“As
grandes superfícies mataram o comércio tradicional”- Isabel Maria Carita
É
uma história de vida dedicada ao comércio que merece ser realçada, a da senhora
Isabel Maria Carita, 79 anos, viúva, nada e criada em Nisa.
“Comecei
com 20 anos a vender na praça (mercado), ao pé dos Correios. Vendia frutos,
batatas, hortaliças, melancias, tudo produtos dos terrenos do Dr. Garcia
(Veterinário). Ainda vendi no lugar do senhor João Mendes, no Rossio e quando
abriu a Praça (Mercado Municipal) fomos para lá.
Tínhamos
uma casinha alugada e nas quintas-feiras e domingos, além das frutas e dos
legumes, vendíamos também frangos, coelhos, animais criados na horta e abatidos
no Matadouro Municipal. Foi um crime, terem deixado acabar o Matadouro, cá em
Nisa.
Quando
nasceu a minha filha, a minha mãe, coitada, pouco podia ajudar e então abri
aqui a venda com os produtos hortícolas do Dr. Veterinário, umas mercearias e
pão, que nessa altura foi autorizado a ser vendido nos comércios.
Parece
que foi ontem e já passaram 47 anos, todos os dias a levantar-me às seis da
manhã.
Comecei
a vender pão do senhor Branco, mais tarde do senhor Virgílio, do senhor Andrade
(Fábrica) e do Monte Claro.”
Ganhou
a sua própria clientela, uma clientela fiel, desde há muitos anos, a par de
outras pessoas que passam na estrada e ali se detém, pela simplicidade da venda
e pela simpatia da vendedora, não falando da fama do pão do Monte Claro.
Isabel
Carita, como comerciante experiente, não aponta preferências, apenas vai
dizendo que o pão do Monte Claro é, talvez, mais procurado, por ser feito
(cozido) em forno de lenha.
Discrição,
amabilidade e simpatia têm sido as “armas” de Isabel Maria Carita. Nos seus 79
anos de vida e de quase meio século, a contactar com o público, diz nunca ter
tido o mais pequeno problema.
A
sua casa, loja, venda, na Estrada da Fonte da Pipa é um exemplo de
estabelecimento onde o asseio e a arrumação saltam à vista.
Os
senhores da UE valorizam pouco, quase nada, estas vendas e locais de convívio,
onde o atendimento é pessoal e quase familiar.
O
pão do dia ou os bolos que a senhora Isabel vende, são, sempre, um primeiro
passo para uma conversa, que ajuda a manter as relações de sã convivência entre
uma comunidade.
Aos
79 anos, para a maioria das pessoas, já seria tempo suficiente para “embarcar”
na reforma e no descanso. Não pensa assim, Isabel Carita, para quem a sua venda
não é, apenas um lugar de negócio, mas um espaço de motivação e de ajuda para
se sentir válida no dia a dia, não permitindo que a rotina e o abandono,
progressivo, da vida, se instale.
A
vontade de manter o seu posto, servindo os seus clientes e amigos, parece ter
chegado ao fim, face às exigências da lei. Continuar, significaria a
transformação da loja, um vultoso investimento em obras e mobiliário que a sua
idade já não aconselha.
“Fico
muito triste. São muitos anos nesta vida, a vender pão, a conversar com as
pessoas. Levanto-me de manhãzinha bem cedo e começo logo a conversar, a girar
para aqui e ali. E agora?”
E,
agora, senhora Isabel? O que dirão centenas, talvez, milhares de pessoas com
situação semelhante à sua?
A
CEE, a UE ou lá o raio que é, parece importar-se pouco com a destruição do
frágil tecido comercial e industrial das aldeias e vilas.
Importante,
mesmo, são as “normas”, as imposições, o pão, o queijo, os produtos
“bacteriologicamente puros”, sabendo a coisa nenhuma.
Importante
para os tecnocratas que nos (des)governam é o invólucro, a embalagem.
Mário
Mendes in "Jornal de Nisa" - nº 245 - 19 Dez.07