Jogou à bola, lembra os jogos entre Nisa e Alpalhão e as
antigas rivalidades entre as duas vilas do concelho. Os bons ou maus momentos
futebolísticos do "seu" Sporting dá-lhe pano para mangas para as
conversas com os clientes, entre o vai e vem do pente e da tesoura. No corte da
barba, é melhor esse tipo de conversas ficar de fora, "não vá o diabo
tecê-las". É a gente a falar. Barbeiro há 56 anos, conversador nato e com
uma risada a terminar cada frase, é assim Henrique Martins Fortunato, um homem
pacífico e uma das figuras populares de Alpalhão. Com um sorriso de orelha a
orelha, contou-nos um pouco da sua vida e profissão.
"Não tenho muito para contar, ou, então, se fosse a
contar todas as peripécias da minha vida, dava para fazer um grande filme. Sou
barbeiro há 56 anos e estou aqui nesta casa desde 1955, há 50 anos. A taberna
abriu um pouco mais tarde, há 43 anos, tem sido esta a minha vida, vai dando
para me governar".
Dado o mote para a conversa, Henrique Fortunato conta-nos
como foi o começo da sua actividade como barbeiro.
"Aprendi a arte de barbeiro com o ti Fernando
Bate-Certo e tinha que bater certo, não é verdade? Comecei a aprender com 13
anos e assim andei até ir tirar sortes, sem ganhar um tostão. Depois de acabada
a tropa é que abri o estabelecimento aqui na rua do Castelo."
Clientela é coisa que parece não faltar a este barbeiro
alpalhoense, que nos diz ter muitos clientes que "vêm de Nisa, Tolosa,
Gáfete, Alagoa, Castelo de Vide, Póvoa e Meadas e até de Portalegre, sem contar
com as pessoas de Alpalhão".
São clientes de muitos anos, "a maioria com mais de 40
anos de idade, mas também aparecem alguns jovens, porque há poucos
barbeiros".
Henrique Fortunato diz gostar da sua profissão e daquilo que
faz. Já foi presidente da Junta de Freguesia, mas durante pouco tempo.
"É um cargo que só dá chatices e eu não tinha feitio
para me indispôr com ninguém. Assim resolvi pedir a demissão e dedicar-me
àquilo que tenho feito sempre. Sempre gostei disto e de aprender, quando vou a
algum lado reparo sempre como fazem as coisas. Numa ocasião, em Lisboa, vi uma
senhora a cortar cabelo e que bem que ela cortava. Desde que se aprenda e
queira fazer as coisas com perfeição, é uma profissão como outra qualquer. Só
não percebo porque é que há cada vez menos gente a querer ser barbeiro".
Para além da barbearia e do atendimento na taberna, Henrique
Fortunato tem outras "ocupações", uma delas, a da caça, que já não
pratica com a intensidade de outros tempos.
"Fui caçador durante muitos anos. Agora, as pernas já
não puxam muito. Sou o sócio mais velho da reserva de Alpalhão. Sempre gostei
de actividade física, para além do futebol, gostava muito de jogar
chinquilho".
Sportinguista dos quatro costados, o futebol é tema
recorrente de muitas conversas, seja a nível nacional ou no plano local.
"Foi uma pena acabarem com o futebol em Alpalhão. As pessoas
daqui gostam muito de desporto. Noutros tempos não "havia pai" para o
ciclismo e tínhamos aí bons corredores. Aos domingos o povo gostava de ir ver a
bola, divertíamo-nos um bocadinho e o Alpalhão chegou a estar na 3ª divisão.
Agora parece que há aí uma malta que vai pôr o futebol outra vez em
funcionamento".
Henrique não é só adepto do futebol. Foi jogador e não
esquece os jogos intensos, vibrantes, nas décadas de 50 e 60. Com um sorriso
rasgado, põe a memória a viajar e lembra a rivalidade com os vizinhos de Nisa.
"Eram grandes jogos, com muita gente a assistir.
Jogava-se por amor à camisola, não havia prémios de jogo nem nada disso. Ainda
joguei contra o Fatan. Uma vez estávamos a ganhar 2 - 0 e fomos perder 2 - 8.
Joguei também contra o Vilela e lembro-me bem, o Vilela não me ganhava uma bola".
Recordações de quem deixou para trás mais de cinquenta anos
entre barbas e cabelos, pentes e tesouras, sucessos e desilusões do
"seu" Sporting e que agora só pensa em manter a saúde, sem dúvida a
maior riqueza para um Henrique que, para além de barbeiro, tem uma Fortuna(to).
Apenas no nome e na alegria que espalha, tá bom de ver.