segunda-feira, 1 de agosto de 2016

MEMÓRIA: Vultos da História Nisense (1)

Álvaro Semedo e a projecção internacional do seu papel na História
Não pouco literatos, bibliógrafos e bibliófilos, apaixonados pela História, conhecem o nome de Álvaro Semedo, no todo do seu exemplo e da sua obra. Porém, nunca será demasiado relembrá-lo sugestivamente aos que o leram e ensiná-los ou ajudá-los a fixar àqueles que, por mercê de constantes e inúmeros afazeres quotidianos, não possam dedicar-se à benéfica e curiosa interpretação da sua eminente figura de alentejano.
Ela emerge da planura morna e projecta-se gigantescamente para além dos confins dos povos... Aí se forma e avoluma, antes que o significado indelével do seu exemplo seja laureado e conhecido pela Europa inteira.
A sua obra de homem de Letras é imperecível e ímpar na originalidade; o seu proceder e conduta de ministro de Deus e da Igreja é dignificante e sublime, num símbolo raro de dedicação à humanidade.
Álvaro Semedo nascera em Nisa, no decorrer do ano de 1585. Filho de Fernão Gomes e Leonor Vaz, ambos descendentes de famílias abastadas desta vila, cedo o seu espírito acordou para as Letras, começando, ainda adolescente, a dedicar-se à leitura e investigação de alfarrábios e manuscritos. Resolvera, depois, professar na Companhia de Jesus. Inscrevera-se no Colégio de Évora, a 30 de Abril de 1602. Distinguindo-se, mais tarde, como óptimo aluno de filosofia e humanidades, merecera a simpatia e a amizade pessoal do reitor, o qual, cedendo aos seus rogos, o deixara partir com alguns missionários que se dirigiam ao Oriente.
Chegado à Índia, matriculou-se no Colégio da Ordem, onde se ordenou sacerdote. Pouco depois, penetrava na China e aí começou a desenvolver toda a sua obra no sentido da propagação da Fé e, ao mesmo tempo, na concepção de fazer chegar aos povos distantes da civilizada Europa, a história, os costumes de tão remotas e ignotas gentes.
Para isso, entabulou conhecimentos e tratou piedosamente com o gentio, no fim único de o imiscuir adentro da civilização e do cristianismo, suportando torturas sem nome na revolta de Nanquim (1617) e sendo escorraçado para Macau. Todavia, a China misteriosa e o negrume da sua história quase legendária eram o seu sonho e a sua vida. Regressando à cidade de Nanquim e voltando aos deveres de missionário, empreendeu uma série de estudos sobre a monarquia chinesa. Daí proveio o célebre livro de sua autoria Relação da Grande Monarquia da China com edição esgotada e muito raro. (1)
Foi traduzido para o espanhol por Manuel de Faria e Sousa, com o título de Império de la China y cultura evangélica en el por los religiosos de la Companhia de Jesus, sacado de las noticias del padre Álvaro Semedo; para italiano, por Hermano Scheus (1643); para francês por Luís Cullon (1655), e ainda para inglês. Porém, a sua obra literária não compreende apenas esta, de renome internacional.
Existe outro seu volume – Cartas Anuais – aonde o autor relata, em primoroso estilo epistolar, o evoluir progressivo das Missões na China e alguns factos com elas relacionados. Publicaram-se ainda, também de sua autoria, dois dicionários incompletos – Dicionário Sínico Lusitano e Lusitano Sínico – porquanto a morte o surpreendeu, antes de devidamente coligidos e completados.
No apogeu de carreira brilhante, foi Álvaro Semedo chamado a Portugal pela Companhia de Jesus que o nomeou procurador a Roma. Desempenhando-se digna e sapientemente da sua missão era, mais tarde, nomeado provincial e visitador das Missões na China.
Aí morreu aos 6 de Maio do ano de 1658. (2)
Carlos Franco Figueiredo in Revista Alentejana –nº 270 – Out. 1959
NOTAS
(1) - ...O manuscrito de Álvaro Semedo, concluído em 1637, conheceu a primeira edição em castelhano (1642), várias edições em italiano (1643, 1653, 1667 e 1678) em inglês (1655), em francês (1645, 1667) e em holandês (1670). Provavelmente existirão edições noutras línguas. Em português, só em 1956, e por iniciativa de Luis Gonzaga Gomes. Porém, em 1731, dera ao prelo, em jeito de descargo de consciência, uma edição sintética da obra da responsabilidade de Manoel de Faria e Sousa. Registe-se aquilo que os ingleses sublinham logo após o título da obra de Semedo: «História da Grande e Reputada Monarquia da China... escrita em italiano por F. Alvarez Semedo, um português.... traduzida agora para inglês, por pessoa competente,.... com o objectivo de satisfazer os curiosos e engrandecer o comércio da Grã Bretanha». Sempre presente, o conhecido pragmatismo britânico.
Joaquim Magalhães de Castro in "O Clarim" - 27/6/08
(2) - A Câmara Municipal de Nisa, na reunião de 7 de Junho de 2006 aprovou por unanimidade a atribuição do nome do Padre Álvaro Semedo à (ainda) actual Zona F do Bairro da Cevadeira.
Tarda a perpetuar com a honra e o brio que merece, o nome de Álvaro Semedo na toponímia de Nisa. Para que não restem dúvidas transcrevemos a parte da acta referente ao ilustre nisense:
Acta 12 – Reunião de 7 de Junho de 2006
Relativamente ao assunto a que acima se faz referência, tendo em conta o número de novas edificações erigidas, bem como a criação de algumas urbanizações, tanto em Nisa como um pouco por todo o concelho e tendo-se a consciência que é necessário disciplinar a toponímia e conforme conteúdo da Informação/ Proposta Nº 145/06, datada do dia 8 de Março do ano em urso, da Divisão de Projectos e Urbanismo, cuja cópia fica arquivada em pasta anexa à presente acta, a Câmara reunida aprova, por unanimidade e após pareceres das respectivas Juntas de Freguesia, a atribuição de nomes e numeração de polícia às ruas, largos, praças e urbanizações das localidades a seguir indicadas:
(...) Na Urbanização da Cevadeira (...) à actual Zona F, será atribuído o nome de “Rua Padre Álvaro Semedo”.
Seis anos passados esta deliberação e muitas outras referentes a nomes de ruas estão por cumprir. Até quando?
Mário Mendes (1 Dez. 2012)