segunda-feira, 15 de agosto de 2016

NISA - GENTE DA MINHA TERRA - José Casimiro

“ Corri meio mundo pela música e pelo futebol”
José Casimiro da Piedade Bicho, nasceu em Nisa, há 77 anos.
Andou na Escola do Rossio, aprendeu as primeiras letras com o professor Camilo, pisou, descalço, os caminhos e azinhagas que o levavam à brincadeira e à aventura, quando não havia bola de trapos para pontapear. A rua era, na década de 30, o espaço natural de convívio, experiências e crescimento. Com o pai, aprendeu a arte de carpinteiro e tomou o gosto pela música. Uma paixão que durante a vida lhe garantiu uma parte do sustento, mas que teve que dividir com outra: o futebol. Em “Gente da Minha Terra”, José Casimiro, começa por nos lembrar alguns dos tempos da sua infância
“Nasci na rua Direita e frequentei a Escola Primária do Rossio, tendo como mestre o professor Camilo.
O jogo da bola era a nossa principal brincadeira. Jogávamos à bola nos Postigos, ao lado do Cinema, no largo da Escola, onde calhava e não implicassem connosco. As bolas eram as famosas “trapeiras”. Eu roubava meias velhas à minha mãe e enchíamos-las de trapos. Era assim naquele tempo, não havia dinheiro para o essencial, quanto mais para bolas.”
Paixão pelo futebol e pela... música
José Casimiro teve sempre a música como companheira de infância. O pai e a vizinhança não deixavam passar, um dia que fosse sem que os acordes musicais da trompete, do saxofone, do banjo ou da concertina alegrassem as ruas próximas da Praça do Município.
“Posso dizer que nasci num ambiente “musical” e este acabou por me influenciar e dar um rumo à minha vida. O meu pai era o homem dos sete instrumentos e tocava desde o saxofone ao banjo e acordeão.
O meu grande sonho era jogar à bola. Tinha jeito, jogava a avançado e marcava muitos golos, mas o meu pai teimava comigo pois queria que eu fosse músico. Ainda aprendi clarinete na banda de música com o mestre Franco, mas foi a tocar acordeão que me tornei conhecido e ganhei alguns tostões ainda na minha juventude. Foi o meu pai que me ensinou e ainda me lembro do primeiro serviço que fiz, com 13 ou 14 anos, o casamento do ti Laquim. Dois dias de festa, a tocar no acompanhamento e nos bailes.
Assim que acabei a instrução primária comecei a aprender a arte de carpinteiro e marceneiro com o meu pai. Aos sábados e domingos havia bola e bailes à noite.
Percorri o concelho de Nisa e outras terras vizinhas a tocar em bailaricos, casamentos, e acompanhamento dos rapazes que iam tirar “sortes”
No princípio dos anos 40 formou-se um clube popular, os Canários, e eu fui um dos fundadores. Não tínhamos sede nem nada, juntávamos-nos só para jogar futebol. Pagávamos uma quota simbólica, para podermos comprar uma bola e sempre que havia jogo, lá ia eu pedir umas pontas de sapateiro e uma sovela ao ti Augusto Calhabré para podermos dar uns pontos na bola se ela rebentasse.
Com 17 ou 18 anos comecei a jogar no Nisa e Benfica e posso dizer que tínhamos uma grande equipa. Naquela altura não havia provas oficiais nem as “camadas jovens”. Foi pena porque havia muita rapaziada com jeito e vontade de jogar futebol. Jogávamos em muitas terras do distrito, desde Arronches, Gáfete, Portalegre e tantas outras, e íamos a Espanha, a Valência de Alcântara, disputar um torneio nas festas de Verão. Uma das vezes em que ganhámos o torneio marquei dois golos.
No futebol e em competições oficiais joguei na Casa do Povo da Urra e fomos campeões regionais da FNAT, sendo eliminados pela Companhia dos Telefones (Lisboa) que era uma autêntica selecção de jogadores veteranos e que passaram pela 1ª Divisão nacional.
Eu gostava muito de futebol e chegava a vir de Lisboa, de propósito só para jogar.”
Como muitos jovens do seu tempo, José Casimiro teve de sair da sua terra e procurar novos horizontes para o futuro que começara a construir.
“Estive em Nisa a trabalhar até 1960, ano em que entrei para a Carris, como motorista.
Em Nisa, tinha o ofício de carpinteiro e tocava em bailes, festas e “sortes” por todo o distrito.
A par do futebol, acabei por agarrar a concertina com as duas mãos. O meu pai ensinou-me e durante a vida fui sempre um autodidacta. Na tropa, durante 29 meses, também aprendi muito, pois tinha uma grande facilidade em fazer a leitura musical.
A ida para Lisboa facilitou o contacto com outros músicos e com empresários do ramo.
Durante as décadas de 60, 70 e parte da de 80, fiz o acompanhamento musical de muitos artistas conhecidos, como Lenita Gentil, Fernanda Batista, Anita Guerreiro, Vitória Maria, Tristão da Silva Jr., Rosita Afonso, hoje mais conhecida como Rosa do Canto, Joaquim Cordeiro, Francisco Jorge e tantos outros.
Foi uma época de trabalho muito preenchida e esgotante, com espectáculos todos os fins-de-semana, na zona de Lisboa, no Ribatejo ou no Alto Alentejo. Posso dizer que, praticamente, actuei em todas as localidades do nosso distrito.
Em 1982, percorri todas as localidades do concelho de Loures e muitas outras do país, com a revista “ A Pata que os Pôs” com o José Viana, Dora Leal, Carlos Miguel, Lia Sena e outros actores.
Participei, a título gracioso, em muitos espectáculos de beneficência, tanto em Lisboa, como em Nisa e Vila Velha de Ródão, terra da minha esposa.”
Sinfonia na Rua Direita
A Rua Direita, onde nasceu José Casimiro, chegou a ser conhecida como a rua dos músicos, tal a quantidade (e qualidade) dos executantes que ali residiam e que a horas certas ou incertas faziam ouvir os seus instrumentos.
“É verdade. A Rua Direita, a certas horas, mais parecia uma orquestra sinfónica, tal a quantidade de músicos que se ouviam na rua a ensaiarem. No princípio da rua estava o ti Xirra. Em frente, a nossa casa e três músicos (o meu pai, eu e o meu irmão António que também tocava acordeão). Mais acima, o ti Abílio Porto, o ti Luís Félix e a família Calhabré, pai e filhos, onde ensaiava o grupo “Os Fixes”
Na casa do meu pai ensaiou durante algum tempo o grupo “Os Unidos”. Enfim, nesses tempos, Nisa tinha muitos e bons músicos, havia um grande gosto pela música, um gosto que felizmente não se perdeu.
Eu ainda fiz parte de um conjunto musical, “Alegria e Ritmo” que além de mim, integrava o meu irmão António (tocávamos os dois acordeão), Carlos Pequito (clarinete) Vítor Bonito (vocalista e bateria) e Manuel Filipe (vocalista e bateria).
Actuámos várias vezes em Portalegre, nos santos populares, no bairro junto ao campo da Fontedeira. Na altura, Portalegre tinha boas orquestras, como a “Ideal”, Ferrugem”, “Alentejanos”, mas nós conseguíamos atrair mais gente porque tínhamos um melhor repertório, principalmente de músicas espanholas que o meu pai arranjava.”
Aos 77 anos, com duas filhas e três netos, José Casimiro continua a adorar a sua terra, a ser presença nos convívios dos Zés, dos “artilheiros” e noutras festas populares, como a da romaria da Senhora da Graça, onde a sua concertina já faz parte da paisagem “musical”. Foi lá que o encontrámos e nos desfiou o seu registo de memórias.
“Venho a Nisa sempre que me convidam. Gosto de conviver com os meus amigos, lembrar a minha infância e juventude, os tempos que cá passei.
Era bom que voltassem a fazer umas festas como as Festas do Povo, em 1975 e 1976, nas quais colaborei com muito prazer, com actuações e ajudando a escolher muitos artistas.”
Mário Mendes in "Fonte Nova" - 3/5/2011