Tem
80 anos e mantém ainda uma energia que surpreende e contagia.
Recorda a sua vida, realça o contacto com o país e a cidade de
Portalegre, sua terra adoptiva, os amigos que fez, desde a escola e
no calcorrear das suas andanças profissionais, na labuta diária
pela modernização das redes de telecomunicações.
De
permeio, foi sindicalista e político, como quem acredita que, não
podendo transformar o mundo, pode melhorá-lo com a sua acção.
Acabou por regressar às origens, a Montalvão, fez-se Provedor da
Misericórdia um pouco a contragosto e quinze anos passados, olha
para trás com um sorriso aberto e satisfeito pela obra realizada.
Caros
leitores, apresento-vos Joaquim Maria da Costa, um montalvanense, na
primeira pessoa.
“ Nasci
em Montalvão no início de 1931. Andei na Escola Primária e fiz
exame da 4ª classe na Escola do Rossio em Nisa. Depois fui estudar
para Portalegre onde frequentei durante 5 anos o Curso Industrial de
Mecânica e Desenho de Máquinas. Saia-se de lá com grandes
conhecimentos técnicos e de projectos e muitos tiveram as bases para
a vida de trabalho. Foi um erro muito grande acabar com as Escolas
Industriais e Comerciais. Nós no 4º ano já tínhamos procura do
mercado de trabalho. Fiquei a trabalhar em Portalegre numa oficina de
mecânica até ir para a tropa para o Curso de Milicianos. Ainda na
tropa concorri às Telecomunicações dos CTT e fui aceite.
Frequentei um curso de seis meses e entrei para o sector das
Telecomunicações. Mas surgiu um problema, pois fui mobilizado para
ir para a Índia em 1952. No vai e vem entre Portalegre e Abrantes, o
tempo foi decorrendo e acabaram por mobilizar outra Companhia.
Nos
CTT fui colocado primeiro em Évora, onde estive 2 anos. Pedi a
transferência para Portalegre e mandaram-me estagiar para Torres
Vedras. Andei requisitado pelos Serviços Técnicos durante 12 anos e
pouco vinha a Portalegre. Fiz trabalhos desde o Algarve ao Minho e na
Madeira e praticamente só vinha passar umas curtas férias.
Estive
37 anos no sector das Telecomunicações dos CTT. Foi a minha equipa
que automatizou o grupo de redes de Portalegre e lembro-me que a
primeira estação a ser automatizada foi a de Castelo de Vide. Com
algumas poucas excepções, fiz a automatização da maior parte das
estações de telecomunicações do distrito.
O
meu trabalho foi reconhecido e fui convidado pelo Director da Área
de Telecomunicações de Évora, que abarcava todo o Alto Alentejo,
para ser o SD Técnico (Chefe do Sector Automático). Estive 17 anos
nesse cargo e do qual me reformei.”
Regresso
às origens e o apelo da Misericórdia
O
tempo da reforma, tantas vezes sonhada e aguardada. Para uns, o
concretizar de alguns sonhos, o tempo para ter tempo, para a família,
os amigos e o lazer.
Não
para todos. Há apelos, fortes, da terra e das instituições, apelos
que se aceitam ou recusam. Joaquim Costa aceitou o convite e de um
momento para outro entrou na “reforma activa”.
“ Morei
sempre em Portalegre, mesmo quando andava por fora e quando me
reformei aos 61 anos, o meu irmão tinha falecido e com os meus pais
estavam já com uma certa idade, entendi que devia olhar por eles e
regressei a Montalvão.
A
ideia inicial era tratar da horta, ir à pesca, fingir que caçava,
ou seja, passar tranquilamente os anos de reforma. Mas o “tiro”
saiu-me pela culatra.
Estava
há pouco tempo em Montalvão quando o senhor Mourato, Provedor da
Misericórdia veio ter comigo e pedir-me para eu o substituir.
Disse-lhe que estava disponível para ajudar mas não para esse
lugar, pois sabia que era um cargo muito trabalhoso. Fiquei como
tesoureiro da Comissão da Senhora dos Remédios e durante cinco
meses fui presidente da Assembleia-Geral.
Durante
o mandato e por diversas vezes propus a compra de uma propriedade com
casa, na Corredoura, já que tinha a garantia de entidades de
comparticipação. Nessa altura já se fazia sentir a necessidade de
novas instalações para o Centro de Dia, mas nunca aceitaram a
proposta, o que me desiludiu um pouco.Em Novembro de 1998 participei na reunião da Assembleia Geral, sem vontade de aceitar qualquer cargo, mas houve uma votação esmagadora que me fez pensar e acabei por aceitar ser Provedor.
Quando entrei para Provedor, a SC Misericórdia de Montalvão funcionava com 20 utentes e 4 funcionárias, sendo uma administrativa, 1 cozinheira e 2 auxiliares.
As
condições não eram as melhores, pois o espaço era reduzido. Havia
50 pessoas em Montalvão e 20 na Salavessa em lista de espera, porque
não havia condições para as admitir.
A
primeira decisão que tomei foi conhecer a situação financeira e a
regularização da contabilidade. Incomodava-me o facto de o Centro
de Dia abrir às segundas e fechar às sextas-feiras. Durante o
fim-de-semana os utentes ficavam entregues a si próprios. Era
preciso inverter a situação e com a compreensão dos funcionários
o Centro de Dia entrou em regime permanente, no dia 25 de Abril de
1999, o que obrigou a recrutar mais 5 trabalhadoras. Os utentes
passaram a ter mais duas refeições quentes e a serem acompanhados
mais duas vezes pelos funcionários.
A
lista de espera não deixava de me preocupar, mas o pessoal dizia-me
que não havia capacidade de resposta. Fui à Segurança Social falei
com o Director fiz-lhe sentir a realidade de Montalvão e da sua
parte houve sensibilidade para fazermos um protocolo que abrangeu 35
pessoas em centro de Dia e 60 em Apoio Domiciliário. Isso originou
uma pequena “revolução”. Foi preciso adquirir novos
equipamentos, utensílios de cozinha, remodelação de instalações,
e aumentar o número de funcionários que passou de 9 para 17. Com
esta “operação” ainda conseguimos manter mais 3 utentes fora do
protocolo.
Fomos
a primeira instituição a ter serviços médicos, porque o médico
estava muito tempo sem ir a Montalvão e criámos um espaço para o
Gabinete Médico, fazendo um protocolo com a ARS para que o mesmo
fosse oficializado para os nossos utentes.”
Sonho
e luta: a construção do LarSituada
junto à fronteira, a freguesia de Montalvão sofreu como poucas o
êxodo da população activa para o estrangeiro e para a Grande
Lisboa. Os que ficaram, agarrados à ocupação do trabalho rural,
envelheceram e necessitam de cuidados especiais. Os filhos e os
familiares mais chegados estão longe, a solidão tomou conta das
horas e dos dias.
O
Centro de Dia preenchia um espaço, mas não chegava para todos.
Joaquim Costa, também ele, idoso, pôs-se na “pele” dos seus
conterrâneos e não parou de pensar e... agir.
“O
primeiro passo estava dado, antes de mim. Havia um terreno adquirido
pela Câmara presidida pelo Dr. José Manuel Basso e para o qual só
faltava a escritura de doação. Foi assinada por mim e pelo
presidente da Câmara e de imediato começámos a tratar do projecto
do Lar. Quando as coisas pareciam encaminhadas para que o mesmo fosse
apresentado como candidatura, verifiquei que, afinal, contemplava um
Centro de Dia.
Deixámos
passar o prazo para integrar o PIDDAC desse ano, mas no ano seguinte
e com o projecto devidamente elaborado, “chateei” muitas pessoas
que eu conhecia, bati a muitas portas e o certo é que entre 56
candidaturas, apenas duas foram aprovadas e uma delas era a do Lar de
Montalvão.
Tinha
a garantia da aprovação do projecto e em 29 de Agosto de 1999 a
obra arrancou em força. Mesmo com alguns acidentes de percurso, que
me escuso de referir, a obra nunca parou. Assim que tivemos
oportunidade, antes da obra concluída, transferimos o Centro de Dia
para as novas instalações. A construção do Lar e logradouros
porque houve dificuldades, a partir de certa altura, na cedência de
pedreiros da Câmara, optou-se por um empreiteiro (Armando Barrento),
o que foi uma decisão acertada, tendo a obra sido concluída.”
Um
sonho de muitos anos fora concretizado. Joaquim Costa podia, enfim,
dormir descansado, mas o seu espírito activo “falou” mais alto.
“Inicialmente,
estavam previstas 22 camas no piso de cima e pus-me a pensar porque
não se aproveitava a parte de baixo. Falámos com a Câmara que
aceitou a ideia e fez o projecto e conseguimos instalar mais 16 camas
e dispensas. E ainda ponho a hipótese de arranjar mais camas, pois
as necessidades são muitas.”
As
condições modelares e de funcionamento do Lar da Santa Casa da
Misericórdia de Montalvão tem recebido elogios de muitas entidades.
Louros que Joaquim Costa diz serem fruto do trabalho de equipa.
“É
certo que todos os dias vou ao lar e acompanho a par e passo o
funcionamento da Instituição, mas temos que dar valor aos
funcionários e à encarregada que é uma pessoa competente e zelosa.
Por outro lado, temos uma boa situação e estabilidade financeira.
Não damos o passo maior que a perna e com a responsabilidade de
todos temos conseguido realizar todas as metas a que nos propusemos.”
No
aspecto patrimonial tem um grande significado a obra levada a cabo,
sob os auspícios do Provedor, a restauração e remodelação da
Igreja da Misericórdia de Montalvão.
“A
igreja serve como Casa Mortuária e eu sentia-me incomodado cada vez
que ia a um funeral. Achava indecente o aspecto do edifício
religioso. Metemos mãos à obra, falei com um restaurador que
conhecia de Portalegre, o senhor Joaquim Martins, ele entendeu o que
pretendíamos e fez uma trabalho de restauro de altares e arte sacra,
a todos os títulos notável. Para além disso, o edifício foi todo
reparado. Substituímos os bancos, colocámos um piso novo,
rebocaram-se as paredes, recuperaram-se os sobrados, instalaram-se
sanitários, enfim, a igreja ficou com a dignidade que merecia e hoje
pode ser visitada por quem o desejar.”
Joaquim
Costa fala da Misericórdia e do Lar como da “menina dos seus
olhos”.
Na
extensa vida de 80 anos, este homem, fumador inveterado e de longas
barbas como imagem de marca, pisou os palcos do sindicalismo, sendo
um dos fundadores do Sindicato das Telecomunicações (SINTEL), e da
política. Foi vereador durante dois mandatos na Câmara de
Portalegre, eleito na Assembleia Municipal em Portalegre e Nisa,
membro das Comissões Concelhias do Partido Socialista em Portalegre
e Nisa.
Na
sua terra, Montalvão, recusou, sempre, ser candidato e hoje é
notório, que a freguesia e o concelho só ficaram a ganhar com essa
decisão.
“ Não
se pode ser duas coisas ao mesmo tempo. Dediquei-me à Santa Casa da
Misericórdia. Foram 15 anos de esforço e muita luta para conseguir
que a obra nascesse e se consolidasse. Ser Provedor exige muita
dedicação e trabalho. Sempre gostei de resolver os problemas e
nunca tive nada que me metesse medo, embora a idade já seja um pouco
avançada, nunca digo que é o último mandato, pois todos somos
substituíveis. Eu gostava e desejo que apareça alguém que possa
tomar conta deste empreendimento, com a mesma força e determinação
que eu tenho tido.”
*
Mário Mendes – Fonte Nova -14/6/2011