infelizmente, acontece (ou aconteceu) com esse precioso grupo dos “Corcovados” – único no país – que podia ser outro grande cartaz de Nisa e afinal...
Vai longa esta crónica e não tenho o direito de abusar.
Talvez, noutra ocasião, volte ao assunto. Mas, quando voltasse a fazê-lo, gostaria que fosse para regozijar-me com o facto de estas linhas terem conseguido que se fizesse o que, já devia ter sido feito.
Só assim, Nisa poderá contar, como certo, com algo mais do que orgulhar-se. E nós (nizorros) também.
Carlos Tomás Cebola - Crónica de Angola in “Correio de Nisa” - 21/10/1967