(...) Esta
saudade encheu de tal modo os alentejano radicados, aqui, que exigiu um
lenitivo que a mitigasse. Bastou, apenas, uma breve e simples reunião, e a Casa
do Alentejo, em Luanda, é uma realidade. Sobre ela falaremos em próxima
crónica. O assunto só aqui aparece porque foi lá, na Casa do Alentejo, que li,
em vários jornais alentejanos, muitas coisas sobre o “Rancho das Cantarinhas de
Nisa”.
Começo por dizer que nunca o vi actuar. Na única
ocasião que me teria sido possível, em Elvas, e devido aos preparativos da
apresentação de “Quinto Mandamento”, não pude ver, ouvir, nem aplaudir o
Rancho. Logo que me foi possível, ainda corri ao local, mas, apenas para ver
desfilar, entre aplausos, a sinfonia de beleza, garridice e garbo que eram os
rostos das nossas raparigas, os xailes e as saias de barras multicolores e as
jaquetas pretas dos rapazes.
No entanto, tenho acompanhado, passo a passo, o
Rancho de Nisa, na sua ascensão pelos caminhos do êxito. Nos jornais, que
chegam, e nas cartas de meu pai, de vez em quando, o Rancho aparece.
Ora, nesta crónica, eu quero falar sobre o
“Rancho”.
Já disse e repito, com mágoa, que nunca o vi
actuar.
Digo, agora, que não conheço o seu dinâmico e
talentoso director. Mas tudo isto pouco ou nada importa. Quero falar do Rancho
porque ele (RANCHO) diz-me respeito; porque sou de Nisa e o RANCHO é NISA, em
qualquer parte que se apresente. E é só por esta última razão que pretendo
escrever aquilo que (parece-me) já devia ter escrito.
Pelo que sei, esse magnífico cartão
turístico-artístico da minha terra vive da “carolice” de um director (que nem é
de Nisa) e dos pais e mães que autorizam e acompanham as filhas e os filhos.
Mas Nisa (e, aqui, Nisa são todos os senhores “quem
de direito”) tem, em relação ao Rancho, obrigações a que não pode eximir-se nem
pretender ignorar, sequer.
O Rancho é Nisa. E Nisa não é, nem pode ser, a “carolice”
de uns quantos. Nisa tem tradições, tem direitos, tem deveres, tem um nome e
uma posição. Tradições, direitos, deveres, nome e posição que todos os
verdadeiros nisenses (os nizorros) tão, orgulhosamente, defendem.
Modestamente embora, tenho dado a minha
contribuição. Através da Rádio, Imprensa e Televisão levei já o nome de Nisa a
mais que um continente e muito para além das nossas fronteiras. Por isso, e só
por isso, sinto que alguma autoridade moral me assiste. Eis porque estou,
agora, a “quebrar lanças” pelo Rancho.
É preciso que o Rancho seja Nisa. Nisa toda inteira
(do alto da Estrada de Alpalhão ao Dafundo, da Fonte do Frade à Fonte da Pipa,
do café do Miguel ao salão nobre da Câmara Municipal). Creio que todos me estão
a entender. É preciso que o Rancho mereça mais carinho e interesse de TODOS.
É preciso que, quem pode, manda e deve, olhe o
nosso Rancho como algo de precioso que temo de guardar e defender, avaramente,
como uma jóia rara.
Pelo que sei, o Rancho vive (ou tem vivido) como um
órfão à procura de mãe ou como um passarinho à procura de ninho.
Porquê? A Câmara não será rica e a manutenção do
Rancho é dispendiosa. Certo. Mas mais pobres são os pobres que o organizaram,
desenvolveram e têm conduzido, de terra em terra, contando por êxitos as
exibições feitas. Se “quem de direito” aguardava factos, eles estão à vista.
Vêm nos jornais e até chegam à África. Vamos. Tornemos o Rancho naquilo que
deve ser e naquilo que, é preciso, ele seja: um património que é urgente
defender e conservar, como a Torre da Porta de Montalvão.
E, se esta ameaça ruína só porque os monumentos
nacionais a esquecem, que o Rancho continue, sempre mais de pé, porque a
própria Câmara lhe pode dar “carta de alforria”. Pode, deve e... não terá
obrigação de fazê-lo? Não está em jogo o nome da terra e a formação da
juventude?
É preciso que apareça uma verba anual (ou mensal)
para trajos, adereços, ensaios, viagens. (Há tantas verbas mal gastas, por
vezes!).
É preciso, ainda, que se arranje dessa verba (ou de
outra) um subsídio, um ordenado que prenda mais a Nisa, esse homem que se chama
Rodrigues Correia, que eu não conheço mas por quem levanto a voz pelo que ele
tem feito por uma terra que não é dele mas é minha. É nossa.
É preciso... Bem. Para já, era preciso dizer certas
coisas. Estão ditas. Até para que não aconteça ao “Rancho das Cantarinhas” o
que, infelizmente, acontece (ou aconteceu) com esse precioso grupo dos
“Corcovados” – único no país – que podia ser outro grande cartaz de Nisa e
afinal...
Vai longa esta crónica e não tenho o direito de
abusar.
Talvez, noutra ocasião, volte ao assunto. Mas,
quando voltasse a fazê-lo, gostaria que fosse para regozijar-me com o facto de
estas linhas terem conseguido que se fizesse o que, já devia ter sido feito.
Só assim, Nisa poderá contar, como certo, com algo
mais do que orgulhar-se. E nós (nizorros) também.
Carlos Tomás Cebola - Crónica de Angola in “Correio
de Nisa” - 21/10/1967